A guerra na Ucrânia expõe brutalmente a vulnerabilidade da União Europeia (UE) em relação à sua defesa e sua extrema dependência de insumos estratégicos estrangeiros. Com uma indústria bélica obsoleta e reservas insignificantes de tântalo e tungstênio, a UE é quase totalmente refém de importações, dependendo da China para 100% das terras raras pesadas, da Turquia para 98% do boro e do Brasil para 82% do nióbio.
A China domina 85% do refino global de minerais críticos, muito contaminante, enquanto a Rússia possui vastas reservas de terras raras na Sibéria, especialmente em Tomtor, e controla cerca de 40% dos recursos metálicos críticos da Ucrânia, localizados principalmente nas regiões de Donetsk, Lugansk e Zaporizhia.
Moscou está utilizando, neste momento, esses recursos como moeda de negociação e já insinuou ofertas aos Estados Unidos em troca de concessões políticas na Ucrânia, visando consolidar tanto a anexação da Península da Crimeia em 2014 quanto das zonas atualmente ocupadas desde o conflito iniciado em 2022.
Com o iminente acordo de minerais raros entre EUA e Ucrânia, a dependência europeia atinge níveis críticos, relegando a UE a um papel cada vez mais irrelevante na nova ordem mundial e evidenciando sua tremenda incapacidade de proteger seus próprios interesses estratégicos em seu próprio continente.
Nesse cenário internacional conturbado, o Brasil destaca-se como uma alternativa geoestratégica promissora para suprir a crescente demanda por minerais críticos. O país possui aproximadamente 10% das reservas globais desses recursos, incluindo a maior reserva mundial de nióbio, a segunda maior de grafite e a terceira maior de terras raras e níquel, além de depósitos significativos de lítio, cobre e cobalto, essenciais para tecnologias emergentes.
O problema é que, apesar dessa abundância, o Brasil atualmente representa apenas 0,09% da produção mundial desses minerais, evidenciando o gigantesco potencial inexplorado do setor. Para mudar esse cenário, é necessário um marco regulatório claro que incentive investimentos e garanta um desenvolvimento sustentável.
Reconhecendo a necessidade de diversificar suas fontes de suprimento, a União Europeia promulgou recentemente o Regulamento (UE) 2024/1252, conhecido como “Lei Europeia das Matérias-Primas Críticas”, com o objetivo de reduzir a dependência externa e promover parcerias com fornecedores confiáveis.
Nesse contexto, o Brasil, ao alinhar-se a práticas de mineração sustentável, posiciona-se como um parceiro estratégico essencial para a UE, assegurando um fornecimento confiável de minerais críticos sem comprometer padrões socioambientais, um tema delicado para a Comissão Européia e o Parlamento Europeu.
Estudos indicam que, com investimentos adequados, o setor de minerais críticos pode adicionar até R$ 243 bilhões ao PIB brasileiro nos próximos 25 anos, consolidando o país como um fornecedor-chave na cadeia global de suprimentos para a transição energética em todo o mundo, uma das bandeiras mais importantes da política européia, a pesar da recente flexibilização.
A principal vantagem geológica do Brasil reside na abundância e diversidade de minerais estratégicos em seu território. O país detém aproximadamente 95% das reservas conhecidas de nióbio no mundo, elemento essencial para a fabricação de ligas metálicas de alta performance, supercondutores, fundamentais na guerra pela Inteligencia Artificial, e blindagens militares avançadas.
Além disso, o Brasil possui cerca de 22% das reservas globais de grafite, matéria-prima fundamental para ânodos de baterias de íons de lítio e para a produção de materiais ultrarresistentes empregados na indústria.
No que tange às terras raras, o país ocupa a terceira posição mundial em reservas, elementos indispensáveis na manufatura de componentes de defesa sofisticados, motores elétricos de alto desempenho, turbinas e uma ampla gama de eletrônicos de ponta.
Em relação ao níquel, o Brasil detém cerca de 17% das reservas mundiais, mineral crítico utilizado em baterias modernas, turbinas de geração de energia e superligas do setor aeroespacial. Por fim, embora o país possua apenas 0,4% das reservas globais de lítio, já se posiciona como o quinto maior produtor mundial desse mineral, essencial na transição energética para baterias de veículos elétricos e sistemas de armazenamento de energia em larga escala.
Embora o Brasil possua uma infraestrutura de mineração robusta, enfrenta desafios importantes na agregação de valor aos seus recursos minerais por meio de processamento e refino avançados. Historicamente, grande parte dos minerais críticos extraídos no país é exportada em formas primárias ou semimanufaturadas, evidenciando uma dependência de tecnologia estrangeira nas etapas finais da cadeia produtiva.
Para reverter esse cenário, é imperativo investir vigorosamente em pesquisa e desenvolvimento (P&D), permitindo ao país dominar internamente técnicas de refino e manufatura de materiais de alto desempenho. Essa autonomia tecnológica reduziria a necessidade de importação de know-how, por um lado, e fomentaria um ecossistema industrial avançado, por outro.
As aplicações militares desses avanços seriam notáveis: o domínio na produção de ligas especiais de nióbio fortaleceria a proteção de veículos e estruturas; a capacidade de produzir internamente ímãs e componentes à base de terras raras aprimoraria radares e motores de drones; e o refino de níquel e cobalto de alta pureza viabilizaria a fabricação de turbinas e superligas para aeronaves e equipamentos militares sofisticados.
A Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) 2023-2030, estabelecida pela Portaria MCTI nº 6.998, de 10 de maio de 2023, enfatiza a necessidade de fomentar parcerias público-privadas focadas no desenvolvimento de produtos, processos e serviços tecnológicos, visando agregar valor aos recursos naturais brasileiros. Ao investir em P&D e promover a capacitação tecnológica, o Brasil valorizaria seus recursos minerais e fortaleceria sua soberania e segurança nacional por meio de uma indústria de defesa autossuficiente e tecnologicamente avançada.
Alternativamente, considerando a persistente falta de capacidade para explorar plenamente seus recursos, o Brasil poderia utilizar seu potencial de fornecimento de minerais críticos como instrumento de barganha geopolítica. Ao posicionar-se como fornecedor estratégico desses insumos, o país teria a oportunidade de fortalecer sua influência na nova ordem global, especialmente em um momento em que a União Europeia busca desesperadamente diversificar suas fontes de matérias-primas críticas.
Essa estratégia permitiria ao Brasil negociar melhores termos comerciais e políticos, aproveitando a conjuntura internacional para consolidar sua posição no cenário mundial nesta nova era de Guerra Fría pelos minerais, há muitos anos liderada pela China, o sócio de Brasil no BRICS+, ponta de lança do denominado Sul Global.
O Brasil ainda não tem a faca e o queijo na mão, mas tem algo tão poderoso quanto: o controle de matérias-primas essenciais para as economias mais avançadas do mundo. Embora falte tecnologia de ponta para refino e manufatura de alto desempenho, o Brasil pode usar seu potencial de fornecimento como poderosa moeda de barganha geopolítica, negociando acesso a tecnologias críticas, parcerias estratégicas e melhores posições comerciais e diplomáticas.
O país tem a oportunidade de moldar a nova ordem global não pela força tecnológica que ainda não possui, mas pela influência sobre os recursos que todos precisam. Se agir com inteligência estratégica e coragem política, o Brasil pode transformar sua dependência tecnológica em poder de negociação. O mundo precisa do que o Brasil tem — cabe ao governo usar isso a seu favor e a favor de seu povo.
Fonte: abril