Cenário Político

Bolsonaro preso: especialistas destacam falhas no processo que condenou ex-presidente

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O ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes contra o Estado Democrático de Direito, foi preso preventivamente pela Polícia Federal (PF) neste sábado (22), reacendendo o debate jurídico sobre a solidez das acusações e os limites da atuação da Corte. Juristas e especialistas em Direito Penal têm alertado para a fragilidade das provas e para violações evidentes das garantias fundamentais previstas na Constituição durante os processos contra o ex-presidente.

Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), aceita pelo STF e que levou Bolsonaro a ser condenado em setembro deste ano, o ex-presidente participou de uma suposta trama para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva em 2023, articulando com militares e ex-assessores medidas que poderiam levar a uma ruptura institucional. A acusação é resultado da chamada Operação Tempus Veritatis, deflagrada em fevereiro de 2024. O núcleo da denúncia envolve mensagens trocadas por aplicativos, reuniões privadas e uma minuta de decreto que autorizaria a intervenção militar e a prisão de ministros do STF — documento nunca publicado nem executado.

Apesar da gravidade dos fatos narrados, a base probatória é considerada frágil por diversos juristas. O advogado Eduardo Tozzini, em artigo publicado na Gazeta do Povo, argumenta que a denúncia não descreve atos concretos que configurem uma tentativa de crime, conforme exige o artigo 14 do Código Penal. “Minutas e opiniões expressas em grupos de mensagem pertencem à esfera da cogitação ou, no máximo, de atos preparatórios — etapas que, por si só, não são puníveis”, afirma Tozzini.

O jurista Ives Gandra da Silva Martins também contesta a caracterização jurídica de tentativa de golpe. Segundo ele, um golpe pressupõe mobilização armada e ações efetivas de tomada do poder. “Nenhum militar com comando de tropas saiu às ruas. Não há histórico mundial de golpe sem o apoio das Forças Armadas”, afirma Gandra.

8 de janeiro

O evento de 8 de janeiro de 2023, considerado por muitos o estopim do processo, também tem sido alvo de questionamentos técnicos. No dia — um domingo — não havia expediente nos Três Poderes, e os principais ocupantes dos cargos públicos estavam ausentes de Brasília. “Não havia alvos institucionais funcionando. Cogitar que manifestantes civis, desarmados, poderiam depor um governo em atividade não é juridicamente plausível”, escreve Tozzini. Para ele, trata-se de um caso clássico de “crime impossível”, conforme o artigo 17 do Código Penal, que exclui a punição de tentativas inviáveis por absoluta impropriedade do meio.

O ponto central da acusação contra Bolsonaro é igualmente questionável: a delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. O conteúdo da colaboração foi questionado várias vezes por sua falta de materialidade. Ao contrário das delações firmadas durante a Operação Lava Jato, que vinham acompanhadas de provas documentais, a de Cid se apoia quase exclusivamente em declarações verbais. Pouco ou nada foi entregue além das próprias palavras do delator.

Além disso, há indícios de que a delação pode ter sido obtida sob pressão. Durante audiência com o ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo caso, o magistrado teria feito referência à possibilidade de responsabilização penal de familiares do delator, caso houvesse contradições em seu relato. Juristas veem nisso um elemento de coação que compromete a espontaneidade do acordo e sua validade jurídica.

Princípios processuais em xeque

A condução do processo também tem sido alvo de duras críticas por parte de constitucionalistas. A primeira delas diz respeito à violação do princípio do juiz natural. Bolsonaro e outros réus acusados pela suposta tentativa de golpe não têm prerrogativa de foro, mas o caso permanece sob jurisdição do STF. Além disso, o ministro Alexandre de Moraes, apontado na denúncia como possível alvo da trama, não se declarou impedido para relatar e julgar o caso.

Outro ponto controverso foi a falta de individualização das condutas. A denúncia atribui genericamente a Bolsonaro crimes como dano qualificado ao patrimônio público e deterioração de bens tombados, em referência aos atos de vandalismo do 8 de janeiro, sem comprovação de que o ex-presidente tenha instigado ou comandado nenhum desses atos.

Condenação de Bolsonaro era certa

Apesar das inconsistências jurídicas apontadas por especialistas, a condenação de Bolsonaro já era esperada. Ministros do STF já haviam se manifestado publicamente de forma crítica à conduta do ex-presidente e seus aliados. No placar final do julgamento na Primeira Turma do STF, o ex-presidente foi condenado por 4 votos a 1. O ministro Luiz Fux foi o único a votar pela absolvição do ex-mandatário, ao defender a anulação penal contra Bolsonaro desde sua origem e apontar várias violações ao devido processo penal, incluindo o cerceamento à defesa de Bolsonaro. Ainda assim, os argumentos apresentados por juristas evidenciam que o caso está longe de ser pacífico no campo técnico.

Para especialistas, a responsabilização de autoridades deve obedecer aos requisitos constitucionais e legais — entre eles, a existência de ato executivo, provas materiais e julgamento imparcial. E esse , alertam, não parece ter sido o caso do julgamento de Bolsonaro.

Fonte: gazetadopovo

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