“Não” – talvez seja uma das primeiras palavras que as crianças aprendem. E, bem cedinho, elas já a utilizam para desafiar alguma ordem de seus pais. Ou, ainda, aprendem a ignorá-la, quando vem dos lábios do pai ou da mãe. O fato é que a desobediência aparece de diversas maneiras e com diferentes intensidades ao longo da infância e da adolescência e boa parte do trabalho de ser pai ou mãe consiste em aprender a lidar com ela e superá-la tendo sempre o desenvolvimento saudável dos filhos como prioridade.
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“O que é complexo nisso é que a criança se constrói justamente através do desafiar. Ela quer entender que consegue operar sobre o mundo em que vive, sem apenas obedecer”, afirma a psicóloga Michele Maba. Ela explica ainda que, no caso de crianças muito pequenas, existe uma razão por trás da sua aparente desobediência.
“O nosso cérebro tem dificuldade de entender o ‘não’, porque ele é uma abstração. Se o pai diz: ‘Não põe o dedo na tomada’, a criança primeiro cria a imagem mental do dedinho dela na tomada para só mais tarde compreender o ‘não’. A gente não sabe desenhar um ‘não’ na nossa cabeça. Então acaba sendo muito atrativo realizar aquilo que o cérebro imaginou: pôr o dedinho na tomada”, exemplifica Michele.
E mesmo depois que a criança consegue elaborar a ideia de “não”, os desafios não param. “A criança pode continuar a desafiar porque entende que com isso ganha a atenção dos pais. Pelo menos nessa hora o pai tira os olhos do computador, do celular ou da televisão”, diz a psicóloga.
Saber lidar
A dica de Michele, no caso das crianças pequenas, é dar ordens positivas. “Em vez de dizer: ‘Não brinca no chão gelado’, diga: ‘Venha brincar aqui no tapete, que é mais quentinho’. É melhor distrair e trazer ela para outra realidade do que dar uma ordem negativa que tenderá a ser desobedecida naquele momento”, orienta a psicóloga.
O psicólogo Marcos Meier vai na mesma direção: “Quando a criança é muito pequena, não temos que ficar batendo boca, discutindo ou ameaçando. Temos que fazer de conta que a criança não falou que não vai obedecer. Por exemplo, se você diz: ‘Vem, vamos tomar banho’ e a criança diz: ‘Eu não vou, eu não quero tomar banho’, você chama ela para perto, já vai tirando a roupinha dela e começa a falar de outra coisa: ‘Então, hoje lá na escola, quando eu fui buscar você…’ Você conversa com ela e vai fazendo com que ela tome banho e pronto. Não é ela que manda. A criança começa a perceber, desde pequenininha, que não adianta fazer birra ou manha, porque não funciona”.
Quando a criança é maiorzinha, o cenário é outro. “Você pode perguntar: ‘O que está acontecendo?’ ou ‘Por que você não está obedecendo?’ A criança provavelmente não sabe explicar. Às vezes é um mau humor momentâneo. Se ela insiste, você diz: ‘Tá bom. Eu vou esperar um pouquinho, até passar a raiva que você está sentindo, e aí a gente conversa de novo e você faz o que estou pedindo, né?’ E aí você sai de perto e em seguida cumpre o que propôs e pronto”, orienta Meier.
Em uma terceira fase, em que as crianças já cresceram um pouco mais, é importante explicar o sentido das normas estabelecidas pela família. O método muda um pouco, mas sempre é preciso fazer valer a regra. “Se você tinha combinado com a criança de que ela só podia jogar videogame até as 21 horas, vai lá cobrar e ela nem se mexe, você faz a sua ordem acontecer e puxa o videogame da tomada. Você ensina que a desobediência tem consequências”, explica o psicólogo. “Não precisa bater ou dar castigo até o fim do ano. Você faz a sua ordem ser obedecida imediatamente e pronto. Você é pai, você é mãe e precisa exercer a sua autoridade – com muito afeto”.
Regras: poucas, claras e respeitadas
Se os pais cedem na hora de fazer valer a regra que estabeleceram, a relação entre pais e filhos pode acabar virando uma disputa de poder. “Muitas vezes os pais dão uma ordem e a criança teima até eles cederem: ‘Tá bom, come isso já que você quer tanto!’, por exemplo. A criança entende então que tem poder sobre os pais – que, se ela teimar bastante, vence a ordem dada”, explica Michele.
“No fundo, a criança está entendendo que vale a pena insistir e que ela está ganhando poder em uma espécie de guerra”, diz a psicóloga. “Se você disse que se a criança não comer tudo não vai ganhar o chocolate de sobremesa, é preciso cumprir, por mais que o coração do pai ou da mãe doa, senão a criança entende que pode barganhar. Os pais serão mais e mais frustrados e serão menos efetivos na educação dessa criança”.
Porém, os pais precisam refletir sobre as próprias ordens, evitando fazer cumprir os próprios caprichos sem pensar no desenvolvimento da criança. “Tem muito pai e muita mãe que fala assim: ‘Filho, não pode correr, para de correr, se você correr, vai cair’. Gente, é uma criança. Ela precisa correr”, afirma Meier. “Vamos supor que no comecinho a criança obedeça. Mesmo assim, toda aquela energia está dentro dela. Então ela vai correr. Aí você diz: ‘Não corra’, e ela corre. É óbvio que é a regra que está errada”.
O psicólogo oferece um critério importante para que os pais analisem a efetividade das regras que impõem. “Se a criança tem disposição para obedecer, obedece em todo o resto, mas em um ponto desobedece, significa que o problema é a regra e não a criança”, explica. “Temos que ter cuidado com a imposição de regras que não ajudam na aprendizagem, no crescimento, no desenvolvimento e no amadurecimento da criança. Precisamos parar de dar tantas ordens, tantas regras, tantos limites. Temos que colocar poucas regras e fazê-las valer”.
Não vale tudo
Na hora de se fazer obedecer, recorrer à violência, à humilhação ou a chantagens emocionais só tem um resultado: prejudicar – e de forma grave – o desenvolvimento da criança. “Tem pais que aterrorizam os filhos com ameaças tão graves que – a neurociência já comprovou – geram uma dor semelhante à dor física. Jamais denigra, abaixe ou humilhe seu filho, dizendo coisas como: ‘Você é preguiçoso’, ‘você é vagabundo’”, orienta Meier.
As chantagens emocionais – do tipo: “Você me entristece tanto quando faz isso” – fazem com que a criança entenda que a felicidade dos pais é totalmente dependente do seu comportamento. Esse é um fardo muito grande para uma criança, de tal modo que ela pode começar a pensar que a discussão que presenciou entre os pais, ou a ausência prolongada de um deles por motivos de trabalho, é culpa dela. “No consultório, as crianças se queixam de ser responsáveis por situações emocionais pesadas dentro de casa – e isso não é verdade”, conta Michele.
Agressões, é claro, estão igualmente fora de cogitação. Passar a ter medo dos próprios pais apenas prejudica a relação entre pais e filhos, afastando-os e cortando os canais de comunicação. “O adulto que agride uma criança, ainda que com a intenção de educar, está mostrando apenas que é mais forte e não que está no comando. Só provamos que estamos no comando de uma situação quando não nos desequilibramos diante dela”, explica a psicóloga.
Fonte: semprefamilia.com.br