Filhos que sentem que podem conversar abertamente com os pais tĂȘm menor risco de se envolverem em episĂłdios de bullying como agressores ou, no caso de vĂtimas, estĂŁo mais protegidas contra os traumas decorrentes dessa violĂȘncia.
O bom ambiente familiar como uma ferramenta de prevenção ao bullying foi percebido em um estudo brasileiro, desenvolvido por pesquisadores de vĂĄrias universidades, entre elas a Universidade de SĂŁo Paulo (USP), e publicado na revista cientĂfica âEstudos de Psicologiaâ e compartilhado pela AgĂȘncia Bori.
A pesquisa avaliou 2.354 estudantes, com uma mĂ©dia de 14 anos de idade, de 11 escolas pĂșblicas de Minas Gerais, a partir das respostas em dois questionĂĄrios. Na sequĂȘncia, 55 estudantes foram selecionados de forma aleatĂłria para entrevistas mais aprofundadas sobre o tema.
Com os resultados, os pesquisadores perceberam que as interaçÔes familiares consideradas positivas tinham um poder de proteção em relação ao bullying, enquanto que as negativas aumentavam o risco de que as crianças e os adolescentes se envolvessem em episĂłdios de violĂȘncia psicolĂłgica.
âAcreditamos que a boa interação com os pais ajuda as vĂtimas, porque muitas relataram que isso [interação positiva] nĂŁo existia na casa delas. Essa boa comunicação abre um canal de diĂĄlogo entre pais e filhos, que facilita a busca por ajudaâ, explica Wanderlei Abadio de Oliveira, autor principal do estudo e professor da pĂłs-graduação em Psicologia da PUC-Campinas.
O pesquisador alerta que mesmo aspectos aparentemente positivos na relação entre pais e filhos, como criar expectativas positivas sobre a criança ou adolescente, pode nĂŁo ser a melhor abordagem para a prevenção ao bullying. âQuando os pais tĂȘm muitas expectativas positivas, acham que ele Ă© 100%, nota 10, isso vai inibindo o diĂĄlogo da vĂtima com esses pais. Ela vĂȘ que fracassa em algo que Ă© bĂĄsico, que sĂŁo as relaçÔes interpessoais e, para nĂŁo demonstrar essa falha, ela a ocultaâ, afirma o pesquisador.
Cabe ao adulto deixar o diĂĄlogo aberto, criar um canal de conversa que nĂŁo tenha preconceito. E, para alĂ©m do diĂĄlogo, o exemplo â a partir de comportamentos e açÔes â deve vir dos pais.
âSe os pais usam dessas estratĂ©gias mais agressivas para, em alguma medida, controlar um comportamento, ao chegar na escola, a criança pode identificar estudantes que, mesmo estando em um mesmo nĂvel que ela, sĂŁo mais frĂĄgeis ou tem uma certa vulnerabilidade e se tornam vĂtimas. A famĂlia sĂł consegue inibir um comportamento se, dentro de casa, ele nĂŁo for tolerado tambĂ©mâ, completa.
Fatores de proteção
Na comparação das respostas dos estudantes que participaram do estudo, os pesquisadores conseguiram perceber alguns fatores em comum que indicariam famĂlias mais âprotegidasâ do bullying. Seriam as famĂlias:
âSĂŁo fatores que consideramos como protetivos, mas fica parecendo que Ă© uma receita de bolo, e nĂŁo Ă©. A famĂlia que deixa o canal de comunicação aberto, que entende que o filho, mesmo sendo adolescente, precisa ter regras, que os pais conhecem os amigos dos filhos e sabem onde eles estĂŁo, tudo isso facilita o convĂvio familiar e ajuda no desenvolvimento de uma forma geralâ, completa Wanderlei Abadio de Oliveira, pesquisador e autor principal do estudo.
No entanto, uma das preocupaçÔes dos pesquisadores Ă© justamente nĂŁo culpar a famĂlia, visto que outros fatores, alguns que condicionam a rotina da casa, podem gerar padrĂ”es de relacionamento diferentes. Ainda assim, segundo Oliveira, a pesquisa ajuda ao olhar para os padrĂ”es.
âTemos que nos preocupar muito com o bullying. Ă um problema de todos, embora aconteça em geral na escola, e por muito tempo foi visto como um problema apenas daquele lugar. Nossa pesquisa mostra que Ă© um problema de todos nĂłs. A maneira como lidamos com a criança em casa vai impactar na escolaâ, reforça.
Impacto na vida adulta
VocĂȘ pode atĂ© achar que nĂŁo tem nada do seu pai ou da sua mĂŁe em si, mas as figuras parentais que a criaram foram fundamentais na sua formação e na sua identidade. Isso nĂŁo significa que eles nĂŁo cometam erros, conforme lembra Claudia Nasser, psicĂłloga clĂnica, da clĂnica Veer, em Curitiba.
âNa angĂșstia de criar bem, os pais podem pontuar muito as coisas negativas, na tentativa de criar limites, sem fazer uma validação. EntĂŁo a criança, ou adolescente, entra na vida com aquele repertĂłrio de âvocĂȘ Ă© lerdoâ ou âmoleâ, embora os pais pontuem essas questĂ”es com o objetivo de ajudar, acabam prejudicandoâ, explica.
E aĂ, ao chegar Ă escola e receber agressĂ”es semelhantes de colegas, a criança ou adolescente nĂŁo consegue deixĂĄ-las de lado. âOutra questĂŁo Ă© que os filhos acabam sendo a possibilidade de o pai acertar na vida. O pai tem um problema com a prĂłpria identidade, mas joga no filho. O discurso Ă© de âestou preocupado com o bem-estar do meu filhoâ, quando na verdade Ă© com o prĂłprioâ, afirma Claudia.
Os pais apenas percebem essas cobranças e exigĂȘncias descabidas quando buscam por ajuda psicĂłloga e tentam se entender. âO sofrimento Ă© muito grande porque o que as pessoas mais esperam Ă© serem reconhecidos pelos pais, que eles tenham orgulho e eles nĂŁo conseguem fazer a reflexĂŁo de: meu pai Ă© mal resolvido e por isso que pega no meu pĂ©. Eles pensam; o problema sou eu.â
Fonte: semprefamilia.com.br