De fio em fio, de forma em forma, oito patinhas frenéticas desenham no ar um esquema complexo e delicado. No princípio, analisam o terreno e fixam os amparos do grande projeto. Das bordas ao miolo, esboçam os contornos; e, rastejando sobre os andaimes estirados, espiralam até o centro, enquanto traçam padrões que preenchem e texturizam a teia orbital, tal qual as fibras de um grande tecido.
O arranho só parece delicado. Teias desse tipo, circulares e bidimensionais como um grande manto estendido, são feitas para aguentar o impacto de presas velozes, como libélulas – que cortam os ares em velocidades de, em média, 16 quilômetros por hora.
Para isso, as aranhas-tecelãs do gênero Caerostris produzem um tipo de seda hiperresistente e extremamente extensível. Essa seda, aliás, é mais resistente que a maioria dos materiais, sejam eles frutos da biologia ou sintetizados pelo ser humano.
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Este mérito é exclusivo das donas aranhas. Nessas espécies, o dimorfismo sexual – isto é, a variação de características entre os sexos – é tamanho que as fêmeas chegam a ter entre dez e cem vezes o peso de seus machos; e isso tem tudo a ver com a força de suas teias.
É o que descobriu uma equipe de cientistas após analisarem a resistência da seda de duas espécies de aranhas-tecelãs. A Caerostris darwini, que estende as maiores teias orbitais já vistas no mundo sobre rios e lagos de Madagascar, tem fêmeas mais de três vezes o tamanho de seus machos. Na Caerostris kuntenri, essa diferença é de mais de cinco vezes.

Para testar a força das teias, os pesquisadores deixaram aranhas dos dois sexos, em diferentes fases do crescimento, tecerem seus respectivos fios. Com um microscópio, eles mediram o diâmetros de cada amostra. Depois, tensionaram-nas até o ponto de quebra.
Os resultados foram publicados no periódico Integrative Zoology e indicam que, em ambas as espécies, as teias das enormes fêmeas adultas eram muito mais resistentes e extensivas que a dos machos, e também ganhavam em força das teias de fêmeas mais jovens e menores. A resistência da teia, afinal, era resultado direto do corpo que produzia sua seda.
A teias das aranhas pode ter diferentes funções. São, sim, armadilhas para presas, mas também podem auxiliar na movimentação, prevenir quedas, proteger ovos e até servir como extensões sensoriais. As aranhas tecelãs, por sua vez, têm diversas glândulas que são capazes de produzir diferentes formas de seda. Elas variam entre as mais elásticas, as mais grudentas e as mais rígidas.
No caso da seda hiperresistente das Caerostris, a rigidez é mérito de uma substância chamada prolina, que a compõe em abundância e cuja produção gasta muita energia. Esse custo metabólico aponta para uma série de fatores que se somaram no crescimento dessas fêmeas.
Durante a evolução dessas espécies, no caso das fêmeas, uma demanda crescente por alimentos maiores e mais ricos em energia impôs uma nova pressão. Para capturar presas grandes e velozes (como as libélulas), suas teias teriam que se tornar fortes o suficiente para suportar o choque violento da comida voadora que se disparava contra a armadilha.
O crescimento das presas permitiu gastos energéticos maiores na produção das teias. Para cobrir essa melhora na produção e no uso de energia durante a fabricação da seda, o corpo das fêmeas foi crescendo e crescendo. Enquanto isso, os machos se especializaram em presas menores, bem menos energéticas, e ficaram com o corpo pequeneninho.
Emaranhada nesses novos achados, agora resta à ciência entender os mecanismos moleculares e estruturais que possibilitaram um material tão fascinante quanto a seda dessas tecelãs. Estudos já indicam, aliás, que esses fios poderiam ter propriedades curativas, possivelmente servindo para regenerar ossos, nervos, ligamentos ou músculos.
Fonte: abril






