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Antas voltam à Mata Atlântica após cem anos: entenda a relevância deste evento histórico

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Se te chamarem de anta, pense duas vezes antes de se ofender. A anta-brasileira (Tapirus terrestris) é o maior mamífero terrestre da América do Sul e tem um papel importantíssimo nos ambientes em que vive. As antas são herbívoras e têm uma dieta baseada em frutas – e haja fruta para nutrir diariamente esses animais, que podem chegar a 350 quilos. 

Essa alimentação é o que dá ao animal o apelido de “jardineira da floresta”: as antas digerem apenas as polpas das frutas, e expelem as sementes inteiras. A partir daí, novas espécies brotam por onde as antas passam. Por isso, elas são especialmente importantes para a regeneração de áreas degradadas.

Outra função da jardinagem é manter a biodiversidade em dia. A Universidade Estadual Paulista (Unesp) investiga a influência de antas e queixadas (outro mamífero terrestre) em ecossistemas de Mata Atlântica há mais de 15 anos.

Os pesquisadores mantêm dezenas de pequenos cercados em quatro parques diferentes da Serra do Mar paulista. Esses cercados são chamados de “parcelas”, e têm variações entre si – algumas permitem a passagem de animais grandes, outras não. Assim, os pesquisadores conseguem comparar minuciosamente as mudanças das espécies vegetais dominantes, levando em consideração fatores como a presença e a ausência de antas e queixadas.

Um estudo da Unesp de 2021 utilizou esses dados e provou que, sem esses animais, a mata fica mais pobre. A população de árvores e palmeiras cresce, em detrimento de outras espécies menores e igualmente importantes. 

A anta-brasileira ainda é encontrada na maior parte das matas preservadas do Norte e Centro-Oeste do país. Além da nossa anta verde e amarela, existem ainda três outras espécies: a anta-da-montanha, nativa dos Andes; a anta-centro-americana, da América Central; e a anta-asiática, que pode ser encontrada na Indonésia, Malásia, Mianmar e Tailândia. 

Recentemente, no final de 2024, as antas-brasileiras foram vistas soltas na região da Mata Atlântica do Rio de Janeiro pela primeira vez desde 1914, quando foram consideradas extintas. A reintrodução gradual é uma vitória para a conservação, mas enfrenta desafios importantes por conta da degradação do bioma.

A Mata Atlântica é o bioma mais degradado do país: segundo a ONG SOS Mata Atlântica, restam apenas 24% da floresta que existia originalmente, sendo que apenas 12,4% são florestas maduras e bem preservadas. Um estudo de 2022 publicado na revista Neotropical Biology and Conservation mostra que, no Brasil, Argentina e Paraguai, as antas já perderam 98,22% do seu habitat natural. 

Os autores estimam entre 2 mil e 16 mil antas nesse território, divididas em pelo menos 48 populações. Como alguns grupos são muito pequenos ou aparentados, os autores calculam que não mais de 14 dessas populações sejam viáveis a longo prazo – ou seja, capazes de prosperar nos próximos cem anos por conta própria na natureza.

Segundo Patrícia Medici, a principal pesquisadora e ativista pela preservação das antas do país e coautora do estudo anterior, o maior risco que esses animais correm são os atropelamentos em rodovias.

O restabelecimento dessa espécie na vida selvagem deve ser lento, já que a gestação do animal dura 14 meses e gera apenas um filhote por vez, com intervalos de cerca de três anos entre uma cria e outra. Ou seja, cada indivíduo perdido representa um golpe considerável na sobrevivência da espécie e na diversidade genética da população.

Mais sobre as antas

Além disso tudo, as antas também são animais muito fofos. A tromba engraçada delas pode lembrar a de um elefante, mas elas não são aparentadas dos gigantes. Na verdade, são mais relacionadas aos cavalos e rinocerontes.

As centenas de quilos não as impedem de se sentirem à vontade na água – elas costumam mergulhar para se refrescar e se alimentar de plantas aquáticas. Assim como porcos, elas também se espalham na lama, talvez para se resfriar ou espantar carrapatos do corpo.

E tem mais uma curiosidade! Sabe aquela careta que os gatos fazem de vez em quando, quando cheiram algo? Aquele é o reflexo flehmen, e as antas têm também. Enquanto os gatos parecem fazer careta, as antas parecem sorrir, com dentes enormes. 

Na verdade, os dois estão enviando os feromônios captados pelo olfato para serem analisados por um órgão sensorial especial no céu da boca e separado do sistema olfativo, o chamado órgão vomeronasal ou órgão de Jacobson. Você pode ler mais sobre esse mecanismo aqui.

Não é um sorriso: é o reflexo flehmen em uma anta no Parque Ecológico São Carlos, em São Carlos, SP.

A espécie é considerada como “vulnerável” pela lista vermelha da IUCN, que cataloga o risco de extinção de seres vivos. Isso significa que as antas não estão em perigo iminente de extinção, mas enfrentam um risco alto de serem extintas em um futuro bem próximo, caso as coisas continuem da mesma forma.

A extinção das antas seria bem pior do que a perda de uma espécie só: seria uma perda para todo o ecossistema, com efeitos na vegetação e, consequentemente, em outros animais. 

Depois de saber tudo isso, talvez você até ache “anta” um elogio. Afinal, poucas criaturas carregam tanta responsabilidade ecológica nas costas (e nas fezes) com tanta graça.

Fonte: abril

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