A oposição havia anunciado um acordo com o presidente da CĂąmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para pautar a anistia para os envolvidos nos atos de 8 de janeiro. O entendimento teria acontecido na quarta-feira 6, depois da pressĂŁo dos parlamentares em torno do assunto. Nesta quinta-feira, 7, porĂ©m, o polĂtico negou o acerto. A ordem, agora, Ă© nĂŁo pensar nas centenas de brasileiros absolutamente comuns que estĂŁo atrĂĄs das grades hĂĄ mais de dois anos.
A polĂȘmica em torno da anistia nĂŁo se dĂĄ somente em razĂŁo da prisĂŁo domiciliar do ex-presidente Jair Bolsonaro. AliĂĄs, quando o assunto veio Ă tona, a possĂvel prisĂŁo de um polĂtico (ainda que em casa) era algo, no mĂnimo, distante.
O projeto surgiu, principalmente, em razão da quantidade de cidadãos comuns condenados e do tamanho das penas. Em quase todos os casos, mais de uma década de prisão para quem não é mais do que classe média.
Em janeiro de 2025, na véspera de os atos completarem dois anos, o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou um relatório com os resultados das investigaçÔes. Quase mil cidadãos se tornaram réus, e por volta de 370 deles foram condenados.
As maiores penas somam 17 anos de prisĂŁo. O crime? AçÔes como quebrar um relĂłgio antigo, sentar-se indevidamente na cadeira que pertencia a um ministro ou escrever com batom em uma estĂĄtua â tudo em 8 de janeiro de 2023. Na versĂŁo do STF, pedaços de um plano supremo capaz de acabar com a RepĂșblica e destruir a democracia no Brasil.
Não hå, entre os condenados, porém, gente realmente poderosa. Nada de ex-ministros, generais ou, pelo menos, um juiz de uma pequena comarca revoltado no interior do Brasil. Em vez disso, hå a situação de brasileiros como a Fåtima de Tubarão.
Embora o nome remeta a um bicho feroz, no caso de FĂĄtima Ă© apenas a referĂȘncia Ă cidade de origem. Trata-se de TubarĂŁo, em Santa Catarina, pertinho de CriciĂșma â cidade onde ela morava, no mesmo Estado, antes de ir para a prisĂŁo.
Para Alexandre de Moraes, ministro do STF e relator do caso, ela Ă© culpada de crimes gravĂssimos. Na lista: abolição violenta do Estado DemocrĂĄtico de Direito, golpe de Estado, associação criminosa armada, dano qualificado e deterioração do patrimĂŽnio tombado. O relatĂłrio publicado pelo tribunal coloca a condenação dela como exemplar.

O nome verdadeiro Ă© Maria de FĂĄtima Mendonça Jacinto Souza. Ă uma senhora com cerca de 70 anos, condenada a 17 anos de prisĂŁo. NĂŁo matou, nem roubou, nem traficou. Ă uma senhora comum, que estava muito insatisfeita com o resultado das eleiçÔes mais polĂȘmicas da histĂłria do paĂs e resolveu ir a BrasĂlia participar de um protesto que saiu do controle â e deu no que deu.
Casos assim receberam penas de mais de uma década. De acordo com o relatório da Suprema Corte, mais de 99% dos 370 condenados foram sentenciados a mais de 11 anos e 11 meses de cadeia. Quase metade deles (43%), a mais de 16 anos; sendo perto de 20%, a pelo menos 17 anos.
Assim como Fåtima, sem anistia, eles devem ficar atrås das grades por um tempo maior que muitos traficantes, assassinos e assaltantes que cometeram crimes no Brasil. Para quem estå na casa dos 70 anos, como ela, a sentença mais parece uma prisão perpétua.
Fonte: revistaoeste