SAÚDE

Alerta: Desaparecimento das palavras que descrevem a natureza

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Sete árvores foram derrubadas a cada segundo de 2024 na Amazônia. É isso que mostra o Relatório Anual do Desmatamento do MapBiomas, um projeto colaborativo de ONGs, universidades e startups de tecnologia. Os números caíram de 2023 para 2024, mas o desmatamento continua ameaçando a natureza do Brasil.

Enquanto o meio ambiente vai sumindo em velocidade acelerada (só desde 2019, o Brasil já perdeu quase 10 milhões de hectares de floresta nativa, área dequivalente à Coreia do Sul), a nossa conexão com a natureza também se transforma. Um novo estudo mostrou que, além de sumir com as árvores e plantas, também estamos sumindo com as palavras que usamos para descrevê-las.

O psicólogo Miles Richardson, da Universidade de Derby, no Reino Unido, pensou numa estratégia interessante para medir a conexão entre os seres humanos e a natureza não-humana. Ele se voltou para a literatura publicada entre 1800 e 2019 em inglês para conferir a frequência de 28 palavras associadas à descrição do mundo natural.

Rio, prado, bico, musgo, costa e galho foram algumas das palavras selecionadas por Richardson para a empreitada, que mostrou a diminuição do uso de palavras para descrever a natureza desde a ascensão da industrialização. Como não dá para perguntar para as pessoas de 220 anos atrás o que elas achavam da natureza, o psicólogo perguntou para a cultura.

O estudo, publicado no periódico Earth, não focou em expressões técnicas como nomes de espécies, mas sim em palavras que revelassem “o que as pessoas percebiam, valorizavam e escreviam sobre”, como o psicólogo explicou em um post de blog.

Desconexão generalizada

Para fazer o estudo, Richardson usou o Google Books Ngram Viewer, uma ferramenta que possibilita a pesquisa por palavras em uma ampla biblioteca de textos impressos e a visualização em gráfico da ocorrência do vocábulo no decorrer do tempo.

Essa abordagem já levanta algumas limitações para a pesquisa. A pesquisa de palavras foi feita em inglês, sem contabilizar textos em outras línguas, e os textos disponíveis no banco de dados do Google não são todos produzidos durante o período. As palavras escolhidas por Richardson também representam um viés: ele excluiu alguns termos que representam projetos conjuntos entre o ser humano e a natureza não-humana, como “jardim” ou “plantação”.

Mesmo assim, os resultados são bem impressionantes. Especialmente a partir de 1850, quando a industrialização e a urbanização cresciam de forma acelerada nos países anglófonos, é possível ver um declínio de cerca de 60% no uso das palavras para natureza. No gráfico, a queda de uso das palavras aparece assim:

Declínio do uso de palavras para descrever a natureza na literatura anglófona desde 1800.
(Miles Richardson/Divulgação)

Esse exame das palavras usadas na literatura anglófona para falar da natureza se relaciona de forma bem próxima com um modelo de computador complexo para simular e calcular os níveis de conexão com a natureza dos seres humanos que Richardson desenvolveu. As linhas dos dois gráficos se combinam com menos de 5% de erro, mostrando que tanto o modelo computadorizado quanto a ideia de usar as palavras como métrica de conexão tem alguma validade.

Não é a primeira vez que um estudo científico se propõe a avaliar a conexão com a natureza na cultura. Em 2017, uma dupla de pesquisadores vinculados à London Business School publicaram uma pesquisa que chega a conclusões muito parecidas a partir de literatura, letras de música e até enredos de filmes.

Além da urbanização e degradação ambiental, Richardson pontua outra possível causa para a desconexão crescente com a natureza: a transmissão intergeracional. Se os pais perdem o contato com o mundo natural, suas crianças aprendem a viver da mesma forma desde os primeiros anos de vida.

O psicólogo britânico usou seu modelo para tentar fazer algumas previsões para conexão com a natureza pelo próximo século. A ideia é fortalecer a transmissão intergeracional de conexão com a natureza e aumentar a quantidade de espaços verdes nos centros urbanos. Mesmo assim, Richardson aponta que essas intervenções levam décadas para apresentar resultados positivos de conexão com a natureza. Ele argumenta que isso mostra que o melhor momento para agir é agora.

Quando as pessoas se sentem desconectadas da natureza, fica mais difícil de fazer com que elas se importem em salvá-la. Essa desconexão na cultura é um sintoma da vida cotidiana, mas nosso relacionamento com as coisas que lemos e assistimos não é uma via de mão única: a sociedade influencia os livros, e os livros passam a influenciar a sociedade.

Nos últimos anos, alguns escritores têm se esforçado para fazer o contrário do que os gráficos de desconexão com a natureza mostram. É o caso de Richard Powers, autor de A trama das árvores, livro que ganhou o prêmio Pulitzer de ficção em 2019. O romance entrelaça as histórias de nove personagens principais com a vida das florestas dos Estados Unidos, e é de tirar o fôlego.

A trama das árvores foi publicado no Brasil em 2025 pela editora Todavia, com tradução da romancista Carol Bensimon. Não deixe o tamanho do calhamaço de 648 páginas te assustar: além de um ótimo romance, o livro vai te ajudar a lembrar porque vale a pena lutar pelo futuro da natureza (que, sempre bom lembrar, também inclui a gente).

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Fonte: abril

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