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Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveram uma cepa geneticamente modificada da levedura Saccharomyces cerevisiae capaz de digerir o principal carboidrato presente no agave, uma planta comum no México e no Nordeste brasileiro. Esta inovação promete ampliar significativamente as possibilidades de produção de etanol, um biocombustível vital para a mitigação das mudanças climáticas. O pedido de patente foi registrado no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) sob o número BR 10 2024 009105 1.
O agave é amplamente conhecido pela produção da bebida alcoólica tequila e, mais recentemente, tem ganhado destaque como uma opção saudável de adoçante. No Brasil, sua utilização se restringe à produção de fibra de sisal, e grande parte da biomassa da planta é descartada.
De acordo com os pesquisadores, a biomassa do agave ainda não é aproveitada na produção de etanol devido à necessidade de maior eficiência na conversão de seus açúcares. O principal açúcar do agave é a inulina, um polímero de frutose cuja digestão requer uma enzima ausente naturalmente na Saccharomyces cerevisiae, utilizada na indústria de etanol.
Para a produção de tequila, a hidrólise da inulina é necessária para quebrar o carboidrato em açúcares menores digeríveis pela levedura. Alternativas incluem o uso de fungos naturais que consomem a inulina, mas ainda não foram encontrados com eficiência suficiente para processos industriais.
Para transformar o agave em uma matéria-prima viável para o etanol, o Laboratório de Genômica e Bioenergia do Instituto de Biologia (LGE-IB) da Unicamp criou uma nova cepa de S. cerevisiae usando engenharia genética. Ana Clara Penteado David, pesquisadora do LGE e responsável pelo projeto de mestrado que deu origem à levedura modificada, explica: “Adicionamos uma enzima específica à S. cerevisiae que permite à levedura transformar o açúcar do agave em etanol.”
Fellipe da Silveira Bezerra de Mello, pesquisador e professor do LGE-IB-Unicamp, ressalta que a inovação pode impulsionar o uso do etanol em veículos comuns, híbridos e até em combustíveis sustentáveis para aviação. “A liderança do Brasil no setor torna essa tecnologia ainda mais promissora,” afirma Mello.
Além do setor de biocombustíveis, a nova cepa também pode beneficiar a indústria alimentícia, que utiliza inulina na produção de frutose e xaropes.
O desenvolvimento desta cepa faz parte do programa Brazilian Agave Development (Brave), uma colaboração entre a Unicamp, a multinacional Shell e instituições de ensino e pesquisa como Senai Cimatec, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Estadual Paulista (Unesp). Gonçalo Pereira, professor do IB-Unicamp e orientador do projeto, afirma que o objetivo do Brave é transformar o agave na “cana-de-açúcar do sertão”, aumentando a produtividade em áreas semiáridas.
“O mundo possui mais áreas semiáridas do que florestas, mas raramente desenvolvemos tecnologias específicas para essas regiões,” explica Pereira. “Queremos mudar esse cenário e tornar o sertão brasileiro, que abrange 105 milhões de hectares, produtivo para o cultivo de agave. Com 10 milhões de hectares, poderíamos produzir mais do que o dobro do etanol atualmente gerado.”
Pereira destaca ainda que o agave é perfeitamente adaptado a ambientes semiáridos, possuindo estômatos que permitem a captura de CO₂ à noite, reduzindo a perda de água durante o dia. Apesar dos avanços, ainda existem desafios, como a remoção de substâncias tóxicas da biomassa do agave para a levedura.
Fonte: portaldoagronegocio