A Copa do Mundo de futebol despertou, naturalmente, a curiosidade sobre esse pequeno e rico país do Oriente Médio. Situado no Golfo Pérsico, o Qatar pertence ao seleto grupo, de 7 países, que divide o também chamado Mar da Arábia: Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Kuwait, Irã, Iraque e Bahrein (uma ilha)….
Quem se lembra das aulas sobre a história da civilização sabe que aquele golfo recebe as águas dos rios Tigre e Eufrates, que formavam o Crescente Fértil. O mar, muito raso, média de 50 metros de profundidade, dava acesso da navegação à antiga Mesopotâmia. Com o fim do império otomano, em 1916, o Qatar virou um protetorado britânico. Essa interessante dependência militar se rompeu somente em 1971, quando o país começou a construir sua modernidade.
Com o fim do império otomano, em 1916, o Qatar virou um protetorado britânico. Essa interessante dependência militar se rompeu somente em 1971, quando o país começou a construir sua modernidade.
Tudo é decidido, desde 1825, pela família al-Thani, uma dinastia que controla o Qatar. Monarquista e absolutista, o regime político prescinde de partidos e eleições. Democracia não passa por lá.
A relação histórica com a Inglaterra aproximou o Qatar dos EUA, tornando-o uma porta de entrada do Ocidente na complexa geopolítica com o mundo árabe. Daí vem sua ousadia, que levou à organização da Copa de Futebol.
A antiga riqueza do país vem da exploração de diamante e petróleo. Mais recentemente, após romper com a Opep, em 2019, consolidou sua exploração de gás natural. Começou a trilhar um caminho próprio de desenvolvimento.
Conforme descreveu Olivier Stuenkel (link para artigo no Estado de S. Paulo disponível para assinantes), o Qatar realizou pesados investimentos em “soft power”, seja em times de futebol da França (PSG) e da Alemanha (Bayern de Munique), seja em museus e universidades, como a famosa Georgetown. Criou, em 1996, a Al Jazeera, principal canal árabe de notícias, com versão em língua inglesa desde 2003.
Goste-se ou não do regime político, o Qatar ostenta um dos mais elevados IDH (0,856) entre as nações. Há completa educação e saúde para a população, que todavia é pequena. O Qatar tem menos de 3 milhões de habitantes, dos quais apenas cerca de 300 mil são nativos.
Quer dizer, a imensa maioria dos moradores é formada por imigrantes, grande parte vindos da Índia e do Paquistão. Gente trabalhadora, que busca ganhar a vida na vigorosa construção civil, atestada pela incrível arquitetura de Doha, a capital insular. Fora os estádios de futebol.
Esse afluxo de trabalhadores ajuda a explicar por que, da população total, 80% são homens. A sociedade qatari é extremamente machista.
Bem, e a agricultura?
País de reduzido tamanho, com cerca de 11.500 km² –a distância de Norte a Sul dá 180 km, de Leste a Oeste, 85 km–, estima-se que apenas 1% do território seja propício à produção agropecuária. Predominam desertos e dunas.
Em valores absolutos, somam cerca de 70 mil hectares as áreas tradicionalmente plantadas ou pastoreadas, um espaço agrário do tamanho do município de Araras (SP). A produção rural era suficiente, complementada com poucas importações, para atender sua pequena população.
Novos desafios surgiram quando o Qatar, há 50 anos, resolveu se diferenciar, chamando a atenção mundial. Aí o abastecimento alimentar da crescente população exigiu elevar as importações e realizar grandes investimentos locais em agricultura tecnológica.
Assim como se procede em Israel e alguns países daquela região árida, o cultivo protegido, utilizando variados sistemas de irrigação e de hidroponia, passou a dar cara high tech da produção alimentar qatari. Arrojado, o governo formulou um programa de autossuficiência alimentar, focado em legumes, hortaliças, frutas e leite. O tomate lidera a produção hortícola, seguido da abóbora, abobrinha, pimentas e pimentões.
Nas carnes, peixe é farto por lá. Porco eles não comem, por motivos religiosos. Bovinos e frangos são importados. Aí aparece o Brasil. O Qatar se tornou um dos maiores compradores de frango brasileiro, ocupando o 4º lugar em 2022. Nos bovinos, crescem os volumes comprados do exterior.
Há um senão: o abate deve ser certificado no método halal. Sangradores islâmicos especializados realizam o serviço dentro dos frigoríficos, cumprindo normas que evitam o sofrimento animal. Mais. O peito dos galináceos deve estar virado para Meca, a cidade sagrada da Arábia Saudita. Um ritual muçulmano.
Critica-se, politicamente, a Copa do Qatar devido às restrições do país aos direitos humanos. Infelizmente o emirado também ataca os cristãos, sendo o 18º no ranking da perseguição religiosa. Lamentável.
Ao contrário, porém, daqueles que condenam a FIFA, pela sua escolha, penso que dessa exposição mundial do Catar, trazida pela Copa, jorrarão luzes democráticas em todo o Golfo Pérsico. O discurso de abertura do ditador al Thani indicou boas novas. Que prosperem.
O futebol, como todo esporte, aproxima as pessoas, forma cidadania. Tomara que, no Brasil, a Copa traga uma trégua nessa política extremista odiosa que parece nunca acabar.
No Catar, como aqui, a tolerância precisa ser cultivada.
Por Xico Graziano, engenheiro agrônomo e membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS)
Fonte: portaldoagronegocio