A primeira extração de azeite extravirgem do Brasil completa 15 anos nesta semana. A tiragem pioneira realizada no Campo Experimental da Epamig em Maria da Fé, aconteceu em 29 de fevereiro de 2008, e resultou em 40 litros do produto. Desde então, os azeites brasileiros, que também são produzidos no Sul do país e em regiões serranas de estados como Bahia e Espírito Santo, têm conquistado medalhas em concursos pelo mundo e obtido destaque no mercado gastronômico pelo frescor e atributos sensoriais.
Na Serra da Mantiqueira, entre os estados de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro, são cerca de 200 produtores e 90 marcas próprias. Em 2022, a produção na região atingiu o recorde de 120 mil litros produzidos. Para 2023, a expectativa é de queda na produtividade, em função de fatores como a bienalidade (oscilação da produção de um ano para outro, comum em culturas perenes, como, por exemplo, o café) e pelas chuvas ocorridas no período da florada. São esperados na região cerca de 60 mil litros de azeite na safra deste ano.
A qualidade continua sendo a aposta de pesquisadores e olivicultores. “As expectativas com relação a qualidade são as melhores possíveis. Os nossos azeites têm se destacado cada vez mais pelo frescor e pelas características de sabor e aroma que são proporcionados pelos cuidados que os produtores têm e, claro, pelo terroir da nossa região”, afirma o agrônomo e integrante do Programa Estadual de Pesquisa em Olivicultura da Epamig, Pedro Moura.
Marco histórico
O trabalho que culminou na extração pioneira teve início anos antes. As primeiras mudas de oliveira chegaram a Maria da Fé em 1935 e já na década de 1940, servidores ligados ao Governo de Minas Gerais começaram a estudar a cultura. Com a chegada da Epamig ao município em 1975, a Empresa passou a conduzir os trabalhos com foco na avaliação da viabilidade do plantio de oliveira na região sul de Minas Gerais.
“Nós, de maneira especial os pesquisadores da Epamig, mas também equipes de outros órgãos e localidades, fomos agregando informações que com o passar do tempo resultaram em possibilidades de produção, em uma proposta de manejo e em algumas cultivares, até chegarmos no primeiro azeite nacional”, relembra o pesquisador aposentado Adelson Oliveira, que atuou em grande parte dos trabalhos desenvolvidos pela Epamig.
O consultor em Olivicultura, Nilton Caetano de Oliveira, que era gerente do Campo Experimental da Epamig em Maria da Fé à época, conta que a primeira extração foi possibilitada por uma forma não planejada. “Em 2005, trabalhávamos na Epamig com produção de mudas de oliveira e as azeitonas eram usadas para a produção de conservas. Pleiteávamos, via projeto de pesquisa, a importação de uma extratora. Foi então que o Sr. Ítalo Mostarda, filho de italianos, residente em São Paulo, nos procurou e propôs uma parceria para uma extração experimental”.
Ítalo Mostarda conta que, na década de 1980, passou dois anos na Itália acompanhando o processo de produção na propriedade onde a família cultiva oliveira há cinco gerações. “Voltei para o Brasil disposto a encontrar a ‘cidade das oliveiras’, mas achei apenas uma produção de azeite destilado em Campos do Jordão. Continuei a estudar a cultura, mas sem esperança de que houvesse uma viabilidade de cultivo no Brasil. Depois de alguns anos, um professor e grande amigo, me trouxe um galho de oliveira repleto de azeitonas e disse que ia me levar ao lugar onde essas oliveiras estavam. Chamei meu pai e fomos, sem que eu soubesse para onde”.
O trajeto não era desconhecido para ele. “Seguimos rumo à Serra da Mantiqueira e passamos por Itajubá, cidade em que eu já conhecia por conta do meu trabalho em usinagem. Ao chegarmos no portal de entrada de Maria da Fé nos deparamos com as primeiras oliveiras, mas meu amigo disse para seguirmos. No centro da cidade me emocionei com as oliveiras e com as azeitonas graúdas caídas no chão. Perguntei a um morador, se havia alguém que trabalhava com essas oliveiras e ele me direcionou para a Epamig. Na fazenda fui recebido pelo Nilton Caetano e perguntei sobre o destino daquelas azeitonas”.
Ao ser informado de que não havia meios para a extração, o senhor Ítalo propôs ajudar. Ele havia criado uma extratora artesanal, “réplica fiel, em formato muito menor da prensa que minha família mantinha na Itália”, como descreve. “Naquela época, fim do mês de março, as azeitonas que restavam, estavam além do ponto de maturação. Fizemos um acordo de boca e combinamos que no ano seguinte o senhor Nilton me mandaria algumas amostras de azeitonas para fazermos algumas avaliações. No processo de trituração, essas azeitonas comprovaram ter aptidão para a extração do azeite, retornei a Maria da Fé com as primeiras amostras, quatro ou cinco garrafinhas, e apresentei os resultados para a equipe da Epamig e para algumas autoridades do município”.
Depois desses primeiros testes, foi marcado para 29 de fevereiro de 2008, o dia de campo de Olivicultura. “Havia uma grande expectativa e também ansiedade. Os pais do Sr. Ítalo vieram para Maria da Fé, convidamos produtores e a imprensa e realizamos a prensagem das primeiras azeitonas ‘in loco’. A partir daí despertamos o interesse para a atividade e conseguimos a aprovação para importarmos uma extratora”, recorda Nilton Caetano.
A representatividade daquela ocasião é ressaltada pelo pesquisador Adelson Oliveira. “Nós da Epamig tínhamos as azeitonas e um certo conhecimento do processo produtivo e a família Mostarda tinha o equipamento, foi um processo mútuo. E para a cultura da oliveira foi um passo importantíssimo, afinal os produtores rurais para se interessarem por um novo cultivo, precisam ter informações, ver a viabilidade, as possibilidades”, conclui.
Aposta na atividade
Neide Batista Soares foi uma das primeiras produtoras a investir na olivicultura em Maria da Fé. “Eu iniciei a plantação de oliveiras em 2005, com o apoio da Epamig. O meu interesse foi despertado pela comprovação de que nossas terras são férteis e favoráveis para o cultivo e pela inexistência do produto nacional. Começamos com mil mudas da variedade Arbequina e entre 2013 e 2014 mais 1300 plantas de variedades como Koroneiki, Arbosana, Grappolo e Maria da Fé”.
Neide descreve a experiência na atividade como “desafiadora e apaixonante”. “Produzi meu primeiro azeite em 2008, para consumo próprio, e a partir de 2010 em escala comercial. O azeite da marca Dona Maria da Fé é processado no Campo Experimental da Epamig e comercializado nas regiões Sul de Minas e Vale do Paraíba. “Este ano terei uma produção menor em relação à safra anterior, em função das condições climáticas, porém a qualidade será mantida”, finaliza.
Além da produção de azeitonas e azeites extravirgens, a olivicultura na Serra da Mantiqueira movimenta setores como turismo e gastronomia. Nos municípios mineiros de Poços de Caldas e Maria da Fé, propriedades têm oferecido aos turistas imersões completas na produção do azeite. As experiências incluem visitas aos olivais e agroindústrias, degustações e refeições completas em cafeterias e restaurantes próprios, além da compra dos azeites no local de origem.
Novos caminhos da pesquisa
No decorrer desses quinze anos, a olivicultura nacional evoluiu bastante. “Alcançamos importantes avanços em termos de tecnologia em todas as etapas da cadeia produtiva, produção de mudas, tipo de poda, manejo, agroindústria, análise da azeitona e do azeite. Na Epamig temos conseguido adquirir equipamentos modernos, fortalecer a equipe, e cada vez mais, atuar em consonância com as necessidades e anseios do produtores”, destaca o coordenador do Programa Estadual de Pesquisa em Olivicultura da Empresa, Luiz Fernando de Oliveira.
A atividade ainda tem muito a desenvolver em diferentes aspectos. “Temos avançado em temas como nutrição e doenças, mas ainda há muito a se evoluir seja no estudo do comportamento das plantas, seja no conhecimento do potencial produtivo da oliveira ou em ações para amenizar os impactos das condições climáticas. A quebra de safra deste ano é algo que já tem direcionado nossas linhas de atuação. Por mais que a situação seja atípica, a pesquisa tem que se preparar para propor alternativas e amenizar os resultados negativos”, pontua Luiz Fernando.
Também integrante do Programa Estadual de Pesquisa em Olivicultura da Epamig, a engenheira agrônoma, Patriciani Estela Cipriano, afirma que “a cultura no Brasil é bastante nova e não há uma recomendação fechada, por exemplo, para temas como fertilidade do solo e nutrição das plantas. As práticas atuais são baseadas em modelos europeus. Temos realizado, com o apoio e a participação de produtores da região, experimentos de calibração para chegarmos a uma recomendação adequada para a região da Serra da Mantiqueira, que leve em consideração condições de clima e solo e as necessidades da planta”.
A constituição de pomares, a nutrição das oliveiras, o controle de doenças e outros fatores que impactam na obtenção de azeites de qualidade elevada serão abordados durante o 18º Dia de Campo de Olivicultura, que integra a programação do Azeitech e acontece em formato presencial, no dia 31 de março, no Campo Experimental da Epamig em Maria da Fé.
Fonte: portaldoagronegocio