Os preços das terras agrícolas devem continuar crescendo no Brasil. A leitura é um ponto de concordância entre os debatedores do painel “Land Grabbing: Financeirização da Agricultura e Mercado de Terras”, realizado durante o AgroForum do BTG Pactual, e a professora e pesquisadora da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Karina Kato, que concedeu entrevista exclusiva à Agência SAFRAS.
segundo o CEO do BrasilAgro, André Guillaumon, os preços de terras estão atrelados aos das commodities. “Nossas commodities agrícolas devem subir até acomodarem estoques a níveis mundiais e vão manter a apreciação que temos vivenciado nos preços da terra. A pandemia foi um divisor de águas, vimos países com problemas de suprimentos. Nosso desafio, como sociedade civil, é que essa precificação não se traduza em barreiras sanitárias ou tarifárias que comprometam a capacidade produtiva brasileira”, disse.
A pesquisadora, no entanto, aponta que, especialmente nas áreas de expansão da fronteira agrícola, as terras têm se valorizado continuamente, mesmo quando as commodities arrefecem. Segundo ela, a valorização dos imóveis rurais leva em conta dois fatores: o produtivo e o especulativo.
“Vemos, especialmente no século XXI, um crescimento na demanda tanto por alimentos quanto por investimentos financeiros. Depois da crise de 2008, os investimentos tradicionais acabaram ficando desacreditados. Para equilibrar os portfólios, os investidores buscaram títulos alternativos”, esse movimento coincidiu com o boom das commodities. “A financeirização das cadeias está atrelada a uma série de atores que até então não estavam no agro. Hoje em dia, não se pode pensar o agronegócio sem entender a financeirização”, pontuou.
Valorização
Com o crescimento populacional e da demanda global, serão necessárias aberturas de novas áreas, especialmente no Brasil e na África. “O resto do mundo não tem mais áreas a oferecer”, conforme o CFO da SLC Agrícola, Ivo Brum. “Acreditamos no crescimento dos preços de terras. Em 2010, a SLC tinha R$ 670 milhões em terras. Hoje em dia, esse mesmo portfólio vale R$ 5,3 bilhões. No total, atualmente, temos R$ 9,3 bilhões. Acreditamos no crescimento do valor da terra e desse ativo”, salientou.
O presidente do conselho da Granja Faria, Ricardo Faria, projeta uma continuidade da valorização das terras, em dólar, de 5 a 6% ao ano. “As terras brasileiras ainda estão muito mais baratas do que as americanas”, disse. Complementando, Ivo Brum da SLC estimou o hectare rural nos Estados Unidos em US$ 22 mil. Na Argentina, no Rio Grande do Sul e no Paraná, o valor oscila de US$ 15 mil a US$ 16 mil, segundo ele. Já no Mato Grosso, o hectare fica entre US$ 12 mil e US$ 13 mil.
avanço da fronteira
Os debatedores falaram sobre a necessidade de abertura de novas áreas, segundo eles, sem desmatamento. “O mercado precisa pagar para fazer esta conversão do pasto para a agricultura”, disse Brum.
A pesquisadora Karina Kato afirma que a terra no Brasil é uma questão complexa, “especialmente onde há o avanço da fronteira agrícola”, ela cita o caso do Matopiba, região composta por áreas de Maranhão, Tocantins, Piauí e bahia. “O que vemos são muitas áreas ainda públicas, com dificuldade de mapeamento, de definição sobre serem estaduais ou federais, e com muitas pessoas ocupando essas áreas”.
“Caos fundiário”
Segundo Kato, a mudança na lei nº 13.465, de 2017, que concedeu títulos privados a terras públicas, é exemplo dessa complexidade. “O Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] passou a ter uma meta de concessão do maior número de títulos”, disse. A lei trata da regularização fundiária, da liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e da regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal. Além disso, conforme o texto, “institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União; e dá outras providências”.
Outro exemplo é o Cadastro Ambiental Rural (CAR) que, conforme o site do governo, é um registro eletrônico com a finalidade de integrar informações ambientais e compor base de dados para controle, monitoramento, planejamento e combate ao desmatamento. “A inscrição no CAR é o primeiro passo para obtenção da regularidade ambiental do imóvel”, diz o site. A pesquisadora alerta que o CAR trata da regularização ambiental, mas graças ao que ela chama de “caos fundiário”, o instrumento passou a ser usado para acelerar a regularização fundiária.
“Isso gera uma série de problemas, pois a pessoa pode fazer o CAR de uma terra pública e conseguir o título. Muitas populações que vivem nessas terras não têm acesso ao título. Grupos com muitos recursos conseguem acelerar esse processo. A gente vem percebendo que a justiça fundiária não vai se dar pelo mercado. É muito mais complexo do que isso. Boa parte dos atores que defendem o discurso da segurança jurídica fala que isso garante a segurança dos pequenos proprietários, mas muitas vezes é o oposto: a segurança jurídica garante os investimentos e expulsa os pequenos”, criticou.
Kato, que coordena o Grupo de Estudos sobre Mudanças Sociais, Agronegócio e Políticas Públicas da UFRRJ, observa que a desigualdade no acesso a terras não se deve só a esses fatores. “O land grabbing é decorrente de um processo histórico no Brasil, desde a colonização”, salientou.
Desafios
Além da financeirização de terras, o painel do AgroForum BTG também discutiu os desafios logísticos nas novas fronteiras, as pautas ESG (Ambiental, Social e Governança, na sigla em inglês) e as oscilações nos projetos para o agro de governo em governo. “Ainda há muito para evoluir, mas o Brasil está chegando lá. Devagarinho, mas está chegando”, comentou o CFO da SLC Agrícola, Ivo Brum.