Adicionalmente, o mercado tem reagido negativamente às medidas e notícias advindas da política fiscal, desancorando as expectativas com relação à estabilidade da dívida pública brasileira.
A manutenção unânime da taxa de juros e o comunicado pós-reunião – realizada na última quarta-feira (19) – sugerem que o Banco Central do Brasil (BCB) pode deixar a Selic como está por mais tempo do que os analistas esperam. Ao mesmo tempo, isso não indica que os formuladores de políticas estejam considerando os aumentos de taxas que estavam precificados na curva de juros.
“Entendemos que o comunicado do BCB foi menos hawkish do que os mercados esperavam, o que pode pesar sobre a moeda. Adicionalmente, o mercado tem reagido negativamente às medidas e notícias advindas da política fiscal, desancorando as expectativas com relação à estabilidade da dívida pública brasileira. Dados recentes da atividade e inflação também aumentam a negatividade com relação à moeda brasileira. Neste relatório iremos abordar esses temas e atualizar nossa visão para o BRL”, diz Alef Dias, analista de Macroeconomia e Grãos da Hedgepoint Global Markets.
Unanimidade reduz riscos de mudanças na política monetária
“O Comitê de Política Monetária (Copom) do BCB manteve a taxa Selic em 10,50% na quarta-feira, em linha com nossa expectativa e com o consenso dos analistas. A votação foi unânime. Esta medida interrompeu o ciclo de flexibilização iniciado em agosto. O BCB tinha reduzido a taxa em 325 pontos de base em sete reuniões consecutivas”, aponta o analista.
A política monetária mantém-se restritiva. A taxa real ex-ante – que é descontada pela inflação esperada em 12 meses – é de 6,6%, bem acima do nível neutro de 4,5% que o BCB assumiu desde o início de 2022.
“Na nossa opinião, a declaração tentou transmitir que o BCB manterá as taxas no nível atual durante o tempo necessário para consolidar o processo de desinflação e ancorar as expectativas de inflação. O comunicado afirmava que, se as taxas se mantivessem estáveis até ao final de 2025 – em vez de serem reduzidas para 9,5%, como esperam os analistas – a inflação encerraria o próximo ano apenas ligeiramente acima do objetivo de 3%”, observa.
Os mercados receberam positivamente a unidade em torno da decisão e da declaração – a curva de rendimentos apagou alguns dos aumentos de juros que estavam precificados antes da reunião. “Ainda assim, entendemos que isso não será suficiente para controlar as expectativas de inflação”, acredita.
Inflação e atividade preocupam
Na última semana, os dados de inflação e atividade também trouxeram mais fragilidade para o Real. A inflação brasileira acelerou para 3,93% em termos anuais em maio, face a 3,69% em abril, permanecendo acima do objetivo de 3%, mas dentro do intervalo de tolerância de +/- 1,5 pontos percentuais.
O modelo de decomposição da inflação da Bloomberg sugere que o aumento pode ser atribuído principalmente à deterioração das condições de oferta e a uma demanda ligeiramente mais forte.
“Não somente a inflação observada tem acelerado, mas as expectativas inflacionárias também têm se deteriorado desde meados de Abril, o que também contribui para a desvalorização da moeda brasileira, e a expectativa de uma política fiscal mais expansionista tem sido o principal fator contribuindo para esse fenômeno”, destaca.
Com relação à atividade, o IBC-Br ficou estável em Abril na comparação com Março, contra uma estimativa de consenso de crescimento de 0,3%, reforçando a visão de que a economia brasileira está desacelerando.
Segundo Alef, “a manutenção da política monetária restritiva e os impactos das enchentes no Sul do País devem contribuir para a manutenção dessa tendência”.
Fiscal segue se deteriorando
Os analistas de mercado ouvidos mensalmente pela Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Fazenda projetam que o governo entregará um resultado primário com déficit de R$ 79,715 bilhões em 2024. A estimativa piorou em relação ao documento anterior, de maio, que projetava um rombo de R$ 76,825 bilhões.
O governo pretendia zerar o déficit neste ano com o novo arcabouço fiscal, aprovado no ano passado. Embora a Lei Orçamentária Anual de 2024 previsse um pequeno superávit de R$ 2,8 bilhões em 2024, dentro do resultado neutro almejado, o relatório bimestral de despesas e receitas divulgado em maio revisou o resultado primário para um déficit de R$ 14,5 bilhões (o equivalente a 0,1% do PIB).
“Para 2025, a projeção também piorou: a expectativa do mercado é de déficit de R$ 90,134 bilhões, sendo que, no mês anterior, a projeção era de rombo de R$ 87,458 bilhões. Conforme comentamos em relatórios anteriores, O governo alterou a meta fiscal para 2025 quando enviou o projeto de lei de diretrizes orçamentárias (PLDO) ao Congresso: de um superávit equivalente a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no próximo ano, agora o alvo é repetir o resultado neutro, de 0% do PIB”, pondera.
“A trajetória da dívida pública segue sendo um dos fatores mais relevantes para a cotação do Real, e mesmo com a forte desvalorização recente, ainda há espaço para enfraquecimento adicional da moeda brasileira caso o governo não avance em pautas de cortes do gasto público”, analisa.
O aumento da arrecadação pode ser uma saída, mas a sociedade tem mostrado cada vez mais resistência a esses projetos – aumentando os custos políticos dos mesmos.
Em resumo, apesar de ter sido bem recebida pelo mercado, a unanimidade em torno da última decisão do Copom deve ter pouco impacto sobre a pesada conjuntura atual do Real. As perspectivas com relação aos resultados fiscais seguem se deteriorando enquanto o governo central segue fazendo pouco ou nenhum progresso em pautas que venham a reverter essa situação, principalmente na frente de corte de gastos.
Soma-se a isso um movimento de valorização do dólar no cenário internacional e movimentos de aceleração da inflação e desaceleração da atividade econômica no cenário interno, contribuindo para uma visão negativa para o BRL nos próximos meses – mesmo considerando a já forte desvalorização observada em 2024.
Fonte: portaldoagronegocio