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Agronegócio

Guia de irrigação para trigo no Cerrado: saiba quando e quanto regar

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O momento para iniciar a irrigação e a quantidade correta da água aplicada são fundamentais para o melhor uso dos recursos hídricos. Para estabelecer esses parâmetros para a cultura do trigo no Cerrado, pesquisadores da Embrapa definiram o momento ideal para iniciar a irrigação de forma a utilizar a menor lâmina possível de água mantendo a máxima produtividade da lavoura.

A pesquisa considerou a água disponível para a planta armazenada no solo na profundidade de 40 centímetros. Nesse espaço, ficam concentradas cerca de 80% das raízes. As análises mostraram que quando as plantas usam 40% da capacidade de água disponível no solo (CAD) é o momento ideal para começar a irrigação. “Buscamos o máximo potencial produtivo do trigo e a maior eficiência no uso da água e esse ponto ocorreu com o esgotamento de 40% da CAD”, explica Jorge Antonini, pesquisador da Embrapa Cerrados (DF) e um dos responsáveis pelo estudo.

O estudo utilizou a BRS 394, cultivar de trigo da Embrapa que se destaca por seu alto potencial produtivo, curto ciclo de produção e excelente qualidade para a indústria de panificação. “Esses dados para cultivares de alto desempenho são inéditos. Com os novos parâmetros, os produtores rurais podem produzir a mesma quantidade de grãos gastando menos água, o que pode tornar o cultivo do trigo na região mais sustentável e o negócio, mais rentável”, afirma Alexsandra de Oliveira, também pesquisadora da Embrapa.

A pesquisa atualizou referências sobre a necessidade de irrigação de cultivares antigas de trigo, não mais recomendadas para a região. Enquanto os materiais utilizados na década de 1990 obtinham média produtiva de 4,5 toneladas por hectare (t/ha), a BRS 394 tem produtividade média de 7 t/ha. 

Para as variedades de alto desempenho, o trabalho mostrou que elas exigem maior frequência de irrigação, como informa Antonini: “A cultivar BRS 394 mostrou que podemos deixar esgotar somente 40% da CAD. Se usarmos mais do que isso, a planta entra em estresse e seu rendimento diminui”.

Apesar de precisar de um maior número de aplicações de irrigação, a quantidade de água total usada durante o ciclo de produção não diferiu significativamente em relação às variedades antigas, apesar de as novas variedades terem um potencial produtivo muito maior. “Mas é importante que o produtor faça esse manejo, para que não haja perda no rendimento”, ressalta.

Oliveira destaca a importância de dados atualizados para o manejo da irrigação no Cerrado. “A primeira coisa que vem à mente quando falamos em determinar os parâmetros de manejo da irrigação na cultura do trigo é a otimização de recursos. Quando quantificamos, podemos economizar insumos, que, nesse caso, é a água,” declara a pesquisadora. “Uma vez que o trigo de inverno no Cerrado é totalmente dependente da irrigação, o produtor vai saber quanto pode deixar esgotar a água do solo sem prejudicar sua produção.”

Entenda a CAD

De forma simplificada, o pesquisador da Embrapa Artur Muller explica que o solo possui três camadas. A mais superficial, pela qual a água escoa por gravidade para camadas mais profundas, é denominada capacidade de campo. A segunda, na qual o solo retém a água que a planta consegue absorver, é a CAD. Na terceira camada, chamada de ponto de murcha permanente, a água está retida tão fortemente ao solo que a planta não consegue acessá-la.

“Cada solo tem uma capacidade de água disponível. Para manejar a irrigação o produtor precisa fazer a análise físico-hídrica de sua área para calcular a CAD até a profundidade de molhamento desejada. Com essa informação, é possível acompanhar o esgotamento de 40% dessa água e estabelecer o momento de irrigação para uma CAD de seu solo. Toda vez que usar 40% desse reservatório, o produtor volta a irrigar”, esclarece.

Para determinar o momento de iniciar a irrigação em sua propriedade, o produtor pode utilizar qualquer planilha de manejo da irrigação com os novos parâmetros indicados pela pesquisa, de acordo com a fase de desenvolvimento da lavoura. No caso da área experimental da Embrapa Cerrados, a CAD tem 55 milímetros (mm) de profundidade e o ponto de irrigação é quando ela atinge 22 milímetros.

O experimento no Cerrado

O experimento foi instalado na Embrapa Cerrados, em Planaltina (DF), e teve duração de dois anos. Os pesquisadores testaram quatro situações em que as plantas utilizaram 20%, 40%, 60% e 80% da capacidade de água disponível no solo (CAD) antes de serem irrigadas. “Observamos a produtividade nos quatro tratamentos e chegamos à conclusão que com até 40% de esgotamento da CAD a produtividade máxima do cultivo era mantida. A partir de 40%, a produtividade começou a cair. Portanto, esse é o momento de iniciar a irrigação”, informa Antonini.

Com o esgotamento de 80% da CAD, ou seja, de quase toda a água disponível do solo, foi constatada perda de produtividade de cerca de 18% (Tabela 1). No entanto, o peso e a qualidade dos grãos, bem como o número de espigas por área, não sofreram alterações significativas nas diversas situações.

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Análise da produtividade média de acordo com o esgotamento da capacidade de água disponível no solo.

Para as avaliações, foram considerados o balanço de água do solo, com base na umidade do solo medida ao longo do ciclo da cultura, a evapotranspiração das plantas, estimada a partir de um modelo de balanço hídrico, e a água que entrou no sistema, pela chuva ou pela irrigação. Na área implantada na Embrapa Cerrados, foi utilizado um sistema de irrigação convencional com quatro aspersores de impacto por parcela (6 metros x 6 metros).

Na parcela onde houve uso de 20% da CAD, foram necessárias 36 irrigações, com lâmina média de água de 13,8 mm. O índice de eficiência do uso de água foi de 10.83. Já com uso de 40% da CAD, foram feitas 19 irrigações, com lâmina média de água de 24 mm e eficiência de uso da água de 11.76. O tratamento com uso de 60% da CAD recebeu 14 irrigações com lâmina média de água de 31,9 mm e índice de eficiência de irrigação de 11,17. Já com uso de 80% da CAD, foram necessárias 9 irrigações, com lâmina de água de 36,8 mm e índice de eficiência de irrigação de 13.33 (Tabela 2).

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Variações dos parâmetros do trigo de acordo com o esgotamento da capacidade de água disponível, número de irrigações, lâmina de água e índice de eficiência de irrigação.

Apesar de o último tratamento, com esgotamento de 80% da CAD, apresentar o melhor índice de eficiência de irrigação (13.33), a produtividade foi 18% menor que nos outros tratamentos. “Se houvesse uma deficiência de água e o produtor tivesse que pagar um valor alto por esse recurso, nós teríamos que fazer um estudo econômico para calcular qual é a produtividade que valeria a pena se obter considerando o preço da água. No futuro, se tivermos essa situação, temos a possibilidade de produzir menos com menor quantidade de água”, esclarece Antonini.

Necessidade de água de acordo com a fase da lavoura

O estudo também apontou a necessidade de água de acordo com a fase de desenvolvimento da planta. No experimento, o desenvolvimento da cultura foi acompanhado no campo, com registro da duração de cada fase, em dias, contados a partir da data da semeadura (Tabela 3). “Nos estádios iniciais da lavoura [estabelecimento e perfilhamento], o consumo de água é menor. À medida que o ciclo da cultura avança, aumenta a necessidade por água, com ápice na fase de floração. A partir daí, a quantidade de água pode ser reduzida”, observa Muller.

Segundo o cientista, essa variação ocorre de acordo com a quantidade de folhas. Quanto maior a área foliar, mais a planta perde água para a atmosfera. Por isso, a floração é a fase mais exigente em irrigação, quando a planta tem o máximo de folhas. Depois, as folhas e os grãos começam a secar.

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Variação do coeficiente da cultura de acordo com a fase de desenvolvimento da cultura, nas condições de clima e solo do Distrito Federal.

Entenda o que é Kc

O coeficiente da cultura (Kc) é um índice que permite estimar a evapotranspiração da lavoura. Numericamente, é o resultado da divisão da evapotranspiração da cultura pela evapotranspiração de referência, que é medida em uma área cultivada com gramínea junto à estação meteorológica.

Após a pesquisa obter esse coeficiente para cada período do ciclo da cultura, os irrigantes conseguem estimar com mais precisão o consumo diário de água pelo trigo, multiplicando o Kc pela evapotranspiração de referência. “O coeficiente da cultura é uma métrica que permite estimar o consumo de água durante o crescimento e o desenvolvimento da cultura, evitando adicionar mais água do que o necessário no sistema”, esclarece Oliveira.

No experimento da Embrapa Cerrados, a irrigação foi feita sempre quando se atingia o nível de esgotamento determinado. “Como ocorre um consumo maior de água pelas plantas em determinado período, como no florescimento, por exemplo, mais rapidamente se chega ao limite de esgotamento. Então, a frequência de irrigação aumenta”, informa Muller.

Com dados gerados especificamente para a região do Cerrado, o produtor pode estabelecer um manejo de irrigação com oferta adequada de água, em quantidade e frequência, de acordo com a fase de desenvolvimento da planta. Esse manejo resulta em maior eficiência da irrigação sem afetar o rendimento da cultura.

Rendimento do trigo no Cerrado é maior do que no Sul

No Cerrado, devido ao regime de chuvas da região, só é possível cultivar o trigo no inverno com irrigação. A expansão dessas lavouras depende de um manejo adequado da água, principalmente pelos custos que essa operação representa para os sistemas produtivos.

Cerca de 90% do trigo brasileiro é cultivado na região Sul. No entanto, a cultura vem crescendo no Centro-Oeste do Brasil com a produção de um grão de alta qualidade para a panificação industrial. Nos últimos dez anos, o rendimento do trigo no Cerrado tem sido maior do que a região Sul, sendo as médias de 4,5 quilos e 2,7 quilos por hectare, respectivamente.

“Com os cálculos atualizados para irrigação das lavouras no Cerrado, a pesquisa indica que é possível levar o trigo para áreas de cultivo não tradicionais com um uso racional da água, fator importante no contexto das mudanças climáticas e do aumento da demanda por alimentos no mundo”, reforça Oliveira.

Fonte: portaldoagronegocio

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