Se essa for a saída adotada, será uma mudança de rumo em relação ao modelo colocado em consulta pública no início do ano. Nele, o governo sugeriu que a parte operacional da passagem seca fosse uma concessão apartada, atribuindo ao operador do porto apenas um aporte financeiro de quase R$ 3 bilhões — número que posteriormente foi revisado e calculado em cerca de R$ 2 bilhões. O projeto chegou a ser qualificado nesse formato, para estudos, na carteira do Programa de Parcerias de Investimento (PPI) do governo em abril deste ano.
A forma como o túnel será endereçado dentro da privatização do Porto de Santos é desde o início um tópico que exigiu atenção do governo. Fontes ouvidas pela reportagem apontam que as duas saídas para a construção e operação da ligação seca têm vantagens e desvantagens, já que o túnel seco representa uma das maiores cargas de risco à modelagem da desestatização.
Entre os motivos está o fato de a operação ultrapassar os riscos tradicionais de uma gestão portuária, além de o projeto, isoladamente, ter valor presente líquido (VPL) negativo, ou seja, previsão de despesas maiores que as receitas.
É com base nessa característica que o governo inicialmente previu que o futuro concessionário do porto de Santos fizesse um aporte para o empreendimento, que seria construído e operado por outro parceiro privado, escolhido em leilão. Nesse modelo, a vantagem era apartar o risco operacional do túnel seco da gestão portuária. Além disso, separar as duas concessões também poderia trazer algum benefício concorrencial ao leilão, já que o interesse de empresas em Santos pode ser reduzido em razão de a operação do túnel entrar como responsabilidade do administrador do porto.
Essa alternativa, por sua vez, tem mais desafios regulatórios e contratuais, avaliam fontes reservadamente. Endereçar as regras para uma nova concessão exigiria uma complexidade regulatória que, no limite, poderia gerar contestação e algum tipo de insegurança jurídica ao projeto.
Já a opção por atribuir a responsabilidade de construção e operação do túnel seco ao concessionário do porto é considerada mais simples contratualmente — apesar de aumentar poder aumentar o risco para o futuro concessionário de Santos. Mesmo com esse fator, a avaliação é de que o leilão do porto continua sendo extremamente atrativo. Santos abriga o maior complexo portuário da América Latina e movimentou no ano passado 147 milhões de toneladas, volume recorde.
O túnel seco entre Guarujá e Santos é uma demanda antiga da região. Atualmente, uma das alternativas para a travessia entre as cidades é pela balsa, que leva aproximadamente sete minutos para ser percorrida e transporta 23 mil veículos por dia. Durante o deslocamento das balsas, a atividade do porto precisa ser interrompida, ocasionando interferência nas operações portuárias e risco à navegabilidade dos passageiros. Outra opção é o caminho ser percorrido por estrada, em um trecho de 43 quilômetros de extensão.
Diante dos desafios de modelagem, a forma de inclusão do túnel na privatização do Porto de Santos foi um dos tópicos que tomaram as discussões do Ministério da Infraestrutura e da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) nas últimas semanas. Inicialmente, o governo tinha planos de fechar o projeto até o fim de junho, para então enviá-lo ao TCU. Mas a expectativa não se concretizou. Apesar de ainda não descartar a realização do leilão neste ano, fontes do setor já consideram impossível o Ministério promover o certame neste governo, restando apenas a possibilidade de o edital ser lançado em 2022.
Procurado, o Ministério da Infraestrutura afirmou que o item sobre a modelagem do túnel seco recebeu diversas contribuições na consulta pública e que o assunto está sendo avaliado pela pasta e pelas demais instituições participantes do projeto. “Desta forma, assim que as análises forem concluídas, serão refletidas nos documentos, que terão ampla divulgação para os diversos interessados”, disse o Ministério.
Já a Antaq afirmou que o processo para desestatização e concessão do Porto de Santos encontra-se em fase final de análise das contribuições por meio de consulta pública. “Após a análise das contribuições, será feita a formatação do projeto e, na sequência, envio da documentação ao Tribunal de Contas da União”, disse.