Uma dúvida que frequentemente chega até nós, do Cepea, é: qual é, afinal, a participação do agronegócio no PIB brasileiro? Seria por volta de 5 a 6%, como aponta o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística)? Ou entre 25 e 30%, como diz o Cepea? A dúvida existe por uma falta de compreensão sobre os conceitos, que busco esclarecer a seguir.
O IBGE é a instituição responsável pelas Contas Nacionais do Brasil e adota uma série de recomendações e padrões internacionais, inclusive no que diz respeito à classificação de atividades econômicas – aspecto principal de interesse deste texto. Uma atividade econômica é descrita e classificada segundo algumas de suas características, como o tipo de bem ou serviço que produz, o tipo de insumo que utiliza, a sua técnica de produção ou, ainda, os usos de seu produto (System of National Accounts – SNA, 2008[1]). Considerando-se essas características, o IBGE agrupa as diversas atividades econômicas do País segundo a Classificação Nacional de Atividades Econômicas – CNAE (versão 2.0), classificação essa que é compatível com a internacionalmente adotada[2]. Na sua versão atual, o Sistema de Contas Nacionais Trimestrais divulga informações de valor adicionado setorial (conceito entendido e analisado na prática como PIB dos setores) para as seguintes atividades agregadas: agropecuária; indústria (desagregada em Extrativa, Transformação, Construção e Produção e distribuição de eletricidade e gás, água, esgoto e limpeza urbana); e serviços (desagregado em Comércio, Transporte, armazenagem e correio, Serviços de informação, Intermediação financeira e previdência complementar, Outros serviços; Atividades imobiliárias; Administração, saúde e educação públicas e seguridade social)[3].
Nessa classificação, a agropecuária (seção A da CNAE) é o setor que explora os recursos naturais vegetais e animais, abrangendo atividades de cultivo agrícola, de criação e produção animal; de cultivo de espécies florestais; de extração de madeira em florestas nativas, de coleta de produtos vegetais e de exploração de animais silvestres em seus habitats naturais; além da pesca extrativa e da aquicultura[4]. Logo, os números de PIB da agropecuária do IBGE dizem respeito exclusivamente ao que entendemos como produção “dentro da porteira”.
Em seus cálculos, o Cepea utiliza as informações secundárias e oficiais do IBGE para mensurar qual seria o PIB do agronegócio, um conceito mais amplo e abrangente que o de agropecuária, que engloba também atividades econômicas de outros setores de atividade (indústria e serviços). Especificamente, o agronegócio é definido como um setor econômico com ligações com a agropecuária, tanto a montante como a jusante, envolvendo: a produção de insumos para a agropecuária, a própria agropecuária, as agroindústrias de processamento dessas matérias-primas e a distribuição e demais serviços necessários para que os produtos agropecuários e agroindustriais cheguem ao consumidor final.
O setor “agronegócio” não é definido nas classificações de atividades econômicas oficiais adotadas pelos órgãos responsáveis pelas contas nacionais dos países (como o IBGE no Brasil), e, por isso, não há estatísticas oficiais sobre o PIB (ou outros agregados, como o emprego) desse setor. Considerando-se o interesse analítico nesse número, o Cepea realiza o cálculo, com o apoio da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil). É importante enfatizar que o Cepea apenas aplica aos dados nacionais um conceito que foi definido e é entendido, naturalmente com certas diferenças, internacionalmente. O conceito de agribusiness surgiu nos anos 1950 na Universidade de Harvard, com os trabalhos de Davis e Goldberg. Paralelamente, nos anos 1960, a noção de analyse de filière (cadeia de produção) se difundiu no âmbito da escola industrial francesa (BATALHA, 2014)[5]. O termo ganhou importância no Brasil a partir dos anos 1990.
Cabe um último esclarecimento conceitual importante sobre isso: não é feita, como em certas vezes se pensa, uma “multiplicação dos pães” com o propósito de inflar a importância da agropecuária no País – o que ocorreria se a produção agropecuária fosse contabilizada duplamente (ou mais vezes) ao se somar, por exemplo, o valor do trigo, e então o da farinha de trigo e novamente os dos pães ou massas. Como pode ser visto em Cepea (2017)[6], para calcular o PIB do agronegócio, adota-se o conceito de valor adicionado – assim como feito pelo IBGE em cálculos de PIB setoriais, o que faz parte das recomendações internacionais. Como a produção de um setor é utilizada na produção de outros na sequência de uma cadeia, a abordagem do valor adicionado deve ser a utilizada, caso contrário se estaria de fato incorrendo em duplas contagens. Por isso, para se chegar ao PIB do agronegócio e de cada segmento deve-se descontar do valor da produção do setor de interesse o valor do que foi adquirido de outros setores (o consumo intermediário). Conforme Feijó et al. (2013) [7], o valor adicionado ou agregado por um setor é a medida relevante para avaliar o esforço produtivo. No nosso exemplo, para calcular a contribuição da indústria responsável pela farinha de trigo no PIB, desconta-se do valor de produção da farinha o que foi gasto com o trigo e outros insumos; na sequência, para calcular a contribuição da indústria de massas alimentícias desconta-se o que foi gasto com a farinha de trigo e outros insumos.
Portanto, o PIB do agronegócio calculado pelo Cepea não tem, de forma alguma, o objetivo de contestar o número oficial para agropecuária divulgado pelo IBGE. Trata-se de um indicador complementar, que em muitas situações é analiticamente útil. Uma discussão muito interessante e completa sobre esse assunto está no texto “Agronegócio – conceito e evolução”, divulgado recentemente e de autoria do Coordenador Científico do Cepea, professor Geraldo Barros (acesse aqui).
Qual número, então, deve ser utilizado? Depende. Se o objetivo é saber a dimensão da atividade agropecuária, ou da produção “dentro da porteira”, o número adequado é o do IBGE, que indica que esse setor representou em média 4,8% da economia na média de 1995 a 2021. Se o objetivo é saber a dimensão das cadeias como um todo, ou do agronegócio, deve-se recorrer ao número do Cepea – também para a média de 1995 a 2021, o agronegócio respondeu por 23% da economia[8]. Claro, trata-se de uma estimativa, encontrada quando se aplica a metodologia desenvolvida pelo Cepea, que não é o único caminho possível para essa aferição. É apenas importante que se tenha em mente, ao utilizar o número do Cepea, que não se está fazendo referência apenas à agropecuária, mas a uma diversidade de cadeias produtivas incluindo indústrias e serviços conectados a ela.
- [1]Ver https://unstats.un.org/unsd/nationalaccount/docs/sna2008.pdf
- [2]International Standard Industrial Classification of all Economic Activities – ISIC
- [3]Ver: Série Relatórios Metodológicos. Contas Nacionais Trimestrais – ano de referência 2010. 3ª edição. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Rio de Janeiro, 2016.
- [4]Segundo a Comissão Nacional de Classificação (CONCLA).
- [5]Ver BATALHA, M.O. Gestão agroindustrial : GEPAI : Grupo de estudos e pesquisas agroindustriais / coordenador Mário Otávio Batalha. – 3. ed. – 8. reimpr. – São Paulo : Atlas, 2014.
- [6]https://cepea.esalq.usp.br/upload/kceditor/files/Metodologia%20PIB_22.07.21.pdf
- [7]FEIJÓ, C.; RAMOS, R.L.O.; LIMA, F.C.G.C.; BARBOSA FILHO, N.H.; PALLIS, R. Contabilidade social: referência atualizada das contas nacionais do Brasil (Vol. 4). Elsevier Brasil, 2013.
- [8]No processo de cálculo do PIB do agronegócio, o Cepea calcula os PIBs dos seus segmentos de insumos, agropecuária, agroindústria e agrosserviços, cujas participações médias no PIB brasileiro, de 1995 a 2021, foram 0,9%, 4,6%, 7,4% e 24,7%.
Nicole Rennó Castro – Professora da Esalq/USP e pesquisadora do Cepea