O uso de diesel foi proibido desde a década de 70, em decorrência da crise do petróleo. Por ser um país de proporções continentais e altamente dependente da movimentação de mercadorias por estradas, o governo da época precisava garantir a oferta de combustível para os caminhões.
O Brasil não mudou muito, ainda utilizamos as rodovias como principal meio de transporte de produtos de um lugar para o outro — cerca de 65% contra 15% das ferrovias.
Como resultado, a frota brasileira de veículos evoluiu principalmente para veículos a gasolina e etanol. Com a introdução da tecnologia de combustível flex (FFV) em 2003, a frota de carros passou a ser composta por mais de 80% de FFV.
Ao olhar para o consumo de combustível no Brasil, portanto, focamos no que chamamos de “Ciclo Otto” (demanda de combustível do motor a combustão).
O consumo brasileiro de combustível ciclo Otto atingiu 54bi litros em 2022, o segundo maior já registrado. E desse total, 42% era etanol — incluindo o anidro para mistura à gasolina e o hidratado para FFV.
O Brasil é altamente dependente do etanol para a garantia do abastecimento, e é por isso que mudanças nas políticas tributárias e nas políticas de preços da Petrobras podem criar incerteza quanto ao papel futuro do etanol e ao abastecimento a longo prazo.
Falta de combustível, não é uma opção
O Brasil tem uma capacidade limitada de refino de petróleo em gasolina, estimada em cerca de 31 bilhões de litros. Assim, a lacuna de demanda de combustível no Brasil (em torno de 25 bilhões de litros) precisa ser preenchida com etanol e importação de gasolina. A capacidade de produção de etanol do Brasil, nos anos em que o mercado incentiva os produtores a maximizar o açúcar e minimizar o etanol, está em torno de 30 bilhões de litros já incluindo o etanol de milho — mais sobre isso abaixo.
Até 2019, a Petrobras era responsável por mais de 95% da produção total de gasolina no Brasil. Então, em 2019, foi feito um acordo com o Cade (Conselho Administrativo de defesa Econômica) no qual a Petrobras precisaria vender 50% de sua capacidade refino para acabar com o monopólio da empresa. Isso resultaria na venda de 8 de suas refinarias. Até agora conseguiu vender 2.
Com a mudança de Governo após as eleições presidenciais de 2022, a mentalidade em relação à venda das refinarias restantes é agora inversa. Rumores são de que o governo tentará fazer um acordo com o CADE para desfazer o compromisso firmado em 2019.
O resultado?
Ou a Petrobras precisará aumentar a capacidade de refino (uma nova refinaria levaria pelo menos 4 anos para ser construída), a importação de gasolina precisará aumentar e/ou talvez o papel do etanol no abastecimento do país precise ser refletido no preço. Algo que com isenções fiscais e discussões de mudanças da atual Política de Preços Internacionais (PPI) fica difícil apostar nesta última como vencedora das opções.
Assumindo uma média de crescimento de 4% na demanda de combustível, até 2025 as importações de gasolina precisariam ser de pelo menos 3 bilhões de litros. Não é o máximo que o Brasil já importou, mas o número pressupõe aumento da produção de etanol devido aos projetos de etanol de milho já previstos para serem implementados nos próximos anos – de acordo com a UNEM (União dos Produtores Nacionais de Etanol de Milho) em 2025 a produção deve crescer 30% para 6 bilhões de litros.
Outra suposição importante é que o consumidor continuará favorecendo o etanol. No entanto, como vimos com as mudanças na política tributária, uma paridade gasolina-etanol persistente acima de 70% impacta as preferências do consumidor, resultando em menor participação do etanol hidratado — menor preferência pelo etanol, mais gasolina necessária.
Se a Petrobras desistir da PPI, a empresa voltará a importar com prejuízo, como ocorreu entre 2012 e 2015. Isso gerou um prejuízo estimado de mais de R$ 40 bilhões para a empresa. Difícil investir em refinaria quando há essa lacuna a preencher.
Como dissemos, falta de combustível não é uma opção. O único player disposto a importar com prejuízo será uma empresa com 50% do governo. Outros se isentarão da obrigação.
Quando o PPI foi implementado em 2017, já vimos um aumento de diferentes players participando da importação de gasolina. Mas em 2021 e 2022, quando o reajuste de preços tornou-se menos frequente e os preços domésticos ficaram abaixo dos internacionais por um período mais longo, a participação da Petrobras voltou a crescer.
Preços da Gasolina Limitados são negativos para o Etanol
Os consumidores escolhem entre gasolina e etanol com base na regra da relação de preços conhecida como paridade de preços do etanol da gasolina. Se estiver abaixo de 70%, os consumidores comprarão etanol em vez de gasolina.
O que isso implica é que, para manter uma relação favorável, toda vez que o preço da gasolina cair (seja por impostos mais baixos ou por preços mais baixos nas refinarias), o etanol também precisará cair para se manter competitivo.
Em um cenário em que os preços domésticos não acompanhem a referência internacional, conforme proposto pelo novo governo, qualquer valorização do Brent não será refletida internamente e, conseqüentemente, os preços do etanol permanecerão limitados.
O governo decidiu acabar com a isenção de impostos federais para gasolina e etanol. E ao mesmo tempo parece que forçou uma decisão da Petrobras de reduzir o preço da gasolina em 4%.
O anúncio feito ontem à noite deixou muitas perguntas sobre qual exatamente são os novos valores de imposto, o Ministro da Fazenda pareceu esquecer sobre a Cide e disse que ” 0,47/litro para gasolina, mas com a redução na refinaria então fica na verdade em BRL0,34/litro”. Seria esse o impacto final? A única coisa positiva foi a manutenção do diferencial tributário do etanol — garantido pela EC 123 de 2022.
Qual o impacto para etanol? Pelo infográfico acima vemos que é positivo. Apenas a redução de preços da gasolina resultaria em um downside de BRL0,1/l. com a volta dos impostos, mesmo que parcial, resulta em quase BRL0,3/litro de potencial alta — dada a falta de claridade no anúncio, rodamos um cenário com a volta total da Cide em BRL0,1/litro.
Resumindo
Ao criar mecanismos artificiais para manter os preços da gasolina baixos, o governo afasta o investimento privado na capacidade das refinarias, criando um potencial risco de abastecimento a longo prazo. Por quanto tempo a Petrobras aguenta ter prejuízo com importações?
Além disso, o papel crucial do etanol em manter o país abastecido precisa urgentemente de reconhecimento. Ao subsidiar a gasolina, reduz-se o potencial de preço do etanol. A capacidade de produção adicional é cada vez mais afastada – especialmente com o açúcar pagando ao produtor 38% a mais que o etanol.
Fonte: portaldoagronegocio