Empresários brasileiros de diversos setores do agronegócio e da indústria participam nesta quarta-feira (3) de uma audiência pública em Washington, no Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR, na sigla em inglês). A comitiva apresentará uma defesa do Brasil no âmbito da investigação do governo americano sobre práticas comerciais supostamente desleais praticadas pelo país.
A reunião ocorrerá na sala principal de audiências da Comissão de Comissão de Comércio Internacional dos EUA, a partir das 11h (Brasília). O governo brasileiro não participará do encontro.
A investigação contra o Brasil foi iniciada pelo USTR no dia 15 de julho. A ordem para a abertura do procedimento cita ações, políticas e práticas brasileiras consideradas “irrazoáveis” ou “discriminatórias” e que “pesam ou restringem o comércio americano”.
Entre elas são citados o sistema de pagamentos Pix, o comércio de produtos piratas na Rua 25 de Março, em São Paulo, o desmatamento ilegal para uso agropecuário, a proteção do mercado de etanol, a corrupção, a proteção de propriedade intelectual, além de tarifas preferenciais adotadas pelo Brasil no comércio com parceiros como México e Índia.
Dias antes, em 9 de julho, a adoção da medida havia sido comunicada diretamente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo mandatário americano, Donald Trump, na mesma carta em que o chefe da Casa Branca anunciou a imposição de tarifas de 50% sobre as importações de produtos brasileiros pelos EUA.
Chamado de “investigação da Seção 301”, o processo faz referência a um dispositivo da Lei de Comércio americana, de 1974, que prevê a adoção de medidas comerciais coercitivas quando identifica práticas injustas de outros países.
As possíveis retaliações incluem mais tarifas e a suspensão de benefícios comerciais. Caso a investigação não confirme práticas irregulares, por outro lado, o governo americano pode interromper ou reduzir medidas retaliatórias.
Desde o anúncio da investigação e da sobretaxação de produtos brasileiros, Lula tem se recusado a procurar Trump para uma negociação. “Ele não quer conversar. Se ele quisesse conversar, ele pegava o telefone e me ligava”, disse o presidente do Brasil em julho.
“Eu não tenho por que ligar para o presidente Trump porque, nas cartas que ele mandou e nas decisões, ele não fala em nenhum momento em negociação. O que ele faz são novas ameaças”, reiterou, em agosto, em entrevista à Reuters. “Não vou me humilhar”, acrescentou.
Ex-diretor-geral da OMC falará em nome do agro brasileiro na investigação dos EUA
Representando mais de 5 milhões de produtores rurais, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), será representada pelo embaixador Roberto Azevêdo, ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), e pela diretora de relações internacionais da entidade, Sueme Mori.
Em relação à alegação de desmatamento ilegal, a CNA argumenta que o Brasil dispõe de legislação ambiental robusta e avançada, como o Código Florestal e a Lei de Crimes Ambientais, além de sistemas de monitoramento; e que o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e Queimadas (PPCD) e políticas semelhantes resultaram em reduções no desmatamento.
Além disso, sustenta que ferramentas como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) garantem rastreabilidade e conformidade da produção agropecuária; e que o controle da exploração de madeira é feito via Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) e via Documento de Origem Florestal (DOF+), com rastreabilidade obrigatória e certificações reconhecidas.
Sobre o acesso ao mercado de etanol, a entidade lembra que, entre 2010 e 2017, houve isenção tarifária para o etanol dos EUA e que, posteriormente, adotou-se a tarifa de Nação Mais Favorecida (NMF) de 18%, inferior à aplicada aos países do Mercosul, que permanecem com tarifa de 20%.
Para a CNA, a política tarifária é transparente, não discriminatória e em conformidade com a OMC. Além disso, o programa RenovaBio é aberto a produtores estrangeiros que atendam aos critérios técnicos e ambientais. A confederação considera ainda que alegações de favorecimento à Índia e México não se sustentam diante dos volumes exportados.
“A CNA defende a cooperação bilateral com os EUA na transição energética, especialmente em bioenergia e combustíveis sustentáveis, reconhecendo a relevância desses produtos para a descarbonização global”, diz a entidade.
Já no contexto da investigação sobre tarifas preferenciais, ressalta que o Brasil concede tratamento tarifário preferencial de forma limitada, com base em acordos compatíveis com o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) e com a Cláusula de Habilitação da Organização Mundial do Comércio (OMC), como os celebrados com México e Índia.
Os acordos com tratamento tarifário preferencial representam apenas 1,9% das importações brasileiras e não discriminam ou prejudicam as exportações americanas, argumenta a instituição, ressaltando que, em comparação, os EUA contam com acordos de livre comércio abrangentes em vigor com 20 países.
Comitiva brasileira tem ainda representantes dos setores de café, etanol, pescados, móveis e cerâmica
Além da CNA, entre as entidades do agro brasileiro que participarão do encontro, estão o Conselho de Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), a União Nacional do Etanol de Milho (Unem), a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica).
Participam também representantes da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), da Associação Brasileira das Indústrias do Mobiliário (Abimóvel), da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), da Associação Brasileira da Indústria de Madeira Processada Mecanicamente (Abimci).
Do ramo industrial, estarão representados ainda a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), a Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham), a Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), a Associação Nacional dos Fabricantes de Cerâmica para Revestimentos, Louças Sanitárias e Congêneres (Anfacer)
As empresas WEG, Embraer, Eliane, Portobello e Wesco, o advogado Ricardo Vasconcellos e a organização Public Citizen and Data Privacy Brasil também participam da audiência.
Associações, conselhos e representantes de empresas e produtores americanos também marcarão presença no encontro para falar sobre as alegações de práticas comerciais desleais por parte do Brasil.
Governo brasileiro enviou resposta sobre investigação no dia 18 de agosto
No dia 18 de agosto, o governo brasileiro apresentou uma resposta formal ao USTR sobre a investigação da Seção 301. Em um documento com mais de 90 páginas destacou que “não reconhece a legitimidade de investigações, determinações ou potenciais ações retaliatórias tomadas fora do arcabouço legal da OMC”.
Como “valoriza sua parceria estratégica com os Estados Unidos e opta por se envolver construtivamente”, no entanto, afirmou que fará consultas com o USTR e “prestará esclarecimentos sobre os assuntos em questão”.
Na resposta, o Brasil diz ainda que “rejeita veementemente as alegações feitas pelos EUA” e insiste que suas políticas e práticas não atendem aos requisitos para uma conclusão da investigação contra o país.
“Tais ações prejudicariam o relacionamento profundo e estratégico entre os EUA e o Brasil e resultariam em maiores ônus ou restrições ao comércio norte-americano do que aqueles causados pelas supostas ações em questão”, diz o documento brasileiro.
Fonte: gazetadopovo