Um acordo firmado entre parlamentares do governo e da oposição durante a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que apura fraudes no INSS pode deixar o irmão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), José Ferreira da Silva, o “Frei Chico”, de fora da lista de depoentes no colegiado.
Ao iniciar os trabalhos nesta terça-feira (26), deputados e senadores votaram o plano de trabalho proposto pelo relator da CPMI do INSS, Alfredo Gaspar (União-AL), mas precisaram chegar a um acordo. Para que a proposta fosse aprovada, governo e oposição concordaram que somente os presidentes das associações investigadas seriam convocados.
Como “Frei Chico” ocupa a vice-presidência do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), ele não deve ser convocado, inicialmente, pela CPMI. A entidade aparece na lista de associações investigadas pelos desvios, mas o irmão do presidente não é formalmente investigado.
Além disso, foi acordado convidar o ex-ministro da Previdência e Trabalho Onyx Lorenzoni, que atuou na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Entre os ex-ministros da pasta, ele não constava entre os gestores convidados. Além dos ministros, a comissão irá convocar ex-presidentes da Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência (Dataprev), do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e diretores de benefícios do instituto.
Em conversa com jornalistas, o líder do governo no Senado, Randolfe Rodrigues (PT-AP), afirmou que a oposição “não tinha os votos necessários” para aprovar o plano de trabalho e comemorou as mudanças feitas por Gaspar. Antes das alterações, os ministros da Previdência haviam sido convocados pelo colegiado, ou seja, o comparecimento seria obrigatório. No caso do convite, a presença é facultativa.
Segundo o deputado Paulo Pimenta (PT-SP), coordenador da bancada governista, também foi acordado com o relator que os requerimentos apresentados só serão votados em bloco – de forma conjunta – quando houver consenso.
Outra vitória para o governo foi a rejeição de um dos requerimentos que pedia informações sobre o sistema MACROS da Controladoria-Geral da União (CGU). A ferramenta permite aos servidores públicos realizar levantamentos de dados de maneira mais eficiente e rápida, transformando o processo de auditoria e fiscalização. No caso, Gaspar solicitava credenciais para a equipe de apoio técnico da CPMI.
Oposição afirma que “Frei Chico” pode ser convocado no futuro
Questionado sobre o acordo, o senador Marcos Rogério (PL-RO) afirmou que as decisões tomadas nesta terça-feira não impedem que “Frei Chico” seja ouvido pela CPMI do INSS no futuro. Ele reconheceu que o dirigente sindical não é formalmente investigado, mas questionou o motivo de a Polícia Federal (PF) não ter avançado nas apurações.
“Os acordos firmados hoje são a fotografia do momento. Isso não quer dizer que ele (“Frei Chico”) não possa ser chamado no futuro. Pretendo questionar justamente o porquê de as investigações não terem avançado em relação a ele”, disse o senador.
Ele também rebateu a declaração de Randolfe sobre os votos. “Se não tivéssemos os votos, não teríamos eleito o presidente e o relator da CPMI.”
Junto com outros senadores da oposição, o próprio Gaspar protocolou um pedido para convocar o irmão de Lula. No entanto, não inseriu o nome do sindicalista nos requerimentos aprovados pelo colegiado, alegando que precisa seguir um “rito processual”.
“Meu primeiro requerimento nesta Comissão foi convocar o irmão do Lula como membro da CPMI. Eu fiz o requerimento, mas, como relator, tenho a obrigação de seguir um rito procedimental de investigação. Tudo terá o seu tempo”, afirmou Gaspar. “Foi com base nesse procedimento que eu fiz o relatório de trabalho. Portanto, os senhores não terão no relatório de trabalho uma flecha apontada para quem quer que seja. Esse relatório busca tão somente que nós tenhamos liberdade para investigar.”
Plano de trabalho da CPMI vai de Dilma II a Lula III
O plano de trabalho de Alfredo Gaspar determinou que as investigações abranjam o período de 2015 até este ano. Ele justificou o recorte alegando que apurações sem limite temporal poderiam ser prejudicadas pelo prazo de prescrição dos fatos.
Assim, as investigações devem considerar o período do segundo governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) até a atual gestão de Lula. Com isso, os governos de Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) também serão alvo do colegiado.
“A fixação desse recorte temporal responde a princípios constitucionais e processuais fundamentais, tais como a segurança jurídica, a proporcionalidade e a celeridade, uma vez que investigações sem limite temporal geram incerteza jurídica, comprometem a preservação de provas pela perda de memória e de documentação, consomem recursos públicos de modo desigual e podem redundar em tratamentos processuais desiguais e potencialmente abusivos”, afirmou o relator no documento.
O plano do relator foi aprovado em votação simbólica – quando não há necessidade de registro nominal dos votos – e prevê seis eixos investigativos:
- Mapeamento do esquema fraudulento e modus operandi;
- Identificação e responsabilização dos envolvidos;
- Impacto nas vítimas e no erário;
- Caminho do dinheiro;
- Análise de falhas institucionais e dos mecanismos de controle;
- Medidas preventivas e de aperfeiçoamento legislativo.
Vice-presidência da CPMI do INSS fica com governista
Na mesma sessão, o deputado Duarte Jr. (PSB-MA) foi eleito vice-presidente da CPMI do INSS. A escolha foi fruto de acordo com o governo após a oposição garantir a presidência com o senador Carlos Viana (Podemos-MG) e a relatoria com o deputado Alfredo Gaspar.
“Quero agradecer tanto à oposição como ao governo pela confiança e por encontrar em meu nome um nome de razoabilidade, um nome que vá ter a isenção técnica e a certeza de que nós não estamos aqui para conservar bandidos de estimação”, disse Duarte Jr.
“Tem gente boa em todos os lados, assim como tem criminosos em todos os lados. O nosso compromisso é com os aposentados”, declarou o deputado, que ainda citou a Constituição de 1988 e uma passagem bíblica.
Comissão vai ouvir “Careca do INSS” e ex-presidentes do instituto
Entre os requerimentos apresentados na CPMI do INSS está a convocação de Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como o “Careca do INSS”, além de dez ex-gestores do instituto.
Segundo investigadores, o “Careca do INSS” atuava como operador do esquema, aproximando entidades suspeitas de dirigentes do instituto e facilitando convênios. Sem ocupar cargo formal, teria funcionado como lobista e elo entre associações e servidores, garantindo a manutenção dos repasses indevidos. Sua presença é considerada estratégica para revelar como funcionava a engrenagem que permitiu os descontos sem autorização.
Em nota enviada ao jornal O Globo, a defesa de Antunes afirmou que “confia plenamente na apuração dos elementos constantes nos autos e na atuação das instituições do Estado Democrático de Direito. Ao longo do processo, a inocência de Antonio [Antunes] será devidamente comprovada”.
Também serão ouvidos os ex-presidentes do INSS Alessandro Stefanutto, Leonardo Rolim, Lindolfo Sales, Renato Vieira, Elisete Iwai, Guilherme Serrano, Glauco Wamburg, Leonardo Gadelha, Edison Britto Garcia e Francisco Paulo Soares Lopes.
O colegiado deve ouvir ainda Eliane Viegas Mota, diretora de Auditoria de Previdência e Benefícios da CGU; o delegado da PF Bruno Oliveira Pereira Bergamaschi; a coordenadora da DPU Patrícia Bettin Chaves; e o advogado Eli Cohen.
Depoimentos devem começar na quinta
Ainda nesta terça, o presidente do colegiado, senador Carlos Viana, afirmou que a CPMI do INSS iniciará as oitivas na quinta-feira (28) às 9h da manhã.
“A partir de quinta-feira, começaremos a ouvir as testemunhas e também os investigados, e a população brasileira terá acesso a tudo o que aconteceu no INSS. É o nosso compromisso de transparência e principalmente de prestação de contas à população”, disse Viana em coletiva de imprensa.
Entre os primeiros convidados está o advogado Eli Cohen, responsável por uma das denúncias iniciais sobre o esquema investigado. “Gostaríamos que já na quinta-feira esse advogado, que fez as primeiras denúncias, possa ser ouvido como convidado da CPMI”.
“Eu quero dizer também da minha satisfação em saber que o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, foi encarregado dos inquéritos do INSS. Acertei e acordei com o relator e com o vice. Nós vamos pedir imediatamente uma agenda com o ministro André Mendonça para que a gente possa conversar, trocar ideias.”
Fonte: gazetadopovo