Pouco compreendido pela sociedade e ainda permeado por estereótipos, o autismo em meninas e mulheres foi o foco do painel “Invisibilidade do Autismo na Mulher”, que encerrou a 6ª edição do TJMT Inclusivo: Capacitação e Conscientização em Autismo, realizado em Cuiabá, no dia 5. A palestra, conduzida pela médica psiquiatra Aline Quintal, promoveu uma reflexão profunda sobre a forma como o autismo feminino se manifesta e é percebido – ou muitas vezes quase ignorado – ao longo da vida.
O evento reuniu mais de mil participantes, ampliando o debate e fortalecendo a compreensão social sobre as múltiplas formas de existir, sentir e viver o autismo.
A psiquiatra destacou que o aumento dos critérios diagnósticos, em 2013, contribuiu para maior identificação de pessoas com autismo, sendo comprovado pelas estatísticas e pela percepção cotidiana de escolas e profissionais. Ainda assim, o diagnóstico em meninas continua sendo mais complexo, muitas vezes tardio e permeado por interpretações equivocadas.
Aline Quintal ponderou que o autismo é uma condição crônica, marcada por impacto significativo na vida da pessoa, da família e de toda a rede de cuidado. Exige avaliação multiprofissional e contínua observação dos critérios clínicos, que, nas meninas, costumam se apresentar de forma “diferente”, embora igualmente presentes.
Um dos aspectos centrais da palestra foi o conceito de camuflagem social: estratégias inconscientes ou aprendidas utilizadas por meninas e mulheres para mascarar características autísticas. Esse comportamento, embora favoreça a adaptação social superficial, gera exaustão intensa e retarda o reconhecimento dos sintomas.
A psiquiatra citou exemplos de pacientes que aprendem a conter movimentos repetitivos colocando as mãos no bolso, que ensaiam previamente diálogos inteiros para parecerem naturais ou que copiam expressões de personagens para se integrar ao ambiente. “Não significa que os sintomas não existam; eles apenas estão disfarçados”, explicou.
A camuflagem, segundo ela, influencia diretamente o diagnóstico tardio na vida adulta, quando muitas mulheres chegam aos consultórios exaustas, com quadros de depressão, ansiedade ou burnout, e só então se reconstrói a história de dificuldades sensoriais e sociais presentes desde a infância.
A médica reforçou a importância da convivência escolar para o desenvolvimento de crianças autistas. Embora terapias especializadas sejam essenciais, elas não substituem a vivência real proporcionada pela escola. “O lugar da criança é na escola”, destacou. Para a médica, o ambiente escolar funciona como um grande estímulo social e sensorial, insubstituível para o desenvolvimento.
A integração entre saúde, educação, terapia ocupacional, psicologia, fonoaudiologia e toda a rede de apoio é fundamental para garantir melhores condições de desenvolvimento.
Outro ponto abordado foi a origem histórica dos critérios diagnósticos. Criados nos anos 1940 a partir de estudos exclusivamente com meninos, esses parâmetros por décadas invisibilizaram as formas femininas de expressão do autismo, reforçando a ideia de que meninas só seriam diagnosticadas quando apresentassem quadros muito graves.
Hoje, revisões estatísticas mostram que meninas vêm sendo identificadas com mais frequência, revelando que havia, e ainda há, um contingente oculto de mulheres autistas que passam a vida sem diagnóstico.
Com maior acesso à informação e ao debate público sobre neurodivergência, muitas mulheres têm reconhecido em si mesmas características autísticas, seja por identificação com relatos, seja após o diagnóstico de filhos. Essa autopercepção tem levado mais mulheres a procurarem avaliação especializada, embora ainda exista atraso significativo na identificação em comparação aos meninos.
Durante o painel, a médica explicou teorias que buscam compreender a diferença de prevalência entre homens e mulheres, desde hipóteses genéticas até modelos que relacionam perfis cognitivos à maior ou menor vulnerabilidade ao transtorno. Contudo, ressaltou que nenhuma teoria explica o fenômeno de forma plena, reforçando a necessidade de ampliar a pesquisa e o olhar clínico sobre o autismo feminino.
TJMT Inclusivo
O “TJMT Inclusivo – Capacitação e Conscientização em Autismo”, etapa Cuiabá, foi organizado pela Comissão de Acessibilidade e Inclusão do Poder Judiciário de Mato Grosso, pela Escola Superior da Magistratura (Esmagis-MT) e pela Escola dos Servidores, em parceria com a Prefeitura de Cuiabá e com apoio da Igreja Lagoinha.
A edição realizada na capital reuniu magistrados, servidores, profissionais da saúde e da educação, cuidadores de aluno com deficiência (CAD), familiares de pessoas autistas, estudantes e a sociedade em geral.
Patrícia Neves / Foto: Alair Ribeiro
Fonte: noticiapositiva






