Um morador das vastas planícies rurais da Sibéria relatou que, na manhã de 30 de junho de 1908, viu o céu “se abrir em dois”, com um clarão azulado que, visto da superfície da Terra, parecia ter o mesmo tamanho do Sol. Era um meteoro com aproximadamente 40 metros de diâmetro, na estimativa mais conservadora, mas que pode ter tido até 200 m.
Sua explosão, que ocorreu em pleno ar, gerou uma onda de choque que afetou uma área de mais de 2 mil km2, e só não gerou uma calamidade porque caiu em uma região de floresta pouco povoada: 80 milhões de árvores foram arrancadas pelas raízes em um golpe só, mas apenas três pessoas morreram.

Se você viu as manchetes recentemente, já sabe que a Nasa comunicou o público sobre 2024 YR4, um corpo celeste de 40 a 90 metros de largura que tem alguma chance de atingir a Terra em 22 de dezembro de 2032.
A chance é pequena, mas o protocolo da Rede Internacional de Alerta de Asteroides orienta que, quando um evento ultrapassa 1% de probabilidade, é preciso acionar certos órgãos do governo dos EUA e da Organização das Nações Unidas (ONU).
O mais provável é que o 2024 YR4 acabe se provando inofensivo, como já aconteceu antes com muitos outros objetos que apareceram um dia na lista maus elementos da Nasa. Mas, caso você já esteja querendo preparar o bunker ou uma cartinha de despedida, vale saber como o foi o maior impacto já presenciado pela civilização como a conhecemos: o evento de Tunguska.
É verdade que impactos muito maiores ocorreram ao longo da pré-história, mas para saber mais sobre esses choques, os geólogos e paleontólogos precisam montar um quebra-cabeça complicado, que envolve identificar em quais lugares da Terra há resquícios químicos e fósseis associados a esses eventos e então escavar e analisar cuidadosamente esse sedimento.
Apesar de ser classificado oficialmente como um evento de impacto, o meteoro de Tunguska nunca chegou a tocar o solo e deixar uma cratera. Estima-se que ele explodiu no ar, a uma altitude de 5 a 10 km, quando voava a cerca de 98 mil km/h, sob pressão e calor extremos. É provável, inclusive, que parte razoável do meteoro tenha voltado para a órbita após o choque (sim, ns condições certas, é possível “quicar” na atmosfera).
As violentas ondas de ar se espalharam pela Eurásia, sendo sentidas na Alemanha, na Croácia, no Reino Unido e até em lugares muito mais remotos, como a atual Indonésia e os EUA. De acordo com os dados sísmicos, a onda de choque foi equivalente a um terremoto de grau 5,0 na escala Richter.
Estima-se que a energia da explosão de Tunguska tenha sido de 42 a 130 petajoules. Isso é o equivalente à explosão de 10 a 15 milhões de toneladas de dinamite, ou entre 66 e 206 vezes o impacto direto da explosão da bomba atômica de Hiroshima.
Durante os próximos dias, o céu noturno na Ásia e na Europa ficou claro, e as pessoas tiraram fotos sem auxílio de luzes artificiais nas noites suecas e escocesas.
Esse efeito de brilho contínuo pode ter ocorrido por conta da refração da luz solar que incidia em outras partes do globo através de partículas de gelo de alta altitude, que se formaram em temperaturas extremamente baixas porque subiram muito alto como resultado da explosão. Décadas depois, a mesma coisa aconteceu após o lançamento dos ônibus espaciais.
Nos Estados Unidos, um programa do Smithsonian Astrophysical Observatory na Califórnia passou meses detectando uma diminuição na transparência atmosférica que era consistente com um aumento nas partículas de poeira em suspensão.
Muitos estudos já foram feitos sobre o evento de Tunguska, e muitas teorias já foram sugeridas e refutadas. Houve quem achasse que ele era obra de alienígenas, de um mini buraco-negro ou de um cometa. Como não há cratera, não é simples chegar a conclusões sobre velocidade, tamanho e trajetória do meteoro.
Entretanto, estudos do solo na região mais afetada constataram a presença de minerais que fogem ao padrão esperado. Nos anos 1950 e 60, esferas microscópicas de silicato e magnetita foram encontradas no solo e nas resinas das árvores. A análise química mostrou que as esferas continham altas proporções de níquel em relação ao ferro, um padrão comum em meteoritos, o que também explicaria a presença de irídio em pântanos da região.
Em 2020, uma equipe de pesquisadores usou uma série de modelos de computador para calcular a passagem de asteroides em ângulos oblíquos pela atmosfera da Terra. Modificando variáveis como diâmetro e composição do corpo celeste, propuseram que o evento de Tunguska teria sido provocado por um asteroide de ferro com até 200 metros de diâmetro que teria se chocado com a atmosfera da Terra e retornado à órbita solar.
Não é incomum que meteoros entrem na atmosfera terrestre. Na verdade, isso acontece todos os dias, mas as condições de compressão do ar na frente do corpo celeste enquanto ele entra na atmosfera são tão intensas que a maioria queima ou explode antes mesmo de entrar no solo.
Por isso, a maioria deles tira nota zero na escala de Turim, que vai de 0 a 10 na classificação de risco de potenciais impactos. Já o nosso querido e antecipado 2024 YR4 está no nível 3: tem mais de 1% de probabilidade de impacto e um diâmetro entre 20 e 100 metros. É raro que existam ameaças com essa classificação.

O recorde da escala de Turim foi batido pelo asteroide 99942 Apófis. Em 2004, ele causou um breve período de preocupação e chegou a escala 4: com 370 metros de diâmetro, as observações iniciais indicavam de 2,7% de chances de colisão com a Terra em 2029. A boa notícia é que, mais tarde, a possibilidade de colisão em 2029 foi eliminada.
A má notícia é que, com os novos cálculos do trajeto, existe uma minúscula possibilidade de, em 2029, o asteroide 99942 Apófis passar por uma fenda gravitacional de 800 metros na proximidade da Terra que desviaria o seu trajeto. Ele não cairia imediatamente: passaria sete anos se aproximando até colidir com a Terra sete anos depois, no domingo de Páscoa, em 13 de abril de 2036.
Mas fique tranquilo(a): possibilidade de isso acontecer é tão baixa que hoje o asteroide 99942 Apófis é classificado no nível zero da escala de Turim. Um respiro para a raça humana, uma perda para o Roland Emmerich.
Fonte: abril