No ciclo de votações inconclusivas em que Israel está mergulhado, em que ninguém consegue maioria decisiva no Parlamento de 120 cadeiras, a do ano passado — a quarta em dois anos — trouxe um arremedo de reação: partidos de todos os matizes se uniram para desalojar do posto o eterno primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, enrolado em um processo por corrupção e desgastado por coalizões que não se sustentavam. Ninguém punha fé que o esdrúxulo bloco de governo, composto de esquerda, direita, árabes e antagonistas históricos, fosse durar — e não durou. Em novembro, os israelenses, cansados da urna, foram de novo votar, e quem voltou ao poder? Ele mesmo, o bom e velho Netanyahu, no comando da nação pela sexta vez. Esse retorno, no entanto, se deve menos à força da sua personalidade — Israel está dividido entre os prós e os contras Bibi — do que à sua habilidade em criar alianças.
O Parlamento agora empossado tem 64 deputados (uma maioria confortável para os padrões locais) engajados na coalizão liderada por Netanyahu, sendo 32 de seu partido, o Likud, e catorze do Sionismo Religioso, fusão de três legendas nanicas de extrema direita a quem ele prometeu mundos e fundos para juntar seus candidatos em uma frente única. Saídos das sombras e liderados pelo ultrarradical Itamar Ben-Gvir, eles se tornaram a terceira maior força parlamentar e empurraram Israel para o governo mais direitista da história.
A plataforma dos três partidos — Sionista Religioso, Força Judaica e Noam — é tão radical que, até agora, a própria direita moderada de Netanyahu queria distância. Eles defendem a anexação de assentamentos judeus na Cisjordânia, uma medida ilegal perante a comunidade internacional, a deportação de árabes israelenses considerados “desleais” e o controle político do sistema judicial (uma mão na roda para o processado Netanyahu). Sua maior estrela, Ben-Gvir, 46 anos, líder do Força Judaica, começou a carreira no Kach, movimento virulentamente antiárabe que acabou qualificado como organização terrorista e banido (o próprio Gvir queria, mas não serviu no Exército por ser considerado ameaça à segurança nacional). O Noam é abertamente homofóbico e misógino e opõe o “Israel puro” (religioso ortodoxo) ao “mundo podre e agonizante fora dele” (toda a sociedade secular). O Sionista Religioso, por sua vez, defende a supremacia judaica. “A população não é radical, mas se sente sem opções moderadas que representem seus interesses, como a preservação do território e a identidade judaica”, diz Toby Greene, professor de política da Universidade Bar-Ilan, em Tel Aviv.
Com a implosão da esquerda (o Partido Trabalhista, primeiro a governar o país, fez seis deputados) e um centro pouco confiável, é na direita que os eleitores depositam a esperança de resposta à preocupação com a segurança, diante de uma escalada de conflitos com palestinos, e ao temor de que a pressão internacional resulte em concessões que comprometam seu território — terrenos propícios para a proliferação de ideias extremistas. Ao contrário do rame-rame das eleições anteriores, esta produziu um fato novo: instalou o radicalismo no governo. E neste momento transformador da política israelense parece que é Bibi, o mágico articulador de compromissos, que terá de se submeter à influência dos radicais da extrema direita.
Publicado em VEJA de 30 de novembro de 2022, edição nº 2817
Fonte: Veja