Saúde

Impacto do lockdown na alimentação dos pássaros: como a pandemia alterou o comportamento dos passarinhos em busca de alimento

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  • Quando a humanidade se recolheu a seus respectivos cantinhos durante os primeiros anos da pandemia de COVID-19, o restante da natureza redescobriu como era viver em um mundo sem pessoas. Pumas passearam na capital chilena de Santiago, leões-marinhos tiraram cochilos no porto da Argentina, e cientistas observaram tudo muito atentamente.

    Era um período inédito para o estudo do comportamento dos animais longe do contato humano: a antropausa, que vem de Antropo-, prefixo grego para “humano”, junto com “pausa”. Por um breve momento, o ruído do transporte e o movimento dos barcos deram trégua aos bichos. E eles, por sua vez, aproveitaram para desbravar distâncias 73% maiores que antes.

    Já para um certo tipo de pardal que vive na cidade de Los Angeles, essa foi uma época de transformação. Literalmente. Para juncos-de-olhos-escuros (Junco hyemalis), o que mudou, na verdade, foram seus biquinhos, que ficaram mais longos – um formato mais comum em juncos de fora das áreas urbanas.

    Foi o que pesquisadores da Universidade da Califórnia em Los Angeles descobriram ao medirem espécimes nascidos antes, durante e depois da grande pausa. Os achados foram publicados no periódico Proceedings of the National Academy of Sciences.

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    Para quem circula pelo campus da Universidade da Califórnia, é comum ver esses passarinhos voando de um lado para o outro ou revirando o lixo. A dieta deles depende das sobras dos estudantes: migalhas de cookies, pedaços de pão e tudo que resta da refeição média de um graduando vira lanche para esses bichos.

    Nativos dos climas temperados da América do Norte, eles se mudaram para as cidades há 40 anos e apresentam algumas diferenças físicas em comparação a seus parentes de regiões selvagens. Na cidade, seus bicos são mais curtos e atarracados – e o motivo provavelmente tem a ver com comida.

    Na selva, o cardápio dos pardais alterna entre sementes e insetos, um dos possíveis fatores que pressiona as populações a desenvolverem um bico mais longo. Com uma dieta de sobras, porém, as aves com bicos mais curtos levam vantagem na hora de ciscar nas pilhas de lixo.

    É o caso de muitas espécies que acabam se adaptando à convivência com humanos. Contextos urbanos, em especial, estimulam mudanças consideravelmente ágeis em uma variedade de seres vivos.

    Daí veio a pandemia, e a Universidade da Califórnia fechou as suas portas. Entre março de 2020 e o setembro de 2021, o movimento no campus de Los Angeles reduziu drasticamente, e a maioria das lanchonetes permaneceram fechadas até o final do período de lockdown.

    Para animais em locais urbanos como ratos e gaivotas, o fim súbito das sobras de comida era sinal de um grande aperto. As ninhadas de 2020, ainda com biquinhos curtos, seriam as primeiras a nascer em uma cidade com menos humanos.

    A resposta dos juncos foi um retorno ao selvagem. Os pesquisadores observaram que as ninhadas de durante e depois da antropausa, nascidas no campus entre 2021 e 2022, começaram a ter bicos longos, como os juncos da selva.

    A principal hipótese para essa transformação é a mudança de dieta: diante da escassez de restos de comida de gente, os juncos de bicos mais longos estavam em uma posição muito melhor para suprir essa falta com sementes e insetos. As populações com essa adaptação tinham condições melhores para sobreviver, reproduzir e passar essa característica adiante. Sem humanos, é possível também que a busca por alimentos naturais tenha ficado mais fácil.

    Outra hipótese que os pesquisadores apresentam é que, durante o fechamento, populações não-urbanas teriam migrado para as cidades. Essa, como apontam, é mais improvável, tendo em vista que os indivíduos analisados reagiam a ameaças de maneiras similares às dos pássaros urbanos, coisa que os selvagens fazem com bem menos intensidade.

    Com o fim do isolamento, o alongamento deu para trás, e as ninhadas de 2023 e 2024 voltaram a ter bico mais achatados, e assim permanecem.

    O estudo é um pequeno retrato do quanto a relação entre humanos e outros animais pode possibilitar uma série de variações evolutivas. Porém, os cientistas afirmam que ainda não é possível dizer ao certo o que da dieta dos juncos-de-olhos-escuros urbanos teria levado a tais alterações no formato do bico, ou se tipos diferentes de sementes e insetos presentes no espaço urbano também teriam um papel.

    Fonte: abril

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