O genoma das baleias-jubarte ainda carrega marcas profundas da caça industrial que quase levou a espécie à extinção no século 20. Mesmo após décadas de proteção e sinais claros de recuperação no número de animais, o DNA desses cetáceos mostra que a exploração em larga escala deixou efeitos duradouros.
A conclusão vem de um estudo publicado na Science Advances. Os pesquisadores analisaram o DNA de 16 baleias-jubarte modernas, coletadas a partir da década de 1980, e o compararam ao de nove exemplares históricos do início do século 20.
As amostras antigas foram obtidas a partir de ossos preservados em antigas estações baleeiras, o que permitiu observar diretamente como a população era antes do colapso causado pela exploração industrial.
Essa comparação ajudou a reconstruir como a caça em larga escala alterou o tamanho das populações ao longo do tempo e deixou marcas persistentes no genoma das baleias. Os resultados confirmam, com base genética, o que já era conhecido a partir de registros históricos.
Siga
Antes do início da exploração industrial, voltada principalmente à extração de óleo da gordura das baleias – usado como combustível para iluminação, lubrificante industrial e matéria-prima para sabões e outros produtos –, a população de jubartes no Atlântico Norte era estimada em cerca de 25 mil indivíduos.
Com o avanço da caça comercial ao longo do século 19, esse número despencou, chegando a aproximadamente 2.500 baleias por volta de 1900. No oceano Austral, a vasta região de águas frias que circunda a Antártida, onde a espécie era ainda mais abundante, a queda foi ainda mais brusca.
A população, estimada em quase 70 mil indivíduos no século 17, foi reduzida a pouco mais de 1.300 baleias por volta de 1930, após apenas algumas décadas de caça mecanizada.
Essa diferença entre os oceanos ajuda a entender a dinâmica da exploração. Quando as jubartes se tornaram raras no Atlântico Norte, os baleeiros passaram a concentrar suas atividades no hemisfério Sul, onde a introdução de navios a vapor e lanças explosivas tornou a caça muito mais eficiente.
Mesmo após a proibição internacional da captura da espécie, em 1963, a pressão não cessou completamente. Estima-se que dezenas de milhares de jubartes ainda tenham sido abatidas ilegalmente por frotas soviéticas nas décadas seguintes.
Mudanças no genoma
Mas afinal, como a redução no número de indivíduos afetou o genoma? Um dos indicadores analisados pelo estudo foi a heterozigosidade, um termo técnico que indica o quanto os genes de um animal são diferentes entre si.
Cada baleia herda duas versões de cada gene: uma do pai e outra da mãe. Quando essas duas versões são diferentes, o organismo costuma funcionar melhor, porque uma pode “corrigir” falhas da outra. Quando são muito parecidas, esse efeito de proteção diminui.
Nas baleias-jubarte do oceano Austral, os pesquisadores observaram que essa variedade interna de genes caiu entre 20% e 30% em comparação com os indivíduos do início do século 20. Em outras palavras, as baleias de hoje são geneticamente mais semelhantes umas às outras.
Isso acontece quando uma população passa por um colapso extremo: poucos indivíduos sobrevivem, se reproduzem entre si e acabam transmitindo um conjunto limitado de genes. O resultado é uma população numericamente maior, mas formada por animais geneticamente mais parecidos, com menos margem para lidar com mudanças ambientais, doenças ou novos desafios.
Os pesquisadores também analisaram a chamada carga mutacional, um termo usado para descrever o acúmulo de pequenas alterações no DNA que, sozinhas, não impedem a sobrevivência do animal, mas podem afetar detalhes do seu funcionamento.
Após o colapso populacional, esse tipo de alteração passou a aparecer com mais frequência. São mudanças que não “quebram” genes importantes, mas podem deixar processos do corpo um pouco menos eficientes – como a produção de proteínas, o funcionamento do sistema imunológico ou o aproveitamento de energia.
Em populações grandes, a seleção natural tende a eliminar esse tipo de alteração ao longo do tempo. Mas quando o número de indivíduos cai drasticamente, como ocorreu com as jubartes no século 20, esse filtro enfraquece.
Com isso, pequenas falhas genéticas que antes seriam raras acabam se acumulando, o que pode tornar a população, no conjunto, um pouco menos eficiente para lidar com doenças, estresse ambiental ou mudanças no ambiente.
A boa notícia é que o estudo não encontrou aumento significativo de mutações de alto impacto, aquelas associadas a efeitos graves ou potencialmente letais. Isso sugere que, apesar da redução extrema no número de indivíduos, a população remanescente ainda foi grande o suficiente para que a seleção natural continuasse eliminando as alterações mais danosas.
Ainda assim, a perda de variedade genética preocupa. É essa diversidade que permite a uma espécie se adaptar a mudanças ambientais, novas doenças e alterações nos ecossistemas. Quanto menor a variedade de genes, menor tende a ser essa capacidade de resposta.
No caso das jubartes, os efeitos da caça industrial foram relativamente recentes em termos evolutivos, mas intensos o bastante para deixar um legado genético que pode persistir por muitas gerações.
Para os autores, compreender essas marcas genéticas é fundamental para a conservação. O caso das baleias-jubarte mostra que proteger uma espécie da extinção não significa, necessariamente, apagar os efeitos de episódios extremos de exploração humana.
Monitorar a variedade de genes e o acúmulo de mutações passa a ser tão importante quanto acompanhar o tamanho das populações, especialmente em um cenário de rápidas mudanças climáticas e ambientais.
Fonte: abril






