O Ártico acaba de registrar seu ano mais quente desde 1900. Com temperaturas 1,6°C acima da média das últimas três décadas, a região polar norte segue sentindo os efeitos das mudanças climáticas desencadeadas pela queima de combustíveis fósseis. Desde 1979, o local tem esquentado em uma velocidade quase quatro vezes maior que o restante do planeta – fenômeno apelidado de amplificação do Ártico.
Foi também em 2025 que a região passou pelo seu primeiro outono, segundo inverno e terceiro verão mais quentes. Desse aquecimento emergem outros fenômenos alarmantes: derretimento de geleiras, rios “enferrujados”, “borealização” dos biomas de tundra e “Atlantificação” do oceano Ártico.
As estimativas são do mais novo Arctic Report Card, que, desde 2006, publica relatórios anuais monitorando mudanças nos “Sinais Vitais do Ártico” – indicadores dos processos marinhos, terrestres e atmosféricos da região. “Observar o ártico é medir o pulso do planeta”, afirmam os pesquisadores no documento.
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O aumento das temperaturas tem tido uma série de efeitos nos ecossistemas locais. O mais expressivo, como o relatório aponta, é a intensificação do ciclo hidrológico – isto é, o ciclo da água, que abarca a evaporação e a precipitação, além do derretimento do gelo. O período entre outubro de 2024 e setembro de 2025 registrou níveis recordistas de precipitação.
Esse aumento na concentração de vapor de água na atmosfera – os chamados rios voadores – também retroalimenta o aquecimento, capturando o calor e impedindo que ele escape para o espaço.
A diminuição da camada de gelo que cobre o Ártico – uma superfície reflexiva que rebate a luz solar – também tem piorado o aquecimento na região. Em junho, essa camada de gelo reflexiva tinha apenas metade da extensão que costumava ter nos anos 1960, o que significa que menos luz estava sendo rebatida, e mais calor estava sendo absorvido pelo solo.
Uma consequência curiosa disso é que as tundras, biomas frios e sem árvores, tem verdejado – e isso não é algo bom. A “borealização”, ou seja, o aparecimento de novas formas de vegetação, é um fenômeno observado desde os anos 1990, que traz consigo perturbações nos ecossistemas e na biodiversidade local. Por baixo das tundras, esse fenômeno também foi observado no fundo mar.
No mar, aliás, a situação não melhora. O oceano Ártico vem passando por um processo de “atlantificação”, que o tem tornado mais quente e salgado. Esse fenômeno acontece quando as águas do Atlântico Norte atingem latitudes superiores, bagunçando as camadas do oceano Ártico – ou seja, “fatias” do mar que separam águas de diferentes densidades e temperaturas, e isolam o gelo marinho contra águas inferiores mais quentes.
Comparado aos 47 anos de registros de satélite que se tem do oceano Ártico, a superfície reflexiva de gelo marinho tem hoje sua menor extensão anual máxima, o que também tem contribuído para a permanência do calor na superfície da região.
O mais chocante, porém, provavelmente são os rios “enferrujados”. Mais de 200 bacias hidrográficas árticas de águas antes límpidas agora refletem um vívido tom de laranja. Isso tem a ver com o degelo permafrost – uma camada congelada de solo, rocha, sedimento e areia que se estende por baixo de 15% do território hemisfério norte.
O derretimento dessa camada tem exposto minerais a diversas formas de corrosão, como a oxidação do ferro. A ferrugem resultante tem colorido as águas dos rios como o pó de um suco de saquinho ainda mais ácido e tóxico. Entram nessa sopa também metais como cobre, alumínio e zinco, que comprometem ainda mais a qualidade da água, afetando ecossistemas e comunidades locais que dependem desses rios.
Já as geleiras deram sequência a uma tendência de diminuição, perdendo 129 bilhões de toneladas de gelo apenas no último ano. Esse derretimento tem contribuído para o aumento dos níveis dos oceanos, causado inundações, deslizamentos de terra e afetado sensivelmente a vida de comunidades locais.
Seria um erro grosseiro pensar que as implicações dessas mudanças ficam reservadas apenas para um futuro incerto – ou que são exclusivas a animais como o urso polar da capa desta reportagem. O ártico tem mais de 40 comunidades indígenas que, há mais de 10.000 anos, cultivam uma relação íntima de subsistência com os ecossistemas da região.
Hoje, elas têm lidado diariamente com os impactos das mudanças climáticas em seus territórios, desde as águas intoxicadas dos rios até os desastres naturais sobre a terra.
A alta temperatura das águas contribuiu para que, em outubro de 2025, o Tufão Halong chegasse à costa sudoeste do Ártico, trazendo consigo inundações, ventos fortes e devastações cuja extensão até agora não foi bem compreendida. Vilas como as de Kipnuk e Kwigillingok foram destruídas quase por completo, e mais de 1.500 pessoas tiveram de ser evacuadas.
Os autores do relatório enfatizam que a colaboração com comunidades locais foi essencial para que se entendesse a abrangência dos impactos do aquecimento no Ártico.
Fonte: abril






