Saúde

Ararinhas-azuis ameaçadas por vírus letal: impacto no futuro da espécie

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Todas as 11 ararinhas-azuis que ainda viviam na natureza estão infectadas com um vírus letal, segundo confirmou o Ministério do Meio Ambiente nesta terça-feira (25). Os testes diagnósticos foram realizados nos animais recapturados no início de novembro.

A notícia representa um golpe duro para os esforços de reintrodução da espécie – considerada uma das mais raras do mundo e endêmica da caatinga – e reacende tensões entre o governo brasileiro, uma ONG alemã e a empresa responsável pelo criadouro onde vivem dezenas de exemplares em regime de cativeiro.

O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão federal responsável pela operação sanitária, informou ter aplicado uma multa de R$ 1,2 milhão à BlueSky, empresa que administra o criadouro privado em Curaçá, por descumprimento de normas de biossegurança.

A recaptura das ararinhas ocorreu em 2 de novembro, após ordem judicial. A BlueSky apresentava resistência à recaptura, alegando que recolher os animais seria contraproducente e poderia encerrar o projeto de reintrodução.

As aves estão infectadas com o circovírus, patógeno que causa a doença do bico e das penas. Essa é uma enfermidade crônica, sem cura e geralmente fatal para psitacídeos, como araras e papagaios. Entre os sintomas estão embranquecimento das penas e deformidades no bico. 

A origem exata do vírus ainda levanta controvérsias. A BlueSky atribuiu o contágio a aves silvestres da região, enquanto especialistas apontam que a cepa, originalmente descrita na Austrália, não era registrada em vida livre no Brasil, o que reforça suspeitas sobre falhas internas de biossegurança.

O início do caos

A ararinha-azul já havia sido declarada extinta na natureza antes de sua reintrodução, iniciada em 2020 após um acordo entre o governo brasileiro e a ONG alemã ACTP, entidade que chegou a deter 90% da população mundial da espécie. Hoje, 75% das 328 ararinhas-azuis existentes estão sob posse da ACTP. 

Ainda em 2020, 52 ararinhas saíram do território alemão em direção à Curaçá. Cerca de 20 aves foram soltas em 2022; as 11 sobreviventes são justamente as que testaram positivo para o vírus agora detectado.

A crise sanitária ganhou contornos complexos quando, em 12 de maio de 2025, a BlueSky notificou o ICMBio e o órgão ambiental da Bahia de que sete ararinhas-azuis haviam testado positivo para o vírus. Entre elas, estava um filhote nascido na natureza e seis indivíduos que seriam soltos nos meses seguintes. A revelação ampliou o alerta entre autoridades ambientais, que passaram a considerar que o vírus circulava no criadouro há mais tempo do que se admitia.

Informações subsequentes elevaram ainda mais as tensões. De acordo com o ICMBio, em janeiro de 2025, uma das 41 ararinhas que estavam sob responsabilidade da ACTP, na Alemanha, e que seriam enviadas ao Brasil, também testou positivo para o circovírus. As autoridades brasileiras afirmam que jamais foram notificadas sobre esse caso e que nenhuma das medidas sanitárias recomendadas foi adotada.

Com a confirmação dos primeiros casos no criadouro de Curaçá, a Coordenação de Emergências Climáticas e Epizootias do ICMBio declarou situação de emergência. Equipes foram enviadas ao local em junho e agosto para fiscalizar as medidas de contenção, acompanhar a coleta de amostras e verificar as condições gerais das aves. No entanto, os técnicos se depararam com resistências constantes por parte dos operadores do criadouro. Funcionários tentaram impedir a entrada da equipe em mais de uma ocasião, atrasando inspeções consideradas essenciais para controlar o avanço do vírus.

Segundo Cláudia Sacramento, analista ambiental do ICMBio e responsável pela intervenção, a situação encontrada no criadouro era “muito grave”. Ela descreveu para a Folha de S.Paulo recintos com fezes acumuladas, restos de comida e funcionários circulando sem qualquer equipamento de proteção, usando chinelos, bermudas e camisetas – condições que contrariam protocolos mínimos de contenção de doenças em aves ameaçadas.

“Lidar com a BlueSky e a ACTP durante esse processo não tem sido fácil”, disse Sacramento para a Mongabay. “Sempre há resistência: para nos receber, para colaborar nas coletas, para permitir o acesso às instalações. A omissão em relação ao caso positivo na Alemanha mostra que o processo não tem sido transparente.”

Diante das dificuldades encontradas nas inspeções anteriores, o ICMBio retornou ao criadouro em setembro, acompanhado pela Polícia Federal. O objetivo era reforçar a coleta de amostras, supervisionar a execução de protocolos de biossegurança e avaliar se o vírus havia se espalhado para outras espécies de aves do entorno. As equipes coletaram sangue, fezes e penas das 92 ararinhas mantidas no criadouro, além de amostras de dois maracanãs, papagaios que frequentemente interagem com as ararinhas na região.

Segundo Evelyn Pimenta, veterinária do Hospital Veterinário da Universidade de Brasília que integrou a missão, a primeira impressão do criadouro sugeria uma infraestrutura promissora. Contudo, inspeções mais detalhadas revelaram um quadro preocupante. “Diversos indivíduos apresentavam sinais acentuados de estresse, como ausência de penas e empenamento quebrado”, relata à Mongabay. Ela também identificou falhas críticas nos protocolos de biossegurança, como o uso de medicamentos controlados sem registro individual de dose e procedimentos invasivos realizados sem supervisão veterinária habilitada práticas que, segundo ela, comprometem tanto o bem-estar das aves quanto a eficácia do controle sanitário.

A investigação se estendeu para além das instalações da BlueSky. Biólogos e veterinários montaram redes para capturar aves silvestres nas proximidades. Alguns indivíduos apresentaram áreas sem pena na cabeça e no corpo, além de deformidades no bico, como desvio e crescimento excessivo da mandíbula inferior. Embora tais manifestações não sejam exclusivas da circovirose, os achados reforçavam a necessidade de investigação rigorosa.

 E bingo: as 11 espécimes que viviam soltas na natureza testaram positivo para o vírus.

O projeto vinha sofrendo turbulências políticas e institucionais. A Folha revelou que a ACTP realizou transações milionárias com ararinhas na Europa, o que levou o ICMBio a romper o contrato com a organização em 2024. Desde então, governo, ACTP e BlueSky entraram em conflito sobre os rumos da conservação da espécie.

Para Sacramento, o risco de contaminação em massa permanece alto: aves doentes ainda convivem com espécimes considerados saudáveis dentro do criadouro. Essa proximidade coloca em perigo todas as mais de 90 ararinhas-azuis mantidas em Curaçá, hoje um dos últimos redutos da espécie no mundo.

A BlueSky, acrescenta a analista, chegou a questionar a validade dos laudos emitidos por laboratórios como o da USP e o do Ministério da Agricultura – uma postura que, para autoridades ambientais, compromete a resposta à emergência sanitária.

A descoberta do surto amplia dúvidas sobre o futuro da ararinha-azul em vida livre. Se o vírus já comprometeu toda a população que havia retornado à natureza, especialistas temem que o esforço de décadas para recuperar a espécie possa enfrentar um retrocesso de consequências irreversíveis.

Fonte: abril

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