Palavras carregam história, intenção, afeto… e, às vezes, preconceito que atravessa séculos. É por isso que, quanto mais estudo comunicação, mais percebo: mudar o que dizemos é parte do que transforma o mundo. Não é exagero. É responsabilidade. Por várias vezes nesta coluna abordei a questão do combate ao preconceito na forma como nos comunicamos. E nesta data tão simbólica – o Dia da Consciência Negra – volto ao assunto porque considero que ainda temos muito a melhorar.
O alerta incomoda muita gente e há quem diga que tudo não passa de mimimi. Mas como também já escrevemos aqui “mimimi é a dor que não dói em você, mas dói no outro”. Infelizmente ainda carregamos o racismo na nossa linguagem. Ele está no vocabulário do dia a dia, naturalizado, dito entre risos, repetido sem reflexão… mas jamais inofensivo.
Talvez você já tenha escutado (ou até reproduzido) frases como “vou dormir cedo que amanhã é dia de branco” ou “que mulata bonita”. Parece pouco? Pois bem: essas expressões nasceram da escravização, da violência e da hierarquia racial que moldaram este país. E cada vez que as repetimos, reforçamos a ideia de que o branco é o padrão positivo, e o negro é aquilo que precisa ser corrigido, suavizado, “explicado”.
Uma cartilha lançada em 2020 pela Secretaria de Justiça e Cidadania do Distrito Federal, em parceria com o Ministério Público do DF e Territórios, explica algo essencial: somos um país onde a linguagem foi construída para desqualificar pessoas negras e enaltecer a branquitude. E, mesmo sem intenção, ao manter essas expressões, seguimos alimentando esse imaginário coletivo.
Você sabe de onde veio a expressão “feito nas coxas”? Pois ela nasceu das telhas moldadas nas coxas de pessoas escravizadas. Como, muitas vezes, ficavam com medidas irregulares, eram consideradas malfeitas. Ou “criado-mudo”, que se referia à pessoa escravizada que passava a noite ao lado da cama, imóvel e silenciado. Ou “samba do crioulo doido”, expressão que transforma pessoas negras em caricatura.
É desconfortável? Sim. Mas é real.
E essa realidade continua se infiltrando na forma como elogiamos ou acreditamos elogiar. Quando alguém diz “negra de traços finos”, tenta encaixar a estética negra num molde que só é valorizado quando se aproxima do padrão europeu. Não é elogio. É condicionamento.
Da mesma forma, frases como “cabelo ruim”, “serviço de preto”, “lista negra”, “inveja branca” e tantas outras reforçam a associação simbólica entre negro e erro, sujeira, problema, enquanto o branco ocupa o lugar do bom, do puro, do confiável.
Pequenas escolhas, grandes impactos
A linguagem molda a percepção de mundo. Se palavras reforçam desigualdades, elas também podem reconstruir caminhos. E essa mudança começa pelo básico: substituir expressões que carregam violência.
Dizer “mesa de cabeceira” no lugar de “criado-mudo”, “difamar” no lugar de “denegrir”, “confusão” no lugar de “samba do crioulo doido”.
Trocar “mulata” por parda, “cabelo ruim” por crespo, “não sou tuas negas” por “me respeite”.
E parar de usar “macumba” como sinônimo de algo negativo (lembrando que macumba é instrumento musical). Aliás, respeito às religiões de matriz africana não é opcional.
Relembre aqui 10 expressões cheias de preconceito
É difícil mudar o vocabulário de uma nação inteira. Mas não é impossível mudar o seu. E quando um muda, outro observa. e mais alguém percebe. Comunicação é isso: efeito dominó. Transformação silenciosa acontecendo ali, no cotidiano. E a construção de uma sociedade sem discriminação passa pelo que você escolhe não repetir. Se você já entendeu o peso dessas expressões, compartilhe esse conhecimento.
Fonte: primeirapagina






