Falamos anteriormente sobre o luto como um sentimento triste e desagradável, causado pelo falecimento de alguém. Hoje vamos falar novamente sobre luto, mas aquele não relacionada à morte, aquela reação que se segue à perda de alguém – não por morte – ou de algo de considerável valor emocional e afetivo para nós. É sobre este sentimento, não ligado ao fim da vida, que vamos tecer alguns comentários a partir de agora.
O luto por perdas, excluindo a morte é muitas vezes subestimado, banalizado e visto como pura imaturidade. A compreensão que se tem sobre a dor vivida pela perda de uma pessoa é compartilhada por quase toda a humanidade. Todavia, esse entendimento raramente existe, ou não existe, quando se trata de outras perdas. Estas são vistas como passíveis de superação em pouco tempo, geralmente em poucos dias ou até horas.
Então, o que se pode dizer sobre o luto em qualquer de suas definições? Na verdade, o luto é um sentimento normal, e mais do que isso, é humano. Sofrer a dor do luto por uma perda, ainda que não seja a morte, que seja, por exemplo, a perda de um sonho que se desfaz, é perfeitamente normal. Mesmo que não goze do reconhecimento de um grande número de pessoas, a dor é real, existe e precisa ser compreendida e respeitada.
Muitas são as perdas que levam alguém a sofrer a reação de luto. O término de um relacionamento, desde um namoro sério até um casamento de muitos anos, não pode ser visto apenas como uma separação, mas como a perda da confiança e da segurança afetiva, da identidade histórica do casal, da família, da companhia de todo dia, dos planos imediatos ou futuros; um projeto de vida ou uma aspiração profissional que não deu certo como a perda de algo que existiu fortemente na esperança também não deve ser encarado como algo sem importância; a perda do emprego ou da posição social, como causa de grande frustração pessoal, fazendo cair por terra o futuro imaginado, a ascensão pessoal esperada também tem seu peso na vida de alguém; a perda de uma grande amizade, que muitas vezes era de longos anos e parecia tão consistente merece nossa compreensão da dor; a perda de um objeto de grande valor sentimental, que muitas vezes carrega lembranças da infância ou adolescência, ou reminiscências que remetem aos pais ou a um grande amigo ou amor que se foi, não é menos relevante; a falência empresarial ou a perda de patrimônio ou de grande soma em dinheiro, pondo em risco um futuro previsto como tranquilo e confortável, não pode ser desconsiderado.
Pode-se dizer que o luto também está presente diante de enfermidades que nos tragam limitações, assim como diante da velhice, uma vez que nesses casos sentimos a perda da mente que tínhamos, do corpo de que dispúnhamos, da vida que levávamos, pela saúde plena que perdemos, sofremos pelo que infelizmente se foi e que não mais retornará, sofremos por não sermos os mesmos de antes, por acharmos que não teremos mais uma vida normal.
O luto geralmente aparece no caso conhecido como “ninho vazio”, quando o filho sai de casa e, principalmente, quando é filho único, ou quando todos os filhos saem para viver suas próprias vidas. Toda e qualquer situação, que caracterize mudança, transição na vida de uma pessoa, por mais que pareça uma mudança para melhor, há frequentemente uma reação de luto por tudo aquilo que ficou para trás.
Não se fala aqui na perda por morte de um animal de estimação, porque cada vez mais nos tempos atuais é um luto tratado como se fosse a perda de um ser humano, membro da família, afinal de contas, é uma companhia diária, de apego mútuo.
O problema é que o luto não relacionado à morte, o qual estamos abordando, é um tipo de luto ainda banalizado e não reconhecido pela sociedade, mas dói, muitas vezes tanto quanto aquele motivado pela morte. As pessoas enlutadas vão ouvir frases como estas: você vai encontrar alguém que a valorize mais; os jornais estão cheios de anúncios de empregos e muito melhores do que o seu, eles é que estão perdendo por a terem demitido; se fosse caso de morte eu até entenderia mas por causa disso… dito isso como se não houvesse motivo ou espaço para sofrer e chorar, tampouco para receber o conforto dos outros.
Assim como no luto por morte, também nas perdas não relacionadas ao fim da vida, há tristeza, raiva, negação e sensação de vazio. A saudade da pessoa ou objeto perdido e a fragmentação da própria identidade são outros sintomas comuns nesses casos. Geralmente há muita dificuldade para encontrar um novo significado à vida.
A princípio o luto não é uma condição patológica a ser tratada, mas um processo a ser vivido. O conforto dos familiares e amigos certamente ajuda a processar a dor, mas para isso as pessoas precisam compreender a magnitude dela. É fundamental respeitar o sofrimento e o sofredor.
Se a reação de luto, porém, for de considerável intensidade e se estender por muitos meses, caracteriza-se aí o luto complicado ou patológico e este tem tratamento. É então que, com o luto em condição de doença, há necessidade de intervenção psicológica e/ou psiquiátrica. A busca de ajuda profissional nesses casos se torna importante e faz diferença.
Fonte: primeirapagina






