Em uma floresta úmida no sudeste do Peru, um guia percebeu algo estranho pendurado entre as folhas: uma aranha aparentemente enorme, imóvel, feita de pedaços de insetos e fios de seda.
Ao se aproximar, descobriu que não era um animal, mas uma escultura engenhosa. No centro dela, quase invisível, estava uma aranha real – tão pequena que caberia sobre a cabeça de um alfinete.
A cena, registrada pela primeira vez em 2012 e confirmada em expedições posteriores, deu origem a uma das descobertas mais curiosas da biologia recente.
Um estudo publicado na revista Ecology and Evolution documenta o comportamento de duas espécies de aranhas-tecelãs tropicais do gênero Cyclosa – Cyclosa longicauda, da Amazônia peruana, e Cyclosa inca, que também é nativa da região andina mas tem uma população nas Filipinas.
Essas aranhas constroem em suas teias estruturas que lembram o corpo de um aracnídeo de tamanho muito maior, com pernas alongadas feitas de seda e detritos, como fragmentos de folhas e restos de presas.
O teatro do engano
As estruturas, chamadas de estabilimentos, já eram observadas entre as aranhas-tecelãs: são faixas ou manchas de seda posicionadas no centro da teia, possivelmente com função de camuflagem, reforço estrutural ou atração de presas.
O novo estudo, porém, é o primeiro a registrar estabilimentos moldados na forma precisa de outra aranha, criando uma espécie de espantalho.
“Elas não apenas decoram suas teias – elas organizam meticulosamente detritos, carcaças de presas e seda em uma estrutura que não só é maior que seu próprio corpo, como também se assemelha claramente à silhueta de uma aranha maior e ameaçadora”, explicou em comunicado o biólogo George Olah, da Universidade Nacional da Austrália, autor principal do trabalho.
Segundo ele, as Cyclosa transformam suas teias em verdadeiros “teatros de engano”, com cenários tridimensionais feitos para ludibriar inimigos.
O comportamento foi observado tanto em florestas tropicais peruanas quanto nas Filipinas. As aranhas, com cerca de 2,5 milímetros de comprimento, posicionam-se bem no centro da estrutura, que chega a ser três vezes maior que seus corpos.
Quando ameaçadas, vibram o abdômen para dar à réplica uma aparência de movimento – o suficiente para convencer um predador visual, como um pássaro ou libélula, de que se trata de uma aranha muito maior e potencialmente perigosa.
Os primeiros registros desse comportamento ocorreram de forma casual. Em 2012, pesquisadores filmavam a fauna da Reserva Nacional de Tambopata, na Amazônia peruana, quando encontraram as teias decoradas.
Elas foram vistas novamente em 2014 e 2022, com documentação detalhada de 48 indivíduos, segundo o artigo. Nas Filipinas, estruturas semelhantes haviam sido vistas em 2012, nas encostas do Monte Kanlaon.
Durante as observações noturnas, os cientistas perceberam que as aranhas seguem uma rotina meticulosa de construção. Por volta das 23h, tecem a estrutura principal da teia; depois, recolhem restos de presas e detritos, que mastigam para moldar as pernas, que se articulam a partir de um núcleo central.
O processo completo dura cerca de 90 minutos, e costuma ser concluído antes do amanhecer – um horário estratégico, quando os predadores diurnos ainda não estão ativos.
“É possível que essas aranhas priorizem a construção do ‘espantalho’ durante a noite justamente porque ele é sua principal defesa”, observam os autores no estudo.
“Esse comportamento não é apenas uma observação biológica peculiar; ele ilustra uma compensação evolutiva fundamental”, afirmou Lawrence Reeves, coautor do estudo e pesquisador da Universidade da Flórida, em nota. “Ao contrário de muitas aranhas que constroem um refúgio físico para se esconder, essas espécies de Cyclosa parecem investir seu tempo e recursos na construção de uma defesa visual descartável.”
No Peru, os pesquisadores notaram que as aranhas “escultoras” convivem com espécies aparentadas que produzem estabilimentos mais simples – uma única linha de seda com poucos resíduos. Essa variação sugere estratégias distintas de sobrevivência. As construtoras das réplicas complexas parecem mais sedentárias, apostando em uma teia duradoura e bem protegida, enquanto as de decoração simples possivelmente mudam de local com mais frequência.
Os cientistas suspeitam que o comportamento tenha evoluído como resposta a predadores específicos. Na Amazônia, uma das maiores ameaças às Cyclosa são as libélulas da família Pseudostigmatidae, conhecidas como libélulas-helicóptero, que caçam aranhas pequenas diretamente em suas teias, e evitam indivíduos maiores.
Olah e Reeves propõem que a réplica em forma de aranha seja uma forma de mimetismo de tamanho, uma ilusão óptica que afasta esses caçadores especializados. Outras hipóteses apontam que as estruturas poderiam simular fezes de aves, um tipo de disfarce já observado em outras espécies do mesmo gênero e igualmente eficiente contra predadores visuais.
O estudo também reuniu evidências de que o fenômeno pode ser mais amplo. Estruturas semelhantes foram registradas em 2014 em Madagascar, durante as filmagens da série A Vida Secreta dos Animais, vencedora de prêmios Emmy. Isso sugere que o “teatro de engano” das Cyclosa pode ocorrer em várias regiões tropicais.
Com cerca de 180 espécies conhecidas, o gênero tem representantes em todos os continentes. Para os autores, entender por que apenas algumas desenvolveram o comportamento pode lançar luz sobre a evolução das defesas visuais nos invertebrados.
“É possível que uma seleção particularmente forte dentro desses dois grupos tenha resultado no desenvolvimento de uma defesa visual cada vez mais complexa”, disse Olah. Estudos futuros devem comparar as taxas de sobrevivência de aranhas com e sem as “aranhas de isca” para confirmar a hipótese.
Fonte: abril






