Existem muitas partes do nosso corpo que, ao longo dos milênios, foram perdendo seu papel. O dente do siso, por exemplo, era útil para mastigar alimentos duros — mas, com as técnicas de agricultura e a industrialização, as comidas ficaram mais macias e essa função se perdeu. Já o cóccix, que é uma aglomeração de cinco vértebras, é considerado um osso vestigial do que, em algum ponto da nossa evolução, foi uma cauda.
Um componente notável desse grupo é o músculo palmar longo (palmaris longus), um dos músculos flexores superficiais do antebraço. Esse músculo, em teoria, serve para ajudar na força do nosso agarrão. Na prática, porém, é outra história: os cientistas já observaram que remover esse músculo não causa nenhum prejuízo na força das mãos ou em qualquer outra função.
De fato, esse músculo é tão inútil hoje em dia que, pouco a pouco, está deixando de existir. Sua prevalência nos humanos varia bastante dependendo do lugar: na China, por exemplo, apenas 5% da população o possui, enquanto na Índia são 65%.
Pesquisas revelam que essas fortes variações não existem apenas na espécie humana, mas também em outros primatas como os chimpanzés (gênero Pan) e os gorilas (gênero Gorilla). Entre os orangotangos (gênero Pongo), porém, ele continua com uma forte presença. Qual a explicação? Segundo estudos, os orangotangos ainda possuem hábitos mais arbóreos, diferentemente das demais espécies citadas, que gostam de permanecer no solo. O palmaris longus tem exatamente essa função: ajudar na tração e sustentação do corpo pelos membros superiores. Portanto, nas espécies que ainda precisam dele, o músculo permaneceu.
Os cientistas acreditam que, devido a esse quadro, o palmaris longus pode estar passando por um caso de evolução não adaptativa. Na ciência, esse é o nome dado ao conjunto de mudanças evolutivas que ocorrem sem estarem diretamente relacionadas à seleção natural — ou seja, que não resultam de uma vantagem ou desvantagem na sobrevivência ou na reprodução dos indivíduos.
Essas mudanças acontecem por processos aleatórios e neutros, e não porque uma característica ajuda o organismo a se adaptar melhor ao ambiente. Mas essa evolução não adaptativa só vale para os hominídeos africanos, como o ser humano. Nos orangotangos, como dissemos, isso não ocorre, o que demonstra que o palmaris longus só perdeu a função para algumas espécies, não todas.
Eu ainda tenho?
Estima-se que, hoje, o palmaris longus esteja ausente em 22,4% da população humana, seja em ambos os braços ou apenas em um. Será que você ainda tem? É possível descobrir isso com um simples teste caseiro.
Estenda o braço e encoste a ponta do dedão junto ao dedo mínimo da mão. Em seguida, sem mudar a posição do braço, traga a mão em sua direção. Se você ainda tiver o palmaris longus, verá o músculo ficar proeminente no seu pulso, como neste vídeo:
Isso não significa, porém, que o palmaris longus esteja completamente obsoleto nos humanos. Muito pelo contrário: ele se tornou essencial em aplicações cirúrgicas, já que pode ser retirado do braço e usado em outros lugares. São três possíveis usos:
- Enxertos de tendão: O palmaris longus é usado para substituir ou reparar tendões rompidos, especialmente nos dedos, no punho e até em outras partes do corpo.
- Cirurgia plástica e reconstrutiva: Enxertos em reconstruções de lábio, orelha ou pálpebra. Suspensão do polegar ou reconstrução de ligamentos na mão.
- Microcirurgia e cirurgia de nervos: Envolvimento em reconstruções de nervos periféricos, servindo como material de suporte ou cobertura.
Fonte: abril






