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Infiltração de Facções Criminosas no Agronegócio Brasileiro: Impactos e Consequências

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Surgidas dentro de presídios, facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) passaram a dominar áreas urbanas e cada vez mais se expandem também para dentro das porteiras do agronegócio.

Utilizado inicialmente para lavagem de dinheiro e como rota para o contrabando de cigarros e bebidas e o tráfico de armas e drogas, o campo passou a se tornar também fonte de lucro para o crime organizado.

Investigações recentes de diferentes órgãos policiais têm revelado a atuação de membros das organizações criminosas na compra irregular de fazendas, na produção de etanol – incluindo o controle de canaviais e usinas sucroalcooleiras –, e no contrabando, roubo, furto e falsificação de insumos agrícolas.

Os esquemas incluem fraudes fiscais, sonegação de impostos, uso de laranjas e as ameaças e violência que caracterizam os grupos.

PCC atua no mercado ilegal de agrotóxicos

No mês passado, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Franca (SP) identificou laços do PCC com o mercado ilegal de agrotóxicos, com a distribuição de produtos irregulares para todo o território nacional e até para o exterior.

A relação da facção com o setor veio à tona a partir da Operação Castelo de Areia, que apurava diferentes crimes cometidos por integrantes da organização criminosa. Mensagens interceptadas entre membros do PCC apontaram a participação de um deles em atividades ligadas à falsificação dos agroquímicos.

As investigações revelaram uma estrutura criminosa complexa, composta por ao menos nove núcleos autônomos, que atuam na fabricação de embalagens falsas, emissão de notas fiscais frias, logística e comercialização digital dos produtos.

Análises químicas mostram que as fórmulas, em muitos casos, são uma mistura irregular de água, solventes, corantes e pequenas quantidades de princípios ativos, o que compromete a produtividade agrícola e aumenta o risco ambiental e à saúde dos trabalhadores.

Localizada no noroeste paulista, Franca tem uma economia fortemente baseada no agronegócio, principalmente em razão do cultivo de café e grãos, e é considerada área estratégica no esquema do PCC. Segundo o Gaeco, a cidade se tornou o principal polo de falsificação de agrotóxicos do país.

Em julho, mais de 30 mil embalagens que seriam utilizadas para falsificar agrotóxicos foram encontradas pelo órgão na cidade, em uma das maiores apreensões do tipo realizadas no estado de São Paulo. Os recipientes permitiriam a distribuição ilegal de 155 mil litros de defensivos químicos, o que poderia resultar um prejuízo superior a R$ 30 milhões no mercado formal.

Entre os itens recolhidos estavam 3.888 galões de dois litros, 9.339 galões de cinco litros, 4.830 galões de 10 litros, 2.130 galões de 20 litros, 17 mil tampas de galão, 10.164 garrafas de um litro, além de uma arma de fogo.

De acordo com o Ministério Público de São Paulo (MPSP), as apreensões ocorreram em quatro pontos da cidade. Em uma chácara, os agentes localizaram frascos, rótulos e tampas de produtos químicos que já estavam separados, embalados e prontos para serem vendidos ilegalmente. Foram encontradas ainda matrizes utilizadas para imprimir a marca nos recipientes.

“Já sofremos há bastante tempo com esse mercado ilícito, que é fundamentalmente explorado por um crime organizado”, diz Nilto Mendes, gerente de Combate a Produtos Ilegais na CropLife Brasil, associação que reúne empresas de diferentes segmentos do agro que trabalham com pesquisa, desenvolvimento e inovação.

“Mas não tínhamos notícia de envolvimento de facções”, conta. “A gente tinha uma desconfiança, mas ainda não havia informações concretas dessa participação.”

Estimativas do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras (Idesf) indicam que até 25% do mercado de defensivos químicos no país tem origem ilegal, gerando um prejuízo de cerca de R$ 28 bilhões anuais. Nessa conta estão incluídos produtos oriundos de contrabando, falsificação, adulteração, desvio de finalidade, importações fraudulentas e roubo e furto de compostos legítimos.

A falsificação de agrotóxicos consiste na fabricação de um produto diverso do alegado, enquanto na adulteração utiliza-se o princípio ativo de um produto legítimo, às vezes vencido ou roubado, e adiciona-se solventes, corantes e água para multiplicar seu volume em até 20 vezes.

Cerca de metade do mercado ilegal é composta de produtos contrabandeados, com princípios proibidos no Brasil. “O crime advém do fato de países vizinhos comercializarem de maneira legal produtos que se tornam ilegais no momento em que atravessam a fronteira”, explica o gerente da Croplife.

“A gente percebe que o crime organizado está explorando rotas que já serviam para o contrabando de cigarro, bebidas, armas e drogas”, conta ele. “Não é à toa que nos últimos meses a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal e a polícia de alguns estados fronteiriços têm apreendido cargas de outros produtos ilícitos junto com agrotóxico, como cigarros, drogas e todo tipo de item que possa ter uma exploração no contrabando.”

No dia 2, uma operação integrada entre o Comando de Operações de Divisas (COD) da Polícia Militar de Goiás e a Alfândega da Receita Federal de Foz do Iguaçu (PR) encontrou 32 toneladas de agrotóxicos ilegais com origem na China e no Paraguai. Foi a maior apreensão do tipo realizada no país este ano.

Para se ter uma ideia, ao longo de todo o ano de 2024, a Polícia Rodoviária do Paraná (PRF) apreendeu 3,57 toneladas de defensivos agrícolas irregulares.

A substância química ilícita mais apreendida é o Paraquat, herbicida altamente perigoso para os humanos e banido do Brasil desde 2020 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas que é permitido no Paraguai.

“Temos também o contrabando de produtos que no Brasil tem registro para utilização, porém em concentração até 40 vezes inferior à concentração fabricada nos países vizinhos. É o caso de inseticidas produzidos no Paraguai, por exemplo”, explica Mendes.

Roubos e furtos de agroquímicos também preocupam todas as cadeias do setor, na medida em que atingem fábricas, distribuidoras, revendas, armazéns, produtores rurais e cargas em rodovias.

Indícios apontam participação de facções em roubos de defensivos desde 2016

Há indícios da participação do PCC também em casos de roubos de agrotóxicos. O primeiro deles data de 2016, quando uma operação policial em Ribeirão Preto (SP) resultou na prisão de seis pessoas, entre elas um acusado de liderar a facção na região.

Em 2019, o delegado Flávio Henrique Stringueta, da Polícia Civil do Mato Grosso, disse à BBC News Brasil acreditar que o CV também estaria envolvido com a atividade. A reportagem falava sobre o aumento no caso de roubos de defensivos agrícolas, que podiam ser repassados a fazendeiros por meio de intermediários, ou adulterados para ampliar os lucros das quadrilhas.

As investigações apontavam que ex-assaltantes de bancos e membros do PCC e do CV estariam migrando para a atividade em razão do alto valor dos produtos e da menor presença policial em áreas rurais. Até mesmo drones já eram utilizados para a localização dos insumos nas fazendas.

Para Mendes, há uma deficiência na capacitação de fiscais agropecuários, ambientais e policiais de um modo geral para identificar práticas ilícitas no campo, como a falsificação de agrotóxicos.

Para suprir essa carência de qualificação, a Croplife, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) oferece um programa gratuito de formação no combate aos mercados ilícitos de insumos agrícolas.

O curso de extensão, que ocorre semestralmente, conta com apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e é voltado à formação profissional continuada a agentes de segurança pública e privada brasileiros e latino-americanos que atuam em regiões de produção, circulação e comercialização de insumos agrícolas.

Operação Carbono Oculto revelou fazendas e usinas sucroalcooleiras nas mãos do PCC

Outra participação direta do PCC no setor agrícola veio à público em agosto, por meio da Operação Carbono Oculto, deflagrada pela Receita Federal, MPSP, Ministério Público Federal, polícias Civil e Militar, Secretaria da Fazenda e Planejamento de São Paulo, Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo.

A operação, que revelou a participação do PCC em um esquema bilionário de distribuição e adulteração de combustíveis, mostrou que a facção controlava parte do setor sucroalcooleiro paulista. De acordo com as investigações, quatro usinas produtoras de etanol de cana-de-açúcar estavam sob o controle do crime organizado, e outras duas, em processo de aquisição.

A facção ainda detinha, por meio de fundos de investimento, seis fazendas no interior de São Paulo, avaliadas em R$ 31 milhões, e uma frota de 1,6 mil caminhões para o transporte de combustíveis adulterados e recursos ilícitos.

Andrea Costa Chaves, subsecretária da Receita, afirmou, em entrevista coletiva, que o crime organizado “invadiu a economia real, da importação à produção, distribuição e comercialização, até o consumidor final, usando inclusive fundos de investimento e fintechs para ocultar patrimônio”.

“A Receita identificou que os fundos fechados com únicos cotistas, geralmente criando várias camadas, tinham bens adquiridos como um terminal portuário, quatro usinas produtoras de álcool, mais participação em duas. Ou seja, estamos falando da economia real. Espaço que deixa de ser ocupado por empresários legítimos que realmente querem empreender no Brasil”, disse Andrea.

Ao mesmo tempo em que lavava o dinheiro do crime, segundo apuraram o MPSP e a Polícia Federal, a facção acumulava lucros da cadeia produtiva, com sonegação fiscal e aquisições irregulares — os investigados simulavam a compra de terras e usinas, mas não pagavam os fazendeiros empresários, que eram ameaçados de morte caso cobrassem.

Facção teria ordenado incêndios criminosos em canaviais no ano passado

Com as revelações, surgiu ainda a suspeita de que a onda de incêndios que atingiu centenas de propriedades e destruiu pelo menos 80 mil hectares de canaviais em 2024 tenha ocorrido a mando do PCC. As queimadas seriam uma forma de pressionar produtores a se desfazerem de suas propriedades.

O prejuízo total foi estimado pelo governo paulista em R$ 1 bilhão. Além disso, 66 pessoas ficaram feridas com as queimadas e duas morreram.

A região de Ribeirão Preto, referência mundial no setor sucroalcooleiro, foi a mais afetada durante a onda de incêndios. O município paulista é considerado capital nacional do agronegócio e sedia anualmente a maior feira do setor na América Latina, a Agrishow.

Um homem preso na época com um galão de gasolina em Batatais, na região metropolitana de Ribeirão Preto, disse a policiais militares, no momento do flagrante, que ateou fogo no local por ordem do PCC. O relato consta do boletim de ocorrência que registra a prisão de Alessandro Arantes, de 42 anos, no dia 24 de agosto de 2024.

Procurada, a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) reiterou, por meio de nota, que apoia de forma irrestrita as autoridades responsáveis pela Operação Carbono Oculto.

Em conjunto com a Bioenergia Brasil, o Instituto Combustível Legal (ICL) e o Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), a entidade afirmou ainda “seu compromisso com a ética empresarial e com a colaboração permanente com o poder público, na construção de um mercado cada vez mais justo e competitivo”.

“O combate às práticas ilícitas é fundamental para proteger consumidores, garantir a arrecadação de tributos, fortalecer a confiança dos investidores e assegurar um ambiente de negócios transparente, que valorize empresas idôneas e inovadoras”, diz o texto.

Agro é usado para lavagem de dinheiro do crime organizado há décadas

A estratégia de usar o agronegócio para lavagem de dinheiro do crime organizado não é recente. Duas décadas atrás, o então juiz federal Odilon de Oliveira já denunciava, em reportagem publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, um esquema que chamava de “vaca de papel”, baseado na compra e venda fictícias de gado para ocultar a movimentação financeira do tráfico de drogas.

À frente da 3.ª Vara Federal de Campo Grande até sua aposentadoria, em 2017, Oliveira condenou pelo menos 114 traficantes internacionais de drogas, entre eles Fernandinho Beira-Mar, uma das principais lideranças do CV, em julgamento ocorrido em novembro de 2014.

Em 2008, o então magistrado determinou o confisco de 85 fazendas no Mato Grosso do Sul, com área total de 368 mil hectares, pertencentes a acusados de integrar quadrilhas especializadas em lavagem de dinheiro.

“A lavagem de dinheiro acontece na economia daquela base territorial onde atua a malandragem”, disse, na época, ao site Repórter Brasil, ao qual afirmou ainda que o agronegócio já era “um dos destinos preferenciais das remessas polpudas do crime organizado”.

A atuação de Oliveira contra organizações criminosas na fronteira do Brasil com o Paraguai o tornou alvo de ameaças de morte de diversos grupos criminosos, incluindo o PCC e o CV. Durante 20 anos, ele viveu sob escolta de policiais federais e hoje luta para retomar a proteção, retirada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) após sua aposentadoria.

De forma indireta, o agronegócio também têm sido alvo de facções menores, com atuação regional. Em julho, o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Tocantins (MPTO) apresentou denúncia contra 17 pessoas vinculadas ao grupo criminoso Amigos do Estado, que tem origem em Goiás, mas já atua em Tocantins, Goiás, Bahia, Pará e outros estados.

Nas investigações, foi apurado que o grupo utilizava pistas de pouso localizadas em duas fazendas, nas cidades de Formoso do Araguaia e Almas, como ponto de rota para o tráfico de drogas.

No ano de 2021, a Operação Hórus, que integra o Programa Nacional de Segurança nas Fronteiras e Divisas (Vigia), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), com a participação das polícias Rodoviária Federal (PRF), Militar (PM) e Civil, apreendeu 15 toneladas de agrotóxicos ilegais no Tocantins.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicado no ano passado destaca a atuação no estado de facções como Bonde dos 13, Comando Classe A e Amigos do Estado, além do PCC e do CV e a expansão agropecuária no Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) como pano de fundo para o aumento de conflitos violentos na região.

Bancada do agro apresenta pacote para aumentar segurança no campo

Na última terça-feira (4), a reunião-almoço da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) teve como tema o chamado pacote de segurança no campo, um conjunto de propostas legislativas voltadas a ampliar a proteção da população rural e combater o avanço do crime organizado e das facções no interior.

“A segurança no campo é prioridade para nós e condição para a estabilidade da economia no agro. O meio rural se tornou estratégico para as facções, infelizmente. Para enfrentar essa realidade, a FPA está estruturada em três pilares: prevenção, controle e punição”, disse o presidente da bancada, deputado Pedro Lupion (PP-PR).

Entre as propostas do pacote estão o projeto de lei (PL) 464/2023, que cria delegacias especializadas em crimes rurais, o PL 467/2025, que institui o Programa Nacional de Segurança no Campo, e o PL 709/2023, já aprovado na Câmara, que impede o acesso a benefícios públicos por pessoas condenadas por invasão de propriedades.

O deputado José Medeiros (PL-MT) contou receber reclamações de produtores do Mato Grosso, que dizem ter sido visitado por organizações criminosas que cobram taxas e fazem ameaças.

O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite, esteve presente no encontro e apresentou políticas adotadas no estado para combater o crime no meio rural, destacando a integração entre segurança pública, tecnologia e inteligência.

Entre as principais iniciativas está a criação dos Grupos de Investigação em Áreas Rurais (Giares) nas seccionais do estado, com policiais civis especializados no combate a furtos de gado, maquinário e insumos agrícolas, e a Operação Safra Segura, criada a partir da demanda de cafeicultores da região de Franca (SP) e hoje presente de forma permanente em todo o território paulista.

Derrite citou ainda a Operação Carbono Oculto. “Esse caso mostra como o crime organizado tenta se infiltrar em setores produtivos, inclusive no agro, causando prejuízos bilionários e ameaçando a estabilidade econômica. Nosso papel é impedir que o dinheiro do crime circule travestido de atividade lícita”, afirmou Derrite.

Importância econômica do agronegócio atrai facções criminosas

Para Nilto Mendes, da Croplife, a importância econômica do agronegócio brasileiro, um dos mais pujantes do mundo, é o que atrai a atenção das facções criminosas. “A produção do agro brasileiro representa aproximadamente 25% do PIB brasileiro, e onde tem essa riqueza tem muito a ser explorado”, diz.

Além disso, a grande extensão de terras e de áreas de fronteira e uma vulnerabilidade do ponto de vista regulatório são características do setor que o tornam alvo do crime organizado, em sua avaliação.

“Nós temos demanda por insumos agrícolas em praticamente todos os estados brasileiros e não temos uma estrutura de fiscalização e de repressão que dê conta”, diz Mendes.

Na semana passada, uma operação da Polícia Civil do Piauí revelou a participação do PCC na distribuição e revenda de combustíveis no estado e nos vizinhos Maranhão e Piauí. Uma declaração do secretário de Segurança Pública piauiense, Chico Lucas, nesta semana, resume o processo de entrada das facções em segmentos do agro:

“Eles perceberam que a atividade usada para lavar o dinheiro também podia ser lucrativa, desde que fossem feitos alguns ajustes ilegais como, por exemplo, sonegar impostos”, disse Lucas em entrevista coletiva.

“Se o sujeito trafica droga, adulterar combustível não é nada. Então, a lavagem virou também um negócio lucrativo, com fraude fiscal, sonegação e concorrência desleal.”

Fonte: gazetadopovo

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