A análise, que cobre o período de janeiro de 2024 a julho de 2025, identificou 185 aproveitamentos hidrelétricos na bacia — 48% deles CGHs e 39% PCHs (Pequenas Centrais Hidrelétricas). Apesar de menores em porte, esses projetos representam riscos significativos para os ecossistemas e comunidades locais. Cerca de 66% ainda estão em fase de planejamento, indicando que o ritmo de expansão tende a continuar.
Segundo o estudo, o crescimento das CGHs está diretamente ligado à flexibilização regulatória promovida pela Aneel em 2020, que dispensou os empreendimentos de realizar o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). No lugar, passou a ser exigido apenas o Relatório Ambiental Simplificado (RAS), considerado insuficiente para avaliar os impactos em áreas sensíveis.
“O relatório mostra a celeridade preocupante no licenciamento de CGHs. Por exemplo, as usinas Janeque e Santa Cândida, na sub-bacia do Papagaio, obtiveram licenças prévia e de instalação em intervalos extremamente curtos”, destacou o indigenista e geógrafo Cristian Felipe Rodrigues Pereira.
A advogada Mariana Lacerda acrescenta que a pressa no processo “compromete o direito à consulta prévia, livre e informada das comunidades indígenas”, garantido pela Convenção 169 da OIT. Segundo ela, os prazos e procedimentos atuais não respeitam o tempo necessário para as deliberações coletivas dos povos afetados.
O levantamento aponta a sub-bacia do Papagaio como a mais crítica, com 42 empreendimentos em planejamento e concentração de PCHs em sequência ao longo do rio Sacre. Essa configuração em cascata ameaça a conectividade dos rios e a migração de peixes, afetando diretamente a subsistência e a cultura dos povos indígenas que dependem desses recursos.
Outro caso emblemático é o da PCH Cristalina, no rio Juruena, dispensada de EIA/RIMA mesmo em uma área onde já existem outros 20 projetos hidrelétricos. A ausência de uma análise integrada ignora os efeitos cumulativos e sinérgicos sobre o ambiente.
Os Enawene Nawe são um dos povos mais afetados. A escassez de peixes — resultado da fragmentação dos rios — compromete não só a alimentação, mas também o ritual Yaõkwa, reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro pelo Iphan e pela Unesco. O cerimonial, que dura cerca de sete meses, depende da pesca coletiva e da oferta de espécies migratórias.
“Diante da falta de peixe, os Enawene Nawe têm sido obrigados a comprar pescado de tanques e represas para manter o ritual. Isso mostra não apenas os danos ambientais, mas também a ineficiência das medidas de compensação cultural frente ao impacto dos grandes empreendimentos”, afirma o indigenista Ricardo Carvalho.
O estudo utilizou dados da Aneel, Diários Oficiais, Simlam e Geoportal de Mato Grosso para mapear os empreendimentos por sub-bacia. Os resultados indicam uma pressão crescente sobre as terras indígenas, impulsionada por um modelo de licenciamento rápido e pela falta de estudos aprofundados.
A OPAN alerta que os impactos cumulativos já são visíveis, com redução da superfície de água e aumento das áreas irrigadas. Para reverter o quadro, o relatório recomenda medidas como a Avaliação Ambiental Integrada (AAI), o fortalecimento dos Comitês de Bacia Hidrográfica (CBHs) e a elaboração de um Plano de Recursos Hídricos específico para o rio Juruena.
Fonte: Olhar Direto