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SAÚDE

Guia completo: Teste de detecção de metanol em bebidas alcoólicas

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Até a manhã deste sábado (03), o Brasil já registra 127 casos notificados de intoxicação por metanol em bebidas alcoólicas em 12 estados. Dentre esses, apenas 11 casos já foram confirmados por exames laboratoriais. Ao menos cinco pessoas já morreram em decorrência de complicações da intoxicação.

A presença de metanol em bebidas não é necessariamente criminosa: no processo de fermentação de vegetais, pequenas quantidades podem surgir naturalmente, mas em níveis residuais e seguros. O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) permite até 200 mg de metanol por litro de álcool puro. Mesmo bebidas fortes como a cachaça não chegam nem perto de ser álcool puro: a concentração costuma variar entre 38% e 54%. 

Segundo o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, a quantidade permitida de metanol em um destilado é de aproximadamente 0,25 ml da substância a cada 100 ml de bebida destilada. Para provocar a morte, entretanto, é preciso de 1 ml de metanol por quilo – ou seja, uma pessoa de 70 quilos teria de consumir 70 ml.

A diferença é tão grande que praticamente elimina a possibilidade de este metanol que está causando as intoxicações ter sido produzido naturalmente. As ocorrências envolveram bares e vítimas de diferentes perfis, e a principal suspeita é que o surto atual esteja ligado à falsificação de bebidas. 

Como ainda não há clareza sobre quais as bebidas contaminadas, o conselho geral é evitar bebidas destiladas de origem duvidosa ou muito baratas, checar rótulos e selos de certificação das garrafas. É um momento conveniente para repensar o consumo de álcool, mas é impossível impedir as pessoas de beberem. 

Por isso, o Ministério da Saúde corre para adquirir antídotos e reforçar protocolos de atendimento e notificação, e pesquisadores tentam viabilizar ferramentas de testagem para detecção de metanol. A boa notícia é que a tecnologia já existe, tanto em pesquisas científicas quanto em uma patente da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de 2022, que nunca chegou a ser produzida comercialmente.

“A patente está disponível há três anos para que alguma empresa produza um kit analítico e o venda. A demora acontece porque o controle de metanol em bebidas estava sendo negligenciado, até acontecer uma catástrofe de nível nacional como a de agora”, disse, ao g1, a química Larissa Alves de Mello Modesto, que desenvolveu a pesquisa em 2022.

No laboratório Reaja, que produz reagentes para testes colorimétricos de substâncias, os químicos James Kava e Fabiano Soares estudam formas de transformar o teste em um produto comercial.

Os testes colorimétricos servem para apontar a presença de algum componente específico, sem indicar quantidades ou composição. Um exemplo famoso é o reagente de Scott, que fica azul na presença de cocaína –  e aparece muito nos programas de flagrantes em aeroportos. 

 A ideia seria que os donos de bares e restaurantes pudessem testar suas bebidas com autonomia e praticidade.

A química do teste de detecção do metanol

O teste precisa passar por três etapas e, ao final de alguns minutos, a cor violeta indica a presença do metanol na bebida. Relembre as aulas de química orgânica do ensino médio e confira abaixo as etapas da testagem em laboratório.

1) Primeiro, separa-se a amostra a ser analisada. É preciso diluir a bebida original, para que o teste não aponte a presença de quantidades de metanol permitidas pela lei.

2) Adiciona-se o sal permanganato de potássio (KMnO₄), que oxida o metanol (CH₃OH) e o transforma em metanal (HCHO) – também conhecido como formaldeído, ou formol. Nesse processo, a molécula do metanol perde dois átomos de hidrogênio. Agora ela não é mais um álcool, e sim um aldeído.

3) O manganês presente no permanganato, tem um tom violeta forte que confunde a análise. Agora é hora de clarificar a mistura: o bissulfito de sódio (NaHSO₃) é adicionado e reduz o Mn⁷⁺ a Mn²⁺, que é incolor.

4) Com a mistura transparente de novo, adiciona-se o ácido cromotrópico, um reagente muito sensível ao formaldeído. Quando eles se encontram, a mistura ganha um tom roxo, cuja intensidade varia de acordo com a quantidade de formaldeído – e, consequentemente, de metanol. Se não houver metanol na bebida original, não se forma formaldeído, e a coloração final permanece inalterada. 

Uma das principais limitações do teste é a composição das bebidas. A reação funciona perfeitamente com o álcool puro, mas pode ser influenciada por outros ingredientes. Até mesmo corantes podem atrapalhar a visualização da reação, mascarando a mudança de cor. 

“Quando a gente prepara solução de álcool simulando uma cachaça no laboratório e adiciona o metanol, [a reação de detecção] funciona perfeitamente, os resultados são lindos”, diz Soares. “Mas a gente sabe que a cachaça que chega pro consumidor não é apenas água e álcool misturados, tem outros compostos que dão aroma e certas características. E, querendo ou não, isso acaba afetando o resultado.”

Além de ajustar o processo, a dupla também estuda como tornar a experiência dos usuários mais intuitivas, para que o teste possa ser executado por qualquer pessoa, com o mínimo de treinamento e sem conhecimentos específicos de química. 

“O nosso passo agora é pensar num modelo mínimo de produto para que ele possa ser comercializado”, diz Kava.

Redução de danos no caso do metanol

Testes como esse são parte das medidas de redução de danos do uso de substâncias ilícitas ou não reguladas. Por virem do mercado clandestino, drogas ilícitas e anabolizantes, por exemplo, podem ser adulteradas com contaminantes perigosos. 

As políticas de redução de danos partem do pressuposto que, se as pessoas irão usar substâncias nocivas, é melhor que o façam com mais segurança e cuidado. As medidas buscam diminuir os impactos sociais e na saúde, em vez de focar na criminalização.

Em alguns países, como na Suíça, Portugal, Espanha e Holanda, é possível levar a sua própria substância para ser testada gratuitamente em locais designados. No Brasil, esse tipo de política é sempre polêmica. Não é à toa que a política de redução de danos do país fica na última posição entre os 30 países analisados pela organização internacional Harm Reduction Consortium.

Agora, os casos de intoxicação por metanol trazem à tona a necessidade das práticas de redução de danos: não dá para impedir todos os brasileiros de beberem. Segundo a OMS,somos o 24º país que mais consome álcool no mundo. Enquanto as investigações não desvendam a origem da contaminação, o jeito é investir em testagem, antídotos e conscientização sobre formas de minimizar riscos no consumo.

Fonte: abril

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