Direto De Brasilia

Congresso aprova kit reeleição para Lula: quem pagará a conta será o eleitor

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O Congresso está aprovando uma série de medidas que possibilitam ampliação bilionária dos gastos do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Programas sociais, flexibilizações fiscais e outras iniciativas em análise funcionam como um “kit reeleição” para o petista.

A operação, que mira tanto a base de eleitores de baixa renda quanto a classe média, pressiona as já frágeis contas públicas e acende um alerta sobre as consequências do aumento de gastos do governo, como a manutenção de juros elevados e a aceleração da dívida, cujo preço final será pago por todos os contribuintes.

A conta já tem destinatário: o eleitor, que irá pagar com mais juros, inflação e impostos numa economia já pressionada pela maior carga tributária desde 2010 — atualmente em 32,3% do PIB, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional.

As medidas vão aquecer artificialmente a economia no momento em que o Banco Central (BC) mantém a taxa Selic em 15% ao ano — maior nível desde 2006 — para controlar a inflação.

E tão cedo as taxas não devem cair. O Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) disse na ata publicada nesta terça (23) que segue atento aos desenvolvimentos da política fiscal doméstica que afetam a política monetária e os ativos financeiros. Foi um reforço na postura de cautela em um cenário de maior incerteza.

O “kit reeleição” também vem em um momento em que a popularidade de Lula está estagnada. Pesquisa da Genial Investimentos/Quaest divulgada no dia 17 mostra Lula com 46% de aprovação e 51% de desaprovação.

As frentes do “kit reeleição”: como o governo busca votos em diferentes camadas sociais

Três frentes são bem claras na estratégia do governo para garantir o “kit reeleição” com ajuda do Congresso: 

  • programas sociais em expansão para garantir votos da população de baixa renda;
  • mudanças tributárias que redistribuem renda de forma politicamente conveniente, beneficiando também a classe média, um grupo onde Lula não tem muita popularidade; e 
  • flexibilizações fiscais que criam espaço orçamentário para financiar toda a operação.

Primeira frente: programas sociais garantem base eleitoral popular

A primeira frente concentra-se na população de baixa renda, segmento onde a aprovação de Lula é historicamente mais sólida. O investimento é pesado: R$ 192,5 bilhões anuais distribuídos entre Bolsa Família, Pé-de-Meia e benefícios complementares.

Bolsa Família: de complemento a alternativa ao trabalho

O programa foi reinventado em 2023 como o maior instrumento de transferência de renda da história recente do Brasil. Conforme dados do Ministério do Desenvolvimento Social, em setembro são distribuídos R$ 12 bilhões para 18,1 milhões de domicílios, com valor médio de R$ 682,20 por família.

Para dimensionar o impacto: em 2019, eram 14 milhões de famílias recebendo em média R$ 190 — hoje equivalente a cerca de R$ 280 corrigidos pela inflação. O orçamento anual disparou de R$ 35 bilhões para R$ 170 bilhões, com crescimento de quase 400%, muito acima da inflação do período.

A arquitetura atual revela sofisticação política. Tem piso de R$ 600 por família — 43% do salário mínimo atual — mais R$ 150 para cada criança até seis anos, R$ 50 para crianças e jovens entre 7 e 18 anos, e R$ 50 adicional por gestante.

A estrutura escalonada garante que famílias maiores recebam valores ainda mais significativos. Isso cria incentivo eleitoral nas regiões com tradicionalmente mais filhos por família.

Pesquisas revelam efeito colateral preocupante. Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), descobriu que “para cada duas famílias que recebem o Bolsa Família, uma sai da força de trabalho”. O programa não apenas transfere renda; também desestimula o trabalho formal. Cria dependência politicamente conveniente no curto prazo, mas economicamente problemática no longo prazo.

O benefício médio atual corresponde a 35% da renda mediana do trabalho no Brasil — mais de um terço do que ganha quem trabalha —, comparado aos 15% de antes da pandemia. A proporção transformou o Bolsa Família de complemento de renda em alternativa real ao trabalho. O impacto é maior entre jovens de 14 a 30 anos, no Norte e Nordeste. Eles perdem oportunidades de desenvolvimento profissional e experiência de trabalho.

Fernando de Holanda Barbosa Filho, também do FGV Ibre, observa que o atual Bolsa Família é “muito diferente do original”. As discussões sobre seus efeitos no mercado de trabalho voltaram ao centro do debate acadêmico.

Pé-de-Meia mira futuros eleitores

Complementando a estratégia para famílias pobres, o governo criou o Pé-de-Meia com clara vocação eleitoral de longo prazo. Lançado em 2024, o programa se destina a estudantes do ensino médio público beneficiários do CadÚnico para promover permanência e conclusão escolar.

Oferece parcelas mensais de R$ 200 — equivalente a 14% do salário mínimo — para estudantes que permaneçam na escola, R$ 1 mil ao fim de cada ano letivo concluído e R$ 200 adicionais para participantes do Enem. Um jovem que complete todo o ensino médio pode acumular R$ 9,2 mil — quase sete salários mínimos.

Segundo o Ministério da Educação, no fim do ano passado o Pé-de-Meia já beneficiava 4 milhões de estudantes, com investimento anual de R$ 12,5 bilhões. São potenciais novos eleitores em 2026, criando base eleitoral diretamente beneficiada pelas políticas do atual governo.

Benefícios complementares: tarifa zero na energia e vale-gás

A estratégia social se expande para benefícios cotidianos que impactam o orçamento familiar, como luz elétrica e gás de cozinha.

Câmara e Senado aprovaram no dia 17 medida provisória que amplia o alcance da tarifa social de energia. A nova regra concede tarifa zero para consumo de até 80 kWh mensais — suficiente para geladeira, algumas lâmpadas e TV —, atendendo 11,5 milhões de consumidores de baixa renda. Isso representa cerca de 15% de todos os consumidores residenciais do país.

O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) questiona a medida. Alega que onera classe média e pequenos empresários através de subsídios cruzados — quando outros consumidores pagam mais caro para compensar a tarifa zero dos beneficiários.

Outro programa é o vale-gás, conhecido como “Gás do Povo”, para subsidiar o botijão de 13kg para famílias cadastradas no CadÚnico. Com o gás custando em média R$ 110, o subsídio representa economia significativa no orçamento doméstico.

Essa primeira frente consome a maior parcela do “kit reeleição”. Mas o governo sabe que conquistar apenas os mais pobres não garante vitória nas urnas. É preciso expandir o apelo para além dessa base tradicional.

Segunda frente: classe média na mira com facilidades na habitação e alívio no Imposto de Renda

É aqui que entra a segunda frente. O governo reconhece que a base popular não é suficiente para garantir a reeleição. Desenvolve medidas para a classe média, segmento onde sua aprovação é frágil, de apenas 37% entre quem ganha mais de cinco salários mínimos. A estratégia para esse público é diferente. Em vez de transferência direta, o foco são facilidades habitacionais e redução tributária — temas que historicamente mobilizam esse eleitorado.

Minha Casa, Minha Vida alcança renda de R$ 12 mil

O programa habitacional foi estrategicamente ampliado para famílias com renda até R$ 12 mil mensais — cerca de 8,5 salários mínimos. Inclui parcela significativa da classe média baixa. Podem comprar imóveis de até R$ 500 mil com prazo de até 35 anos e juros subsidiados de até 10% ao ano.

Para contextualizar a vantagem: enquanto o financiamento convencional opera com juros de 12% a 14% ao ano, o programa oferece condições muito mais atraentes.

Eduarda Tolentino, CEO da construtora mineira BRZ Empreendimentos, diz que a medida pretende reposicionar a classe média como protagonista da próxima onda de crescimento habitacional. “A classe média brasileira, sufocada pela alta dos juros e preços, encontrava-se sem espaço”, afirma Tolentino. “Não se encaixava nas faixas subsidiadas nem tinha fôlego para o crédito tradicional.”

Desenrola e consignado tentam melhorar situação financeira da classe média

Outras duas medidas que o governo institituiu para tentar conquistar a classe média e aliviar a situação financeira dela foram o Desenrola e a flexibilização mas regras para concessão do crédito consignado em folha de pagamento para os trabalhadores da iniciativa privada.

Lançado em julho de 2023 para facilitar a renegociação de dívidas, o Desenrola não surtiu efeitos. Um dos problemas foi a necessidade de o BC manter as taxas de juros em níveis elevados. Segundo a Setasa Experian, naquele mês 44,6% da população brasileira estava inadimplente. Dois anos depois o índice estava maior, em 47,9%.

Além de facilitar a negociação das dívidas com juros menores, o objetivo da flexibilização das regras do consignado é o de estimular o consumo. A expectativa é a de injetar R$ 70 bilhões na economia até o ano que vem.

Isenção do IR: o carro-chefe eleitoral

A peça central para conquistar a classe média é a isenção do Imposto de Renda para trabalhadores que ganham até R$ 5 mil mensais — cerca de 16 milhões de contribuintes. A promessa, feita na campanha de 2022 e formalizada como prioridade em novembro de 2024, é considerada essencial para a reeleição.

Para dimensionar o benefício: quem ganha R$ 5 mil hoje paga cerca de R$ 505 mensais de IR. Com a isenção, pouparia R$ 6.060 por ano — quase quatro salários mínimos.

O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que pretende votar na próxima semana a proposta. O relator Arthur Lira (PP-AL) está discutindo o texto com líderes partidários.

A perda de arrecadação estimada é de R$ 31,3 bilhões apenas em 2026 — cerca de 0,3% do PIB. O governo optou não por cortar gastos, mas compensar a perda tributando “super-ricos” – quem ganha a partir de R$ 50 mil mensais, cerca de 0,1% da população economicamente ativa – e cobrando lucros e dividendos enviados ao exterior, gerando R$ 34,1 bilhões em 2026.

O governo complementou a arrecadação com outras medidas pontuais que, somadas, representam bilhões adicionais.

A taxação de offshores em 15% deve render mais de R$ 20 bilhões em 2025. A tributação das “bets” deve gerar R$ 1,6 bilhão anuais. Até “comprinhas” internacionais de até US$ 50 foram taxadas em 20%.

Com as duas primeiras frentes desenhadas para atrair pobres e classe média, restava um problema crucial: onde encontrar recursos para bancar essa generosidade. A resposta veio na forma de engenharia fiscal complexa, mas politicamente conveniente.

Terceira frente: a engenharia fiscal que burla as regras para financiar a expansão dos gastos do governo

É nesta terceira frente que a estratégia revela sua face mais sofisticada. Para financiar as frentes anteriores, que somam mais de R$ 200 bilhões anuais, o governo desenvolveu engenharia de flexibilização fiscal que contorna limites legais sem tecnicamente “quebrá-los”.

A lógica é simples na teoria, complexa na execução: modificar sistematicamente regras orçamentárias e criar brechas para gastos adicionais. Assim, o governo consegue aumentar drasticamente suas despesas sem aparecer como irresponsável fiscal — pelo menos no papel.

PEC dos Precatórios: a peça-chave da estratégia

A PEC dos Precatórios (PEC 66/23), promulgada no dia 9, representa a principal ferramenta dessa terceira frente. Precatórios são dívidas resultantes de disputas que o governo perdeu na Justiça e é obrigado a pagar — indenizações trabalhistas, desapropriações ou cobranças tributárias indevidas, entre outras.

A PEC estabelece limites anuais para pagamentos de estados e municípios, criando mecanismo para adiar o cumprimento dessas obrigações. O governo federal é beneficiado pela exclusão das despesas com precatórios do limite de gastos do arcabouço fiscal.

Além disso, tais gastos não serão contabilizados para a meta de resultado primário de 2026, e nos anos seguintes serão reincorporados à meta aos poucos, à razão de 10% ao ano. Além disso, haverá redução nos juros dos precatórios – em vez da Selic, eles passam a ser corrigidos por IPCA mais 2%, vantagem também concedida aos governos regionais.

O efeito imediato é a liberação de R$ 12,4 bilhões adicionais para gastar em 2026. São recursos que deveriam quitar dívidas judiciais, mas poderão ser direcionados para programas eleitorais.

Cálculos do FGV Ibre indicam que a promulgação abre espaço para R$ 377 bilhões adicionais até o final da década — quase 4% do PIB atual. Na prática, representa abandono das âncoras fiscais do Novo Arcabouço Fiscal. É o abandono das próprias regras que o governo prometera respeitar para manter credibilidade.

Arsenal complementar de flexibilizações para facilitar gastos do governo

Além da PEC, o governo aprovou conjunto de medidas que, individualmente justificáveis, revelam padrão sistemático de contorno das regras fiscais.

A exclusão de recursos do Fundo Social do Pré-Sal dos limites libera R$ 1,5 bilhão ao ano — dinheiro que deveria ser poupado para futuras gerações.

Créditos extraordinários — modalidade que não conta para limites por ser “excepcional” mas vem sendo usada rotineiramente — foram destinados a várias finalidades: foram R$ 12 bilhões para refinanciamento de dívidas rurais e R$ 3,3 bilhões para ressarcimento do dinheiro desviado de aposentados e pensionistas do INSS.

Cada medida, vista isoladamente, pode parecer razoável. Analisadas em conjunto, revelam padrão sistemático: regras fiscais são contornadas sempre que se tornam politicamente inconvenientes. O problema é que essa engenharia fiscal tem consequências reais. Mercados, economistas e o próprio Banco Central não se deixam enganar por manobras contábeis. É aqui que a conta começa a chegar para o contribuinte.

A conta final para o contribuinte: o preço da instabilidade econômica

Dívida pública em trajetória explosiva: o abandono da responsabilidade fiscal nos gastos do governo

O resultado aparece nas contas públicas. Antes de Lula tomar posse, em dezembro de 2022, o endividamento do setor público era de 71,7% do PIB. Em julho último, chegou a 77,5%. Segundo o Banco Central, em 31 meses de governo, houve déficit primário do setor público consolidado — governos federal, estadual e municipal — em 24 deles.

As expectativas não são animadoras. O Banco Central estima que a dívida pode alcançar 94% do PIB em 2034. O Instituto Fiscal Independente vê aumento para 84% até 2026 e mais de 90% entre 2028 e 2029. Economistas consideram que países emergentes como o Brasil entram em zona de risco quando a dívida ultrapassa 80% do PIB, patamar associado a crises fiscais.

O novo arcabouço fiscal — regras implementadas em agosto de 2023 para controlar gastos do governo — deveria ser a solução. Contudo, Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, observa que essas regras falham em alterar a estrutura fundamental: mais de 90% das despesas primárias são obrigatórias por lei. Crescem automaticamente com salário mínimo, fatores demográficos ou indexadores econômicos.

É essa deterioração fiscal que obriga o Banco Central a agir. A ferramenta disponível impacta diretamente o bolso de todos: os juros.

Juros altos como consequência: a reação inevitável do BC ao descontrole dos gastos do governo

A reação do BC ao descontrole fiscal é imediata e dolorosa. Com gastos do governo em trajetória ascendente alimentando pressão inflacionária, a autoridade se vê obrigada a manter a Selic em níveis elevados para “esfriar” a economia.

A taxa atual reflete ciclo de aperto monetário que parece longe do fim. “Ainda vejo muito trabalho antes de uma queda de juros”, afirma Luiz Otávio Leal, economista-chefe da G5 Partners.

Para contextualizar o impacto: juros elevados tornam o crédito mais caro, reduzem investimentos, encarecem financiamentos habitacionais e tornam poupança mais atrativa que consumo. É o preço que toda a economia paga pelo descontrole fiscal.

Samuel Pessoa, do FGV Ibre, identifica a raiz política do problema. Lula “inverteu o ciclo político normal da despesa pública”, explica o pesquisador. Tradicionalmente, presidentes começam com gastos do governo menores e os ampliam no final para impulsionar a reeleição. Lula começou gastando alto desde o primeiro ano. O resultado é que a economia passou a operar “a plena carga na metade do mandato, com inflação crescendo”.

O cenário ganha força com o mercado de trabalho no limite da capacidade. A taxa de desemprego está na mínima histórica (5,6%). Combinada com crescimento acima do potencial, adiciona combustível à pressão inflacionária. Pessoa reforça: “Ainda vivemos excesso de demanda sobre oferta” — mais pessoas e empresas querendo comprar do que a capacidade de produzir.

A consequência é aumento de preços. Por isso, diz, “vamos manter política monetária contracionista por mais tempo”.

Como mostra José Júlio Senna, ex-diretor do BC, o momento decisivo chegará no início de 2026. É quando se poderá verificar se inflação de serviços e salários se acomodarão — justamente quando os impulsos eleitorais se intensificarão.

A realidade oferece pouco otimismo. “A projeção de inflação ainda é 3,4% ao ano para o início de 2027”, observa Senna — persistentemente acima da meta de 3%. Por isso, o BC “continuará sinalizando política monetária restritiva por período prolongado”, evitando “qualquer discussão sobre queda de juros”.

Fonte: gazetadopovo

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