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ECA Digital: desafios da adultização precoce na internet e o embate com algoritmos

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O Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 2.628, conhecido como “ECA Digital”, em referência ao Estatuto da Criança e do Adolescente. A proposta, já sancionada pela Presidência da República, busca estabelecer diretrizes rígidas para plataformas digitais quando o público-alvo é formado por menores de idade.

Entre as medidas previstas, estão a exigência de vinculação das contas de crianças e adolescentes a um responsável legal, a obrigação de remover conteúdos considerados abusivos e a proibição de estratégias de monetização como as chamadas “loot boxes”, ou “caixas de recompensa”, em jogos eletrônicos.

A lei, sozinha, é insuficiente. O ECA Digital inaugura um marco regulatório, mas seu impacto real dependerá de algo que vai além da letra fria da norma: a construção de uma cultura de responsabilidade digital

Não se trata apenas de mais uma lei sobre tecnologia: o ECA Digital é um marco porque impõe às plataformas a responsabilidade de ajustar seu modelo de negócio a parâmetros de proteção infantojuvenil. E aqui surge a primeira provocação: será que estamos diante de uma revolução regulatória ou de mais uma lei que corre o risco de naufragar diante da incapacidade de fiscalização e da falta de cooperação das famílias?

Até hoje, crianças e adolescentes eram tratados pelas empresas de tecnologia quase como usuários comuns. Com o ECA Digital, essa lógica se rompe: será obrigatório verificar a idade de quem acessa os serviços, restringir publicidade direcionada e oferecer controles parentais ativados por padrão. O descumprimento não é simbólico: as multas vão de R$ 10 por usuário cadastrado até R$50 milhões, além da possibilidade de suspensão das atividades.

É um choque regulatório inédito no Brasil, que obriga gigantes da tecnologia a reverem algoritmos, modelos de negócio e estratégias de engajamento. Mas a pergunta que permanece é: haverá disposição para cumprir a lei de forma efetiva ou veremos a repetição do que ocorreu em outros países, onde as regras existem no papel, mas a aplicação prática é limitada?

O projeto introduz o conceito de “responsabilidade compartilhada”: cabe às plataformas construir barreiras tecnológicas, mas cabe às famílias educar, monitorar e acompanhar o uso da internet pelos filhos. É aqui que o debate se torna mais complexo. Será razoável esperar que uma lei substitua o papel dos pais? Evidentemente, não. O ECA Digital cria um ambiente minimamente seguro, mas não elimina a necessidade de presença e orientação familiar. O risco é que, na prática, muitos vejam na legislação uma “terceirização” da responsabilidade, como se o Estado e as plataformas pudessem assumir integralmente um papel que é, antes de tudo, da família.

Outro ponto sensível do PL é a previsão de uma autoridade reguladora independente, inspirada na ANPD. Esse órgão será responsável por detalhar parâmetros técnicos, fiscalizar condutas e aplicar sanções. A experiência da Autoridade Nacional de Proteção de Dados mostra que tais instâncias podem funcionar, mas também expõe um desafio: como garantir independência, orçamento e capacidade técnica diante de pressões políticas e econômicas? Se essa autoridade nascer sem autonomia real, o risco é de que as plataformas avancem na prática de “autorregulação de fachada”, onde a aparência de cumprimento se sobrepõe à efetividade.

O fenômeno da adultização precoce não será enfrentado apenas com sanções. Educação digital nas escolas, campanhas de conscientização para pais e crianças e cooperação entre governo, empresas e sociedade civil são fatores indispensáveis. A lei, sozinha, é insuficiente. O ECA Digital inaugura um marco regulatório, mas seu impacto real dependerá de algo que vai além da letra fria da norma: a construção de uma cultura de responsabilidade digital. A provocação final é inevitável: queremos apenas um texto para ser comemorado no Diário Oficial ou estamos dispostos, como sociedade, a enfrentar as mudanças culturais, econômicas e familiares necessárias para transformar de fato a experiência digital de crianças e adolescentes?

André Dantas, advogado com expertise em processo legislativo e Direito Público, Head do escritório André Dantas Advogados.

Fonte: gazetadopovo

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