Por volta das 17h15 do dia 6 de setembro, um sábado, dois times amadores de futebol feminino de Campo Grande (MS), Leoas e Fênix, se posicionavam para iniciar a partida. Foi quando as Leoas foram informadas de que as adversárias haviam escalado uma pessoa transexual. Imediatamente, a técnica Bárbara Augusta Santana informou à organização: seu time não iria entrar em campo.
“Eu disse que não colocaria minhas meninas em risco. Eu respeito as pessoas que não se identificam com seu gênero biológico, mas aquela pessoa continua tendo DNA e formação masculina. É mais rápida, mais forte, poderia machucar com uma bolada, um carrinho”, explica ela. “Minha equipe é formada por mães solo, personal trainers, enfermeiras, motoristas de aplicativo, que lutaram muito para conquistar um espaço no futebol feminino. Não podem colocar sua integridade física em risco, nem abrir mão do direito de jogar exclusivamente entre mulheres.”
Ataques constantes
As jogadoras concordaram com a decisão da treinadora, apesar da agitação das adversárias e de uma insistência da organização para que o jogo fosse realizado. Por fim, o juiz entrou em campo e decretou a derrota das Leoas por WO, que acontece quando o adversário se recusa a jogar. A treinadora então retirou a equipe da competição.
“A organização se comportou de forma desleal, não informou a respeito da presença da atleta trans até o momento da partida”, diz Santana. “Nós nos sentimos desmoralizadas e desprestigiadas. Recebemos muitos ataques nas redes sociais. Uma jogadora nossa, que também disputava partidas por uma outra equipe, foi dispensada do outro time, sem explicação. Ficamos isoladas, queriam nos silenciar.”
Quanto ao campeonato, ele continua acontecendo. Outros times já enfrentaram a Fênix, e aceitaram a presença da atleta trans. A equipe Fênix divulgou uma nota em que declara: “Essa atleta, assim como todas nós, busca no futebol, um espaço de convivência, lazer e reconhecimento. Reafirmamos nosso compromisso com a inclusão, o respeito e a diversidade. O esporte é para todas. Transfobia não é opinião: é violência”.
Por sua vez, no dia seguinte, 7 de setembro, as Leoas disputaram a final de um outro torneio amador e venceram. “Revertemos a situação da véspera com uma vitória que nos deu o bicampeonato em um campeonato diferente. E, com o passar do tempo, começamos a perceber que quem nos atacava era uma minoria, e que a maior parte das pessoas concorda com nossa decisão”, afirma a técnica. A equipe acabou por receber uma moção de aplausos na Câmara Municipal da cidade.
O responsável pelo evento, Tony Gol, que organiza torneios femininos há sete anos, afirma que a situação aconteceu porque falta regulamentação sobre o tema. “A gente concorda com a decisão das Leoas de não participar. É um caso que eu não esperava, uma novidade no futebol amador daqui de Campo Grande. Entendemos também o lado do time do Fênix. Eu fiquei no meio desse fogo cruzado. Pensei até em não fazer o futebol feminino no ano que vem, para evitar essas discussões.”
Ação de exclusão
“As Leoas tiveram que abandonar um campeonato para o qual haviam se inscrito. São mulheres, mães, trabalhadoras que se dedicam ao esporte por amor e que se planejaram para esse momento”, diz Celina Luci Lazzari, diretora da Associação de Mulheres, Mães e Trabalhadoras do Brasil (Matria). “Muita coisa é arrancada de uma mulher a quem é negado o direito ao esporte, ao lazer, entre as suas. Só há competição real, justa e segura, em categorias exclusivas para mulheres.”
A Matria lançou recentemente um manifesto contra a participação de trans em esportes femininos. “Quando atletas do sexo masculino entram nas categorias femininas, não há inclusão, há exclusão: mulheres perdem espaço, bolsas, medalhas e até sua integridade física”, afirma Celina. “A ciência é clara: tratamentos hormonais não eliminam as vantagens fisiológicas masculinas, densidade óssea, força, massa muscular, envergadura, capacidade pulmonar. Essas diferenças permanecem mesmo após anos de hormonioterapia.”
A técnica Bárbara Augusta Santana, que tem 44 anos e é policial federal, sugere que pessoas trans disputem campeonatos em uma categoria própria. “No mesmo dia do incidente, foi realizado um amistoso entre duas equipes trans. Isso é inclusão de verdade! E não retira o espaço que nós mulheres lutamos tanto para conquistar.”
No dia 23 de setembro, a Câmara de Vereadores de Campo Grande aprovou, em regime de urgência, o projeto de lei 11.526/25, que estabelece o sexo biológico como único critério para a definição do gênero dos esportistas em atividade na cidade. A medida agora segue para sanção do prefeito. O texto afirma: “O sexo biológico será o único critério definidor do gênero dos competidores em competições esportivas oficiais realizadas no âmbito do Município de Campo Grande/MS, vedando-se a participação de transexuais em equipes que correspondam ao sexo oposto ao de nascimento”.
Fonte: gazetadopovo