Via @portalmigalhas | O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu nesta terça-feira, 23, o debate de líderes da 80ª Assembleia Geral da ONU, em Nova York. Em um contexto de tensões diplomáticas com os Estados Unidos, após a adoção de novas sanções por Washington contra cidadãos brasileiros, Lula centrou sua fala na defesa da democracia, do multilateralismo e da soberania nacional, abordando temas que vão da política internacional à agenda ambiental.
Veja a íntegra do discurso:
Críticas às sanções e à ingerência externa
Logo no início, Lula afirmou que a ONU atravessa uma crise sem precedentes e criticou o que chamou de “sanções arbitrárias e intervenções unilaterais”, em referência às medidas impostas pelos EUA. O presidente declarou que “não há justificativa para as medidas unilaterais e arbitrárias contra nossas instituições e nossa economia” e classificou como “inaceitável” a agressão contra a independência do Poder Judiciário brasileiro.
Defesa da democracia no Brasil
Lula destacou que o Brasil resistiu a ataques contra sua democracia, reconstruída após o período ditatorial. Sem citar nomes, mencionou a condenação de Jair Bolsonaro por atentar contra o Estado Democrático de Direito, ressaltando que o processo garantiu amplo direito de defesa. Para o presidente, o episódio é um recado “aos candidatos autocratas” de que a soberania brasileira é inegociável.
“Diante dos olhos do mundo, o Brasil deu um recado a todos os candidatos autocratas e àqueles que os apoiam. Nossa democracia e nossa soberania são inegociáveis. Seguiremos como uma nação independente e como um povo livre de qualquer tipo de tutela.”
Igualdade, inclusão e combate à fome
O presidente associou o fortalecimento da democracia à redução de desigualdades sociais, defendendo direitos básicos como alimentação, moradia, saúde e educação. Lembrou que o Brasil voltou ao mapa da segurança alimentar, após sair do mapa da fome em 2025, e defendeu que a guerra contra a pobreza deve ser prioridade internacional. Reforçou a proposta de criação de uma Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada no âmbito do G20 e já apoiada por 103 países.
Lula pediu que a comunidade internacional reduza gastos militares, alivie a dívida externa de países pobres e adote padrões mínimos de tributação global para que os mais ricos contribuam proporcionalmente mais.
Regulação digital e proteção de direitos
Ao tratar do ambiente virtual, Lula defendeu a regulação das plataformas digitais para coibir intolerância, desinformação e crimes como tráfico de pessoas e pedofilia. Ressaltou que regular não significa restringir a liberdade de expressão, mas aplicar no digital as mesmas regras do mundo real. O presidente destacou a lei recentemente promulgada no Brasil para proteção de crianças e adolescentes no espaço digital e projetos enviados ao Congresso para fomentar concorrência nos mercados digitais e incentivar data centers sustentáveis.
“A internet não pode ser terra sem lei. Cabe ao poder público proteger os mais vulneráveis. Regular não é restringir a liberdade de expressão, é garantir que o que já é ilegal no mundo real seja tratado assim também no ambiente virtual.”
Política regional e conflitos internacionais
Sobre a América Latina e o Caribe, Lula reafirmou o compromisso brasileiro em manter a região como zona de paz e alertou contra a associação entre criminalidade e terrorismo. Defendeu cooperação internacional para combater lavagem de dinheiro e tráfico de armas, além do uso restrito da força letal.
Em relação a crises internacionais, afirmou que não deve haver fechamento do diálogo na Venezuela, defendeu o direito do Haiti a um futuro livre de violência e criticou a inclusão de Cuba na lista de países que patrocinam o terrorismo. No caso da Ucrânia, reiterou que não existe solução militar e que iniciativas de diálogo, como a Iniciativa Africana e o Grupo de Amigos da Paz, devem ser fortalecidas.
Conflito em Gaza
O presidente dedicou parte de seu discurso à situação no Oriente Médio. Condenou os ataques do Hamas, mas afirmou que “nada justifica o genocídio em curso em Gaza”, criticando o uso da fome como arma de guerra e o deslocamento forçado de populações. Disse que o povo palestino só sobreviverá como Estado independente e criticou o veto que impediu a participação do presidente Mahmoud Abbas na Assembleia.
Mudanças climáticas e Amazônia
Lula destacou que 2024 foi o ano mais quente já registrado e afirmou que a COP 30, em Belém, será a “COP da verdade”. Anunciou metas brasileiras de redução entre 59% e 67% das emissões de gases de efeito estufa e ressaltou a redução pela metade do desmatamento na Amazônia nos últimos dois anos. Defendeu o Fundo Florestas Tropicais para Sempre, voltado a remunerar países que preservam suas florestas.
O presidente propôs que a ONU crie um Conselho vinculado à Assembleia Geral para monitorar compromissos climáticos, dentro de uma reforma mais ampla que também inclua a ampliação do Conselho de Segurança.
Comércio internacional e sistema multilateral
Lula criticou medidas unilaterais no comércio internacional, que, segundo ele, fragilizam a OMC – Organização Mundial do Comércio. Defendeu a refundação do organismo em bases modernas e flexíveis para preservar princípios como o da nação mais favorecida.
Encerramento e visão de futuro
O presidente encerrou homenageando o ex-presidente uruguaio Pepe Mujica e o papa Francisco, falecidos em 2025, destacando suas trajetórias em defesa de valores humanistas. Afirmou que o futuro deve ser construído com escolhas diárias e coragem de agir, defendendo um mundo multipolar e multilateral.
Segundo Lula, a voz do sul global precisa ser ouvida, e a ONU deve se reafirmar como promotora de igualdade, paz e diversidade.
Editorial do Migalhas
Em editorial publicado no informativo desta terça-feira, Migalhas avaliou que as sanções dos EUA “parecem ter enterrado, ao menos no curto prazo, qualquer possibilidade de anistia ou de redução de penas no Brasil”.
O texto destacou que a postura dos Estados Unidos “reforça um clima de endurecimento político e jurídico, no qual cada lado dobra suas apostas sem dar sinais de recuo”. Segundo a análise, o cenário atual tende a prolongar o impasse e aumentar o risco de isolamento diplomático, além de fechar canais de diálogo institucional.
O editorial ainda apontou que, diante da escalada de tensões, seria necessário que lideranças políticas refletissem sobre os custos da confrontação contínua. Também sugeriu que ex-presidentes norte-americanos poderiam romper a tradição de silêncio sobre os mandatos em curso e contribuir para reequilibrar o cenário.