Pela primeira vez, a Austrália aprovou a distribuição uma vacina que pode salvar a população de coalas, que é ameaçada por uma epidemia de clamídia desenfreada.
Em 2012, a então banda mais popular do mundo, One Direction, foi para a Austrália. Durante a estadia, entre shows e fãs apaixonados, o grupo conseguiu tirar um tempinho para turistar. Escolheram visitar um santuário animal, casa de um dos marsupiais mais queridinhos da Oceania: os coalas.
Por lá, os cinco integrantes da banda carregaram e brincaram com os animaizinhos por horas. Foi quando a tragédia aconteceu: enquanto era carregado por Liam Payne e Harry Styles, um coala (muito emocionado, com certeza) fez xixi nos dois cantores.
Pronto: foi suficiente para que o rumor de que os dois membros haviam contraído clamídia começasse a circular. Isso porque os coalinhas são os campeões quando o assunto é contrair essa infecção.
Segundo dados da Wildlife Health Austrália, a prevalência de infecção por clamídia em diferentes populações de coalas em liberdade pode chegar a 89%, e entre 4% e 44% destes manifesta a doença.
A clamídia é transmitida por contato próximo ou acasalamento e pode causar infecções dolorosas do trato urinário, conjuntivite, cegueira e infertilidade em coalas, e é frequentemente fatal. Coalas machos e fêmeas podem contrair a doença, enquanto filhotes podem contraí-la ao se alimentarem na bolsa da mãe.
Nós, humanos, também podemos contrair a doença – mas de um jeito um pouco diferente.
Coalas e humanos são infectados por diferentes cepas da bactéria clamídia, embora compartilhem alguns sintomas semelhantes. Os animais estão contraindo e disseminando Chlamydia pecorum, um patógeno zoonótico. Nós estamos contraindo e disseminando a infecção sexualmente transmissível causada pela Chlamydia trachomatis.
Na prática, são ISTs diferentes e que são raramente passadas entre animais e humanos – vide a entrevista de 2017 de Styles contando que o diagnóstico de clamídia nunca foi real para ele, nem para Payne.
Enquanto os sintomas em humanos são geralmente menos graves, os animaizinhos sofrem com a infecção. Segundo os pesquisadores, a doença é responsável por metade das mortes dos coalas no país. Nas últimas décadas, a população de coalas caiu até 80% em algumas áreas da Austrália.
Mas o tratamento também pode ser mortal. Coalas infectados com clamídia geralmente recebem antibióticos, mas isso destrói a flora intestinal que lhe permite digerir as folhas de eucalipto — sua principal fonte de alimento — e pode levar à fome e até à morte.
No nosso caso, apesar do risco de reinfecção, o tratamento com antibióticos é menos agressivo e mais eficaz. Por outro lado, não há vacina humana para a doença, ao contrário dos coalas.
Há algum tempo que cientistas tentam desenvolver vacinas para salvar estes marsupiais. Agora, a autoridade de medicamentos veterinários da Austrália, APVMA, aprovou a primeira vacina do mundo desenvolvida para proteger coalas da clamídia. O avanço é fruto de mais de uma década de pesquisa.
A vacina, aplicada em dose única e desenvolvida por uma equipe da Universidade de Sunshine Coast, no estado de Queensland, demonstrou reduzir em pelo menos 65% as mortes de coalas infectados em populações selvagens. A vacina oferece três níveis de proteção: reduz a infecção, previne a progressão para a doença clínica e, em alguns casos, reverte os sintomas existentes.
“Sabíamos que uma vacina de dose única – sem necessidade de reforço – era a resposta para reduzir a rápida e devastadora disseminação desta doença, responsável por até metade das mortes de coalas em todas as populações selvagens da Austrália”, disse o professor de microbiologia Peter Timms, que liderou o projeto, em comunicado.
Com a aprovação regulatória, a vacina poderá ser usada em hospitais de vida selvagem, clínicas veterinárias e diretamente em campo. A medida é vista por cientistas como uma oportunidade crucial para frear um declínio acelerado: coalas estão listados como espécie ameaçada nos estados de Queensland, Nova Gales do Sul e no Território da Capital Australiana.
Autoridades reconhecem que a sobrevivência dos coalas depende de múltiplas frentes. Além da clamídia, a espécie enfrenta pressões crescentes do aquecimento global, da fragmentação florestal, dos incêndios florestais, da expansão urbana e de atropelamentos. Um relatório de 2020 do governo de Nova Gales do Sul estimou que, sem medidas urgentes, os coalas podem desaparecer do estado até 2050.
“Sabemos que os coalas precisam de ajuda para combater doenças como a clamídia, mas também precisamos garantir que tenham onde viver”, disse o ministro australiano da Agricultura, Murray Watt, no mesmo comunicado.
Fonte: abril