A oposição pretende usar denúncias feitas por Eduardo Tagliaferro e um laudo pericial que aponta indícios de fraude processual em decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), como argumento para suspender o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro. Juristas ouvidos pela reportagem avaliam que, embora a denúncia seja “gravíssima”, a suspensão dependerá menos de provas e mais de vontade política.
De acordo com documentos apresentados por Tagliaferro, Moraes determinou informalmente que a Polícia Federal realizasse uma operação de busca e apreensão contra empresários de direita, em 2022, com base em uma reportagem da imprensa não verificada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Posteriormente, ele criou um documento com data retroativa para corroborar a operação.
O advogado e consultor Fernando Pinheiro afirma que a denúncia de Tagliaferro de que Moraes cometeu uma fraude processual pode, por si só, suspender o julgamento de Bolsonaro. Segundo ele, ainda que o caso não esteja diretamente relacionado ao julgamento de Bolsonaro, os indícios de fraude processual, abuso de poder e alteração de documentos atribuídos a Moraes o tornam suspeito para atuar em qualquer processo.
“O caminho correto seria o Senado abrir um processo de impeachment do ministro e, em seguida, revisar e anular os julgamentos em que ele atuou sob suspeição”, afirmou. “Esse processo é nulo do início ao fim. O aparecimento de uma denúncia, com elementos periciados, oferecida por um agente público, é fato suficiente para justificar a suspensão do processo”, disse.
Pinheiro destaca ainda que as denúncias apresentadas por Tagliaferro reforçam o “abuso de poder, coação no curso do processo e alteração fraudulenta de documento público”. Para o advogado, a denúncia exigiria atuação imediata do presidente do STF, do Ministério Público Federal e de órgãos de controle, como Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
O jurista Fabrício Rebelo avalia que “o conteúdo das denúncias é gravíssimo e teria, sim, potencial claro para subsidiar um processo de impeachment”. Entre os elementos que reforçam essa possibilidade, ele cita também a fraude processual – antedatada [colocar em um documento uma data anterior à real] ou manipulada nos autos -, e ainda o direcionamento informal de investigações, o conluio com a PGR, o uso político de inquéritos e a violação de garantias constitucionais.
Para Rebelo, entretanto, a abertura de um processo contra Moraes não depende apenas de fundamentos jurídicos. “Se fosse um procedimento técnico, o processo já teria sido instaurado há muito tempo. Mas tudo depende da vontade política”, afirmou. Ele ainda destacou que a denúncia deveria ser formalizada à parte, via Procuradoria-Geral da República, para posteriormente ser apreciada pelos demais ministros.
“O que poderia haver seria a arguição de suspeição por alguma das defesas atuais, trazendo esses novos elementos, mas são fatos diferentes dos que estão em julgamento agora e, por isso, é muito improvável que tenham algum impacto neles”, disse.
Perícia divulgada pela oposição aponta fraude processual de Moraes
A acusação de fraude processual ganhou força após a divulgação, nesta terça-feira (9), de um laudo pericial no Congresso Nacional durante uma entrevista à imprensa. O parecer, encomendado a peritos por um jornalista e apresentado pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), analisou documentos do próprio site do STF. Os peritos Reginaldo e Jaqueline Tirotti concluíram que uma decisão de Moraes que autorizou uma operação contra um grupo de empresários em agosto de 2022, datada de 19 de agosto, só teria sido redigida dias depois, em 29 de agosto daquele ano.
O laudo ainda afirma que o documento não possui assinatura digital e que a assinatura do delegado responsável seria apenas um “transplante”, sem validade legal. As acusações surgiram após denúncias do ex-assessor de Moraes Eduardo Tagliaferro, que apontou manipulação de investigações e uso político de inquéritos no Supremo.
As denúncias de Tagliaferro ocorreram no âmbito do caso que ficou conhecido como “Vaza Toga”, quando o jornal Folha de S. Paulo revelou, em agosto do ano passado, mensagens trocadas entre assessores do gabinete de Moraes para criar relatórios que embasassem a derrubada de publicações e perfis de direita antes e depois das eleições de 2022.
Outras denúncias apresentadas em audiência na Comissão de Segurança Pública do Senado ainda estão sendo periciadas, mas os parlamentares da oposição apostam que servirão para embasar novos pedidos de impeachment contra Moraes e a instalação da CPMI da Vaza Toga.
“É urgente, já passou da hora, que se investiguem todos esses abusos. Punam-se aqueles que os cometeram, pacifiquem-se o Brasil e nós possamos nos livrar deste Estado de exceção que foi gerado, gestado, criado e está sendo comentado e consolidado pelo Supremo Tribunal Federal”, declarou o líder do Novo na Câmara, Marcel Van Hattem.
Constatações da perícia
O laudo elaborado pelos peritos apresentou uma série de inconsistências técnicas no documento atribuído ao ministro Alexandre de Moraes. Entre os principais pontos, estão:
- Antedatação do documento: divergência entre a data declarada (19/08/2022) e a data de compilação do arquivo (29/08/2022). O documento final foi gerado em um único ato, via software OpenPDF.
- Ausência de assinatura digital ICP-Brasil: o texto não possui certificação criptográfica. A “assinatura” no rodapé é apenas uma declaração textual, sem garantias técnicas de autenticidade.
- Transplante digital de assinaturas: as rubricas atribuídas ao delegado Fábio Alvarez Shor, nas fls. 12 e 18, apresentaram coincidência absoluta — algo impossível em assinaturas manuscritas. O parecer aponta cópia e colagem digital.
- Integridade formal: não foram identificadas adulterações posteriores na estrutura do documento, mas a divergência de datas se mantém como ponto crítico.
- Impossibilidade de autenticação online: diferente de outros documentos do STF, não havia como validar o arquivo por meio da plataforma oficial; a tentativa de verificação retornou “documento não localizado”.
Em conclusão, o parecer afirma que, devido à antedatação e ao transplante de assinaturas, não é possível assegurar a autenticidade nem atribuir autoria inequívoca ao documento.
Diante do parecer, a oposição pretende oficiar os ministros do STF para pedir a suspensão do julgamento de Bolsonaro até a conclusão das apurações. Até o momento, a Corte não se manifestou.
O gabinete de Alexandre de Moraes negou qualquer irregularidade e declarou que todos os atos e procedimentos mencionados foram conduzidos de modo regular, oficial e devidamente documentados nos autos.
Segundo nota divulgada à imprensa, o gabinete de Moraes disse que as requisições e determinações encaminhadas a órgãos como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) seguiram normas regimentais.
Fonte: gazetadopovo