Se é possível prever a chuva com base em dados meteorológicos, por que não prever a extinção de uma espécie ou a reação de uma floresta a um incêndio? Essa é a proposta da ecologia quantitativa, campo que leva a matemática para dentro da biologia.
Ao combinar observações em campo com estatística, algoritmos e simulações computacionais, pesquisadores tentam decifrar padrões invisíveis da vida e oferecer pistas sobre o futuro dos ecossistemas em meio à crise climática.
Para o pesquisador Caio Mattos, coordenador científico do Programa de Formação em Ecologia Quantitativa do Instituto Serrapilheira, a definição passa pela combinação de saberes de áreas distintas. “É sobretudo uma conversa transdisciplinar, envolvendo conceitos e conhecimentos de ecologia com física, matemática e computação, para responder os grandes desafios da sociedade”, contou à Super.
Segundo Mattos, perguntas que envolvem escala, complexidade e futuro só podem ser respondidas com esse tipo de abordagem. “Quando precisamos ‘observar’ ecossistemas inteiros ou predizer a reação de todas as florestas tropicais à mudança do clima, inevitavelmente precisamos utilizar modelos matemáticos, dados de satélite e grandes bases de dados.”
Isso não significa substituir o trabalho em campo, mas sim complementá-lo. “O campo nos dá a realidade, o que podemos observar: uma população de cigarras, por exemplo. Da observação surgem as hipóteses. A matemática organiza essas peças e a computação permite projetar cenários”, explica Mattos.
A ecologia quantitativa avança justamente quando a degradação ambiental e a crise climática se intensificam. Eventos extremos, como ondas de calor, secas, enchentes e furacões, estão ocorrendo com mais frequência e intensidade do que os cientistas previam. As simulações ecológicas ajudam a antecipar estes riscos – e a planejar respostas.
“Um bom exemplo são os modelos globais do sistema terrestre, usados para prever os impactos das mudanças climáticas. Um mundo de dados coletados em campo é sintetizado em equações que representam ecossistemas e projetam sua resposta a secas, incêndios ou ao aumento de CO₂ na atmosfera”, diz Mattos.
O mestrando João Lucas Burginski, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), viveu na prática essa integração entre campo e modelos matemáticos em um projeto na Mata Atlântica, durante o curso de formação em ecologia quantitativa.
A equipe investigava se caramujos em uma praia seguiam um padrão de distribuição: os pequenos na parte inferior das rochas, os grandes no alto. “Nós usamos todas as ferramentas que se pode usar. Teve coleta em campo, triagem, análise estatística, experimento no laboratório e modelo computacional”, contou à Super.
Mas o padrão não apareceu. A simulação mostrou que ele só existiria em locais com grande variação da maré – o que não ocorria ali.
Ele também destaca que a matemática não é algo externo à ecologia. “Grandes teorias da ecologia, como as de competição por recursos, predação ou dinâmica de doenças, vieram de modelos matemáticos. Se você volta no passado, alguns dos maiores ecólogos do século 20, como Robert MacArthur, eram formados em matemática.”
Para o coordenador, a tendência é que a ecologia se torne cada vez mais integradora. “Será cada vez mais uma síntese entre números e narrativas, modelos e observações. A matemática é essencial para lidar com a complexidade, mas nunca substitui a observação atenta e a curiosidade. O futuro da ecologia é unir o olhar do apaixonado pela natureza ao poder da ciência de dados.”
Fonte: abril