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Ameaças da cartilha chinesa para o futuro digital: entenda os riscos

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Nessa altura do campeonato, acho que ninguém seria capaz de discordar do seguinte: o STF não é hoje apenas a mais alta corte de interpretação constitucional do Brasil; ele assumiu um protagonismo político sem precedentes.

Exemplos incluem ações de investigação próprias, como o inquérito das fake news, instaurado de ofício e conduzido pelo próprio tribunal; interferências em eleições, tornando candidatos inelegíveis ou impedindo políticos eleitos de assumir seus mandatos, com base em interpretações maleáveis de conceitos como “abuso de poder político” ou “atos antidemocráticos”; ou o controle de plataformas digitais, com decisões que determinam a remoção de perfis e conteúdos e até mesmo a suspensão de serviços inteiros, como aconteceu no embate do Supremo com a rede social X.

Todas essas ações, justificadas como “defesa do Estado Democrático de Direito”, têm gerado controvérsias sobre ativismo judicial e os riscos da concentração de poder. É nesse contexto que deve ser interpretada a assinatura de um acordo de cooperação entre o STF e a Suprema Corte da China, que tem como focos declarados a “cooperação judicial” e a “modernização via inteligência artificial”.

Um detalhe preocupante é que, segundo apurou a Gazeta do Povo, os termos desse acordo permanecem sob sigilo. O STF, que em diversas ocasiões evocou o princípio da transparência para cobrar condutas de outros poderes, cai em aparente contradição: exige publicidade dos políticos, mas reserva para si um espaço de opacidade em uma matéria de altíssima relevância para a democracia.

Em um país onde a confiança nas instituições já está bastante fragilizada, é natural que surjam perguntas como: que tipo de cooperação o acordo prevê? Que modelo de modernização tecnológica será adotado? E que implicações o acordo terá para a liberdade de expressão e para o processo eleitoral de 2026?

Diferentemente do Brasil, onde a Constituição assegura a independência entre os Poderes, o Poder Judiciário chinês é subordinado ao Partido Comunista (PCC), e a censura é ferramenta de controle estatal.

Juízes não têm autonomia: suas decisões seguem diretrizes políticas determinadas pela liderança partidária. O resultado é um sistema que não atua como contrapeso ao poder, mas como braço executor de políticas do Estado.

Esse braço se estende cada vez mais ao espaço digital. A China desenvolveu um aparato de vigilância sem paralelo no planeta, combinando inteligência artificial, big data e censura automatizada. Esse “Grande Firewall” bloqueia conteúdos estrangeiros e controla a circulação de informações dentro do país.

Plataformas digitais são obrigadas a obedecer a ordens de remoção de conteúdo em questão de minutos. Postagens que contenham críticas ao governo ou referências a temas considerados “sensíveis” são rapidamente apagadas, e seus autores podem enfrentar sanções administrativas, como bloqueio das contas, e até mesmo prisão.

A IA no Judiciário chinês não busca apenas eficiência; ela reforça o controle autoritário sobre a sociedade. Só em 2023, a Suprema Corte chinesa processou mais de 40 milhões de pessoas com auxílio de algoritmos. Essa doutrina prioriza a estabilidade partidária em detrimento dos direitos individuais, transformando a justiça em instrumento de repressão.

O Brasil corre o risco de se transformar em uma democracia tutelada, onde a livre escolha dos cidadãos é constantemente mediada e limitada por filtros institucionais

Se a cooperação entre STF e Suprema Corte chinesa incluir transferência de know-how nessa área, o Brasil corre o risco de importar um modelo de controle digital que pode corroer pilares fundamentais da democracia, como a liberdade de expressão, o pluralismo político e o direito de oposição.

Por tudo isso, é natural que a aproximação do STF com o modelo chinês não seja vista como neutra ou meramente técnica. Pelo contrário, parece existir um risco real de reforçar a tendência já existente de concentração de poder, com um agravante: esse movimento seria turbinado por tecnologias de vigilância e censura automatizada importadas da ditadura chinesa.

Alguns cenários possíveis incluem:

  • Censura preventiva: algoritmos capazes de identificar e remover automaticamente postagens classificadas como “desinformação” ou “ataques à democracia”;
  • Bloqueio de candidatos e partidos: uso de critérios vagos para desqualificar candidaturas, com base em interpretações políticas;
  • Monitoramento massivo: coleta de dados em tempo real sobre engajamento, doações financeiras e até conversas privadas, sob a justificativa de proteger a lisura eleitoral;
  • Criminalização de opositores: discursos que desafiem o sistema podem ser enquadrados como “antidemocráticos” ou “ameaças à ordem constitucional”, com consequências jurídicas imediatas.
2025 word1Imagem criada utilizando Chatgpt/Gazeta do Povo (Foto: Imagem criada utilizando Chatgpt/Gazeta do Povo)

Não há dúvida de que a inteligência artificial pode trazer avanços para o funcionamento do Judiciário. Automação de rotinas, triagem de processos, elaboração de minutas e análises de jurisprudência podem reduzir a morosidade e ampliar o acesso à justiça.

Mas o fato é que todos os cenários citados acima, legitimados pela retórica da “defesa da democracia”, podem, na verdade, corroer o processo democrático, transformando eleições livres em plebiscitos controlados por filtros tecnológicos invisíveis.

Na China, a modernização digital do Judiciário não se resume à eficiência administrativa: é parte de um projeto de governança autoritária que usa a tecnologia para consolidar o poder do partido e controlar a população.

Importar esse modelo, mesmo que parcialmente, significa abrir brechas para que a inteligência artificial seja usada não apenas para agilizar processos, mas também para monitorar cidadãos, classificar discursos e punir dissidências.

A preocupação se torna ainda mais urgente com a proximidade das eleições de 2026. Em 2018 e 2022, a Justiça Eleitoral desempenhou papel decisivo ao definir regras de campanha, moderar debates e arbitrar a circulação de informações nas redes sociais.

Se, naquelas eleições, decisões assim já geraram críticas por intervirem de forma desproporcional no debate público, imagine-se o impacto de um sistema reforçado por tecnologia de vigilância digital inspirada na cartilha chinesa. O Brasil corre o risco de se transformar em uma democracia tutelada, na qual a livre escolha dos cidadãos é constantemente mediada e limitada por filtros institucionais.

O que está em jogo é o futuro da democracia brasileira na era digital. Se o acordo envolver o compartilhamento de tecnologias de IA para monitoramento, isso poderia evoluir para um sistema de vigilância em massa, similar ao chinês.

Se o Brasil adotar a cartilha chinesa, veremos a consolidação de um sistema em que a liberdade de expressão é condicionada à aprovação de algoritmos e à decisão de ministros, com o debate público sendo reduzido a um terreno controlado.

Fonte: gazetadopovo

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