Em uma casa vitoriana, uma mulher vampira e um homem gigantesco observam, enquanto morcegos voam pela escadaria, um vendedor dizendo “Sem vibração, silenciosa e boa para suas costas. Nenhuma casa que se preze deveria ficar sem ela”. Esta foi a primeira tirinha da Família Addams, um quadrinho desenhado por (precisamente) que nasceu sem nome, mas com um sentido de humor muito malvado e característico. No total foram 150 tirinhas criadas ao longo de várias décadas e que representaram perfeitamente um estilo próprio e único. Exatamente aquilo que falta a Wandinha.
Devo reconhecer que não vi o suficiente de para poder fazer uma crítica adequada, mas o que vi era tão quanto ou passados pelo filtro da Netflix: a protagonista resolve mistérios, faz novos amigos e até se envolve em um triângulo amoroso enquanto descobrimos detalhes do passado. Sim, tem elementos do humor macabro, uma estética gótica, personagens similares em nome e aparência e uma trilha sonora que lembra o tema clássico de Vic Mizzy, mas aí terminam as semelhanças com 80 anos de família Addams.
Não estou dizendo, que conste, que a série é ruim: está, simplesmente, focada demais em um segmento de idade para o qual manufaturaram cada cena, convertendo um personagem clássico em outro muito diferente com o mesmo nome. Limparam, poliram e suavizaram os cantos de Wandinha Addams para que seus detalhes contraculturais sejam aceitáveis e em nenhum momento possam escandalizar alguém, colocando-a em um liquidificador de comitês reguladores, conselhos de acionistas e público de teste, submetendo-a aos desígnios de uma sala de roteiristas, produtores e até mesmo aos desejos da atriz. O resultado é um entretenimento simples, rápido, bem feito e fácil de digerir, com toques de humor negro que fazem a diferença… mas para o meu gosto, com o mesmo interesse que qualquer outra série da Netflix.

Charles Addams
Percebi o quanto estava distante da Família Addams original, por mais que a produza, quando, no último Tudum (a apresentação de novidades da Netflix), dedicaram dez minutos da transmissão a repetir a dança de que se tornou viral, mas desta vez com uma música de Lady Gaga no meio. Wandinha pretende ser gótica e malvada, mas no fundo é apenas o que resta depois que todos se asseguraram de tirar qualquer vestígio de maldade e transgressão real, transformar a sitcom em uma série de aventuras comum e ampliar seu público de maneira artificial.
A sitcom de 1964 não se importou em ser obscura, estranha e romper com tudo o que se transmitia na televisão naquele momento (dentro de certos limites), e o filme de 1991 soube captar perfeitamente a mistura de humor macabro e zombaria da aristocracia dos quadrinhos. No entanto, Wandinha sacrificou seu DNA para criar um novo que atraia mais a juventude atual: nesse sentido, a Netflix conseguiu o que buscava (um novo sucesso para se gabar, junto com ou ), ainda que careça de substância, originalidade e respeito pela obra original.

Paramount
Não tenho dúvida alguma de que Wandinha terá todas as temporadas possíveis (até que Ortega não possa mais passar como estudante de ensino médio) e que depois a série explodirá em tantos spin-offs quanto o público aguentar. Talvez algum deles recupere a comédia pura, se afaste da aventura e do romance e faça jus ao legado dos personagens. Quem sabe. Talvez até possam sobreviver sem uma dança viral.
Fonte: adorocinema