O encontro, convocado pelo relator do Incidente de Assunção de Competências (IAC) desembargador Aguimar Peixoto, reuniu especialistas, representantes do setor agrícola e autoridades para discutir os impactos do produto na saúde dos trabalhadores e no meio ambiente. A professora e pesquisadora Márcia Leopoldina Montanari Correia, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), destacou que estudos realizados a mais de 20 anos no estado revelam um quadro preocupante devido a altas taxas de câncer infanto-juvenil entre crianças e adolescentes de 0 a 19 anos em regiões de intensa produção agrícola.
“Vivemos uma epidemia de câncer infantil-juvenil em Mato Grosso, com incidências muito acima da média nacional, especialmente em municípios onde o uso de agrotóxico é mais intenso”, afirmou.
Além disso, pesquisas conduzidas pelo Núcleo de Estudos em Ambiente, Saúde e Trabalho (NEAST/UFMT) identificaram resíduos de agrotóxicos, inclusive de glifosato, em diferentes locais: água de rios, poços artesianos, chuvas, alimentos da merenda escolar e até leite materno.
“Detectamos resíduos de glifosato em urina, sangue e leite materno. Isso mostra que a contaminação não se restringe apenas aos trabalhadores rurais, mas atinge toda a população”, disse a pesquisadora.
Outro ponto abordado foi a insuficiência da legislação brasileira para proteger a saúde pública. Conforme Márcia, a quantidade permitida de glifosato na água potável é até cinco mil vezes maior que a estabelecida pela União Europeia. Ela afirma: “precisamos questionar por que nossos corpos suportariam mais veneno do que os de outros povos”.
O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e ex-gestor da área de agrotóxicos da Anvisa, Luiz Cláudio Meirelles, também reforçou que não há dose segura de exposição ao glifosato quando se trata de câncer.
Ele lembrou que o produto já é classificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “provavelmente cancerígeno” e que os interesses comerciais têm historicamente atrasado decisões regulatórias.
“Agrotóxicos são substâncias criadas para matar. Não podemos esquecer disso”, afirmou Luiz Cláudio.
A médica epidemiologista Nádia Spada Fiore, professora da Universidade Federal de Pelotas, destacou ainda que estudos recentes já demonstram lesões celulares em contato com concentrações mínimas de glifosato, reforçando a plausibilidade biológica de que o produto causa doenças graves.
“Não precisamos esperar o adoecimento em massa para reconhecer o perigo. A ciência já mostra que há risco em nível celular, em animais e em humanos”, alertou.
Mato Grosso utiliza, em média, 220 milhões de litros de agrotóxicos por ano, diante do fato, os especialistas defendem a adoção do princípio da precaução e maior rigor na fiscalização e no controle.
Em contraponto, representantes do setor agrícola defenderam que o glifosato é uma ferramenta essencial para a produção em larga escala no Brasil. O engenheiro-agrônomo José Otávio, professor sênior da USP, afirmou que o risco de exposição é baixo quando há aplicação correta e fiscalização adequada.
“O que importa é o risco, e não apenas a toxicidade. Produtos com potencial de causar danos, se bem manejados, representam baixo risco. Retirar o glifosato poderia comprometer a produtividade e elevar custos de produção”, avaliou.
Na mesma linha, o deputado estadual Carlos Avallone (PSDB) afirmou que a proibição do herbicida poderia gerar prejuízos econômicos em Mato Grosso, maior produtor de grãos do país.
Fonte: Olhar Direto