Turismo

Grupo de mulheres em Cuiabá redefine a escalada em busca de liberdade e acolhimento

2025 word2
Grupo do Whatsapp Cuiabá
Criado em maio deste ano, o coletivo “Cuiabrabas” é fruto da união de escaladoras que sentiram a necessidade de praticar o esporte com autonomia e segurança, sem depender da presença de homens para ir às rochas, mas tem se transformado em um espaço de acolhimento, conexão e resistência feminina. A ideia surgiu em uma conversa informal entre Giulia Anchieta, de 24 anos, Caroline Carvalho Ramirez, de 27, e outras mulheres apaixonadas pela escalada. 


Ao , Giulia, que ao lado de Caroline é uma das fundadoras do grupo e começou a escalar em fevereiro deste ano, conta que a ideia de reunir escaladoras começou quando elas compartilharam sobre a falta de autonomia que sentiam na hora de praticar. 
“A gente sentia que sempre precisava da presença dos caras para ir escalar, porque eles já tinham equipamento, mais experiência, conheciam as vias. Era como se estivéssemos sempre em um degrau abaixo, dependendo deles. Não era por má vontade deles, mas isso causava um certo incômodo. Ficava aquela sensação de estar atrapalhando”, conta. 
Pouco depois do festival, neste ano, as escaladoras organizaram o primeiro treino só de mulheres na rocha. “Foram dez mulheres escalando, só a gente. Ficamos emocionadas. Foi quando vimos que era possível”, clembra Carol, que explica que o coletivo começou a ser formalizado logo em seguida, quando as escaladoras decidiram tirar do papel o desejo de ocupar os espaços com coragem, liberdade e companheirismo.
“Mulheres estarem juntas não é o fim, mas o meio para muita coisa”, afirma Giulia. Para ela, a escalada é ponto de partida para outras trocas: “falamos de medo, superação, maternidade, relacionamentos. Muitas mulheres que chegam até o grupo dizem que se encontraram ali”.
 

Os treinos do coletivo acontecem semanalmente: às quartas no murinho da UFMT, ponto de entrada para muitas escaladoras em Cuiabá, e às segundas numa parede artificial particular, que cobra uma taxa de R$ 30. O Cuiabrabas também é vinculado à Associação Mato-grossense de Escalada e articula ações para mapear as mulheres que já praticam o esporte no estado. 
“Pretendemos mapear todas as escaladoras que já estão aqui, se são mães… Porque isso é um ponto importantíssimo para as mulheres, muitas deixam de escalar por conta dos filhos, mas pretendemos criar um espaço acolhedor, para que quem não tem rede de apoio, possa ter a escalada como rede de apoio para levar os filhos. Estamos nesse processo. Estamos concentrando as comunicações em um grupo de Whatsapp, onde divulgamos os treinos que são semanais”, explica Giulia. 
A experiência de outras iniciativas também inspira o grupo, como o coletivo “Cocalcinhas”, de Cocalzinho (GO), que desde 2011 promove um festival feminino de boulder. Por coincidência, ou destino como brinca Giulia, o evento que é realizado apenas de dois em dois anos teve uma edição no mesmo momento em que ela começou a praticar escalada em Cuiabá. 
“Lembro de pensar: ‘certeza que é um sinal’. Lembro que fomos escalar e, depois no final da tarde, estávamos em uma trilha, depois foi abrindo e um monte de mulher em cima das rochas. Você via aquelas roupas coloridas, cabelos compridos… Isso me marcou muito. Era sempre uma encorajando a outra. É uma família, uma comunidade mesmo, foi incrível”. 

As fundadoras conta que, logo,  o começou como uma forma de garantir autonomia na prática do esporte logo se transformou em algo muito maior. As mulheres que compõem o coletivo não falam apenas de escalada. “É como a Carol fala: quando mulheres se unem, algo muito forte e poderoso acontece”, resume Giulia. As conversas nos treinos e nas viagens para as rochas envolvem temas que vão de maternidade a saúde mental, de relacionamentos à superação. 
2025 word2

Essa troca também nasce dos trajetos, já que para escalar em rochas como as da Chapada dos Guimarães ou de Poconé, é preciso viajar e é as horas de estrada viram espaço para conexão. “Você tem esse período de uma ou duas horas dentro de um carro. O que você vai ficar conversando, sabe? Então tem música e outros temas que acabam gerando conexão para além do esporte”, conta Giulia.
“Para nós, além do esportivo, tem a conexão, a troca e o prazer da mulher de estar naquele lugar. Não é só sobre o esporte como vemos acontecendo entre os homens, desenvolvemos outras questões”, completa Carol. 
Em paralelo ao crescimento do grupo, discussões sobre segurança e machismo no esporte se tornaram inevitáveis, principalmente após o caso recente da brasileira Juliana Marins, que morreu escalando um vulcão na Tailândia. “Essa visão de culpabilizar as mulheres por terem desejos próprios é comum na nossa sociedade”, diz Carol. 
“O risco sempre vai existir, em qualquer atividade. Mas a gente tem o direito ao risco. Temos capacidade de fazer a gestão disso com conhecimento, com segurança. O que não dá é para continuar vivendo com medo, sem experimentar as coisas”, continua Giulia.
Ela critica os comentários que aparecem quando mulheres se destacam na escalada, especialmente em modalidades como o free solo, sem equipamento. “Quando é um homem, falam da técnica, da coragem. Quando é mulher, dizem que é louca, que devia estar em casa vendo série. Mulheres não são incentivadas a explorar seus limites, a testar a própria força. E isso precisa mudar.”
Para Carol, é justamente por o mundo ser hostil que as mulheres não podem recuar: “se a gente quer, a gente continua. A gente não pode paralisar por conta do medo e do que pode acontecer”.

 

Fonte: Olhar Direto

Sobre o autor

Avatar de Redação

Redação

Estamos empenhados em estabelecer uma comunidade ativa e solidária que possa impulsionar mudanças positivas na sociedade.