Por décadas, a exploração espacial foi limitada por uma questão fundamental: como mover espaçonaves com eficiência em longas distâncias, sem depender de grandes cargas de combustível? A resposta pode estar, literalmente, na luz do Sol.
As chamadas velas solares, estruturas ultrafinas e refletivas capazes de capturar o impulso dos fótons solares, prometem transformar a forma como monitoramos o espaço ao nosso redor. Embora o conceito exista desde o século 17 – imaginado por Johannes Kepler e retomado por cientistas como Carl Sagan – somente agora começa a se consolidar como tecnologia funcional.
A Nasa e a NOAA estão apostando nessa solução com o desenvolvimento do Solar Cruiser, missão que pretende lançar em 2029 uma nave equipada com uma vela solar de 1.653 metros quadrados – quase o tamanho de quatro quadras de tênis.
A nave será enviada para além do ponto de Lagrange 1 (L1), uma região de equilíbrio gravitacional entre a Terra e o Sol a cerca de 1,45 milhão de quilômetros. Lá, poderá captar o início das tempestades solares com maior antecedência, aumentando em até 50% o tempo de aviso prévio em relação aos satélites atuais (de 40 para 60 minutos).
A ideia por trás das velas solares é simples e engenhosa. Assim como um barco usa o vento para se mover, uma nave equipada com esse sistema é impulsionada pela luz – mais precisamente, pelos fótons. Embora essas partículas não tenham massa, exercem uma leve pressão ao colidir com uma superfície refletora. O impulso é mínimo, mas constante, o que significa que, no vácuo do espaço, a aceleração ocorre sem consumo de combustível.
Esse avanço pode beneficiar uma ampla gama de setores. Operadores de satélites poderão recalibrar o arrasto atmosférico durante tempestades geomagnéticas e evitar perdas em órbita baixa. Companhias aéreas terão mais tempo para ajustar rotas e minimizar a exposição de tripulantes à radiação.
Astronautas em missões à Lua ou a Marte, que não contam com a proteção do campo magnético terrestre, poderão ser alertados com antecedência suficiente para buscar abrigo. Até mesmo os admiradores de auroras boreais se beneficiariam, podendo se programar com mais tempo para observar o fenômeno.
Outras implicações
O uso das velas solares também se torna cada vez mais importante à medida que cresce a necessidade de monitorar o “clima espacial”, ou seja, as variações no ambiente entre o Sol e a Terra, causadas principalmente por distúrbios na atividade solar.
Um dos eventos mais comuns e perigosos é a ejeção de massa coronal interplanetária, que seriam pacotes de campos magnéticos e partículas que se originam no Sol e podem atingir velocidades de até 2.000 quilômetros por segundo.
Quando essas tempestades geomagnéticas alcançam a Terra, provocam não apenas os espetáculos luminosos das auroras boreais, mas também podem comprometer o funcionamento de satélites, desativar redes elétricas inteiras e representar sérios riscos para astronautas, devido à exposição a doses letais de radiação.
Em 2022, por exemplo, uma tempestade moderada destruiu 39 dos 49 satélites Starlink recém-lançados pela SpaceX. À medida que a sociedade se torna mais dependente dessas tecnologias, eventos extremos de clima espacial deixam de ser apenas fenômenos astronômicos e passam a representar ameaças diretas à infraestrutura global.
Para evitar perdas e mitigar danos, cientistas e agências espaciais investem cada vez mais no monitoramento do Sol. Satélites já em operação observam continuamente o vento solar – um fluxo de partículas carregadas e campos magnéticos que se desprendem da coroa solar – e transmitem dados para estações na Terra.
A análise dessas informações, comparadas com registros anteriores, permite prever a intensidade e os efeitos prováveis de uma tempestade solar. A Terra, protegida por seu campo magnético, costuma resistir bem à maioria dos eventos. No entanto, distúrbios mais intensos podem comprimir ou até perfurar esse escudo natural, permitindo a entrada de partículas que afetam diretamente satélites, estações espaciais e redes elétricas.
A maior parte dos satélites de monitoramento opera em órbitas relativamente próximas à Terra: alguns estão a cerca de 160 km da superfície, em órbita baixa, e outros a aproximadamente 40 mil km, em órbita geoestacionária. Nesses pontos, ainda dentro da magnetosfera terrestre, os sensores captam como o planeta reage às mudanças no ambiente espacial. Mas para detectar os distúrbios na origem, é preciso ir mais longe.
Satélites como o Deep Space Climate Observatory (DSCOVR) e o Advanced Composition Explorer (ACE) já ocupam o ponto L1. Dali, conseguem observar o vento solar em tempo real e emitir alertas com até 40 minutos de antecedência. O desafio, porém, é manter essas sondas por longos períodos: a permanência exige grandes quantidades de combustível – e é aí que as velas solares se tornam uma alternativa viável.
O projeto Solar Cruiser também servirá de base para iniciativas ainda mais ambiciosas, como a missão SWIFT (Space Weather Investigation Frontier), proposta por cientistas da Universidade de Michigan e detalhada em artigo publicado no The Conversation.
Liderado pelo cientista Mojtaba Akhavan-Tafti, o projeto prevê uma constelação de quatro satélites: três posicionados no ponto L1 e um quarto, mais avançado, movido por vela solar, encarregado de monitorar diretamente a superfície solar e enviar alertas ultrarrápidos aos demais.
A missão ainda está em estágio conceitual, mas depende diretamente do sucesso técnico do Solar Cruiser. A montagem da vela solar já está em andamento e deve ser finalizada até 2026. Se tudo correr como planejado, a nave movida pela luz do Sol pode inaugurar uma nova era na vigilância do clima espacial.
Fonte: abril