Médicos do Reino Unido realizaram um procedimento inovador de fertilização in vitro (FIV) para criar embriões com o DNA de três pessoas. Oito bebês nasceram saudáveis a partir do método. A intenção da estratégia de FIV não é agradar aos trisais, mas sim proteger as crianças de herdar doenças genéticas incuráveis.
Todas as mães que participaram do experimento tinham alto risco de transmitir doenças possivelmente fatais para seus bebês por causa de mutações em suas mitocôndrias, as organelas que geram energia para fazer as células funcionarem.
Quatro meninos e quatro meninas, incluindo um par de gêmeos idênticos, nasceram de sete mães diferentes, sem sinal das doenças mitocondriais que poderiam ameaçar a vida desses bebês. Mais uma gravidez que passou pelo mesmo método de FIV ainda está se desenvolvendo.
O novo método de fertilização in vitro foi descrito em um artigo publicado no The New England Journal of Medicine. O Reino Unido mudou a lei para permitir procedimentos do tipo em 2015, e deu a primeira licença para o método de FIV para a clínica de fertilidade da Universidade de Newcastle, onde os cientistas passaram mais de duas décadas desenvolvendo a técnica pioneira.
Como funciona o procedimento
Todo o material genético que uma pessoa herda de seus pais vem de só duas células: o espermatozoide e o óvulo. Dessa combinação surge o embrião, com seu DNA próprio.
Os 20 mil genes que compõem o genoma de um ser humano estão enrolados dentro do núcleo de todas as células do corpo, e são eles que determinam suas características.
Mas há outro DNA para além do nuclear. As centenas ou milhares de mitocôndrias dentro de cada célula carregam 37 genes só delas – este é o DNA mitocondrial, distinto daquele do núcleo. Mutações nesses genes mitocondriais podem causar defeitos ou completamente impedir a atividade das mitocôndrias, que são essenciais para o funcionamento do corpo.
Todo o DNA mitocondrial de um bebê, independente do sexo, é herdado apenas da mãe, já que as mitocôndrias que foram a primeira célula do embrião são as que estavam no óvulo. Então, uma mutação nos genes dessa organela das mulheres podem ser fatais ou extremamente debilitantes para suas crianças.
Os primeiros sintomas de deficiência nas mitocôndrias começam a aparecer no começo da infância, quando os órgãos que precisam de muita energia, como o cérebro e o coração, começam a apresentar problemas. Cerca de um em cada 5000 recém-nascidos sofre com algum tipo de deficiência mitocondrial, e muitas das crianças afetadas acabam morrendo cedo.
Para resolver esse problema, os médicos britânicos desenvolveram um tratamento de doação de mitocôndria. O procedimento funciona assim: o óvulo da mãe é fertilizado com o espermatozoide do pai, como uma fertilização in vitro normal. Durante a fecundação, o óvulo conta com dois pronúcleos, um com a informação genética do espermatozoide e outro com os genes do óvulo, que vão se fundir para formar um único núcleo. Antes dessa fusão, os médicos transferem esse material genético para outra célula.
Essa outra célula é um óvulo de uma doadora, sem as mitocôndrias mutantes que causariam tanto problema às crianças. Esse óvulo saudável fertilizado teve o núcleo removido, pronto para receber os cromossomos dos pais, mas com as organelas saudáveis da doadora. O óvulo é implantado no útero da mãe, onde a gravidez corre como qualquer outra fruto de fertilização in vitro.
Ou seja: os embriões possuem o DNA nuclear de seus pais, como numa gestação normal, mas o DNA mitocondrial é de outra mulher, que não possui mutações debilitantes.
Os oito bebês nasceram saudáveis, só com alguns apresentando algum problema menor, como infecção urinária, que foi logo tratado. Uma das crianças desenvolveu altos níveis de gordura no sangue e arritmia cardíaca, que os sintomas foram tratados – provavelmente, estavam relacionados a um problema de saúde que a mãe teve durante a gravidez.
Testes genéticos mostraram que eles nasceram sem mitocôndrias mutantes, ou com um nível muito pequeno delas, incapaz de causar algum transtorno. Isso mostra que o procedimento ainda pode ser melhorado, para diminuir o nível de organelas com mutação danosa a zero em todos os casos. Outra coisa que pode ser estudada para melhorias é a taxa de gravidez a partir do tratamento: das 22 mulheres que passaram pela doação de mitocôndrias, oito conseguiram engravidar.
“A ciência nos deu uma chance”, disse a mãe de uma das crianças ao jornal britânico The Guardian. “Depois de anos de incerteza, esse tratamento nos deu esperança – e então nos deu nosso bebê.”
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Fonte: abril