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Alone in the Dark: o terror nascido na escuridão

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Louisiana, meados da década de 1920. Numa antiga mansão com um passado repleto de mistérios, um artista tira a própria vida, cabendo a dois personagens descobrirem o que o levou à tão desesperada medida. Essa é a premissa de Alone in the Dark, um dos jogos mais influentes de todos os tempos e que nos ensinou que os videogames poderiam ser tão assustadores quanto livros ou filmes.

Fruto da mente brilhante de Frédérick Raynal, para entendermos como o Alone in the Dark nasceu, precisamos contar um pouco do passado do seu criador. Nascido na cidade de Brive-la-Gaillarde em 1966, ele teve acesso a computadores ainda cedo, quando seu pai comprou um Sinclair ZX81 e passou a vender peças de informática na videolocadora que possuía.

Podendo testar diversos equipamentos, Raynal ficou obcecado com a programação, passando boa parte das noites diante do monitor. No resto do tempo, o rapaz aproveitava o catálogo da loja do pai para assistir a maior quantidade possível de filmes, com os de terror sendo os seus favoritos.

Então, com apenas 17 anos o rapaz lançou seu primeiro jogo comercial, o Robix 500, que vendeu apenas 80 cópias. Com sua carreira avançando lentamente, em 1988 Frédérick Raynal foi convocado pelo exército, mas antes de se apresentar, lançou gratuitamente o título em que vinha trabalhando nos gráficos, um clone do Arkanoid que ele e o programador Christophe Lacaze batizaram de Popcorn.

O que a dupla talvez não estivesse esperando era o sucesso que o título faria. Raynal passou a receber diversas cartas enquanto estava servindo, todas com elogios pelo jogo e quando no verão de 89 ele foi dispensado, seu nome já havia corrido pelas desenvolvedoras francesas. Entre as muitas interessadas em contar com o seu talento, a Infogrames foi aquela que acabou vencendo a concorrência.

Palitos de fósforo, a escuridão e o amor pelo terror

Ao iniciar no novo emprego, o programador recebeu a missão de adaptar o Alpha Waves para o DOS. Apontado como um dos primeiros jogos de plataforma 3D, trabalhar nele motivou Raynal a criar uma ferramenta para a animação de personagens em três dimensões, o que seria essencial para o desenvolvimento do seu próximo projeto.

Embora naquela época a Infogrames estivesse focada em adaptador outros jogos, tudo para reduzir custos e fazer com que a empresa saísse do vermelho, o seu fundador, Bruno Bonnel, vivia propondo conceitos de jogos para seus funcionários. Entre eles estava a proposta de uma aventura em que o jogador teria acesso a um número limitado de palitos de fósforos, com ele precisando acendê-los para conseguir enxergar o ambiente a sua volta.

Ao ouvir a ideia, Frédérick Raynal lembrou dos filmes que tanto adorava quando mais novo e sugeriu a criação de um jogo de terror e lhe foi concedido o direito de liderar o projeto. Naquela altura, o game designer já tinha a exata noção do que pretendia criar, como ele lembrou na edição 150 da revista Edge, publicada em junho de 2005:

“Uma mansão dos anos 1920. Eu queria uma casa grande o suficiente, onde você começaria no sótão e então poderia explorá-la completamente antes de encontrar uma saída. A virada do século permitiu usar armas de fogo, enquanto evitava commodities modernas que eram difíceis de lidar: a eletricidade, por exemplo, poderia causar problemas na atmosfera e de consistência.”

Então, baseando-se na proposta inicial e nos nomes In the Dark e Scream in the Dark, o diretor de arte Didier Chanfray criou vários rascunhos usando giz em folhas pretas de papel canson e após um concurso interno, Yaël Barroz foi escolhida como a artista que trabalharia no projeto.

Eles ainda convenceram Raynal a abandonar a ideia de usar fotos de uma casa real para ilustrar os cenários, algo que seria ambicioso demais para as ferramentas que tinha à disposição. Eles também optaram por fazer com que os planos de fundo fossem fixos, o que acabou contribuindo para a ambientação, já que os ângulos das câmeras (170, no total) passariam a sensação de que o jogador estava sendo constantemente observado.

Quando setembro de 1991 chegou, Raynal, Chanfray e Barroz entregaram uma versão preliminar do jogo à direção da Infogrames e aquelas poucas salas jogáveis foram suficientes para os convencer a aprovar o desenvolvimento. A equipe então receberia a adição de outros quatro profissionais: Franck De Girolami (programador), Philippe Vachey (compositor), Hubert Chardot (roteirista) e Franck Manzetti (designer).

Inspirações, horror cósmico e Derceto

Inspirado nas histórias de H. P. Lovecraft e Edgar Allan Poe, especialmente no conto A Queda da Casa de Usher, Alone in the Dark por pouco não teve uma ligação direta com o RPG Call of Cthulhu. Embora a Infogrames tivesse adquirido os direitos para usar a marca, a Chaosium considerou que o jogo seria muito simples para ostentar seu nome e por isso a desenvolvedora só pode aproveitar os mitos criados por Lovecraft.

Essas referências iam desde o Necronomicon e o De Vermis Mysteriis, até a menção de monstros como os Deep Ones, Nightgaunts e Cthulhu. Já o sobrenome de um dos protagonistas, o detetive Edward Carnby, foi inspirado em John Carnby, do conto O Retorno do Feiticeiro, de Clark Ashton Smith.

Por sua vez, Emily Hartwood foi adicionada como personagem selecionável porque a Infogrames acreditava que ela chamaria a atenção do público feminino. Para encaixá-la no enredo, a moça seria sobrinha de Jeremy Hartwood, o artista que cometeu suicídio no início da história e sua motivação para visitar a mansão chamada Derceto estaria numa suposta carta de despedida que o sujeito teria deixado em um piano.

E por falar na casa assombrada, ela recebeu seu nome em homenagem à deusa síria Atargatis, tendo sido construída por um pirata ocultista chamado Ezechiel Pregzt. Sob o lugar existia uma caverna em que o sujeito realizava rituais satânicos, com o objetivo de aumentar sua fortuna e lhe garantir vida eterna. Porém, quando os soldados da União chegaram lá durante a Guerra Civil e descobriram o que estava acontecendo, mataram Pregzt e queimaram a casa.

Aquele poderia ter sido o fim de Derceto, mas após a alma do pirata ter se prendido a uma antiga árvore na caverna, ele aguardou a reconstrução da mansão e quando estava prestes a possuir o corpo de Jeremy, o artista preferiu se matar. Com isso, os alvos de Pregzt passam a ser a sobrinha do ex-morador ou o detetive que foi até legal buscar o tal piano para um colecionador de antiguidades.

Com os detalhes espalhados por livros e anotações que podiam ser encontrados pelos cenários, o enredo do Alone in the Dark trazia um nível de complexidade que não era comum nos jogos da época. E para ajudar a fazer com que o jogador ficasse mais tenso, a morte poderia acontecer a qualquer momento, até mesmo ao ler livro.

“Um jogo é 80% movimento,” explicou Raynal. “Por isso que você quer deixar o jogador assustado quando está fazendo essas coisas simples. No Alone in the Dark, quando ele abre sua primeira porta há um monstro logo atrás e ele morre imediatamente. Quando anda pelo primeiro corredor, o chão cede e ele morre. A partir daquele momento ele estará assustado o tempo todo. A música também ajuda. Eu queria uma trilha dinâmica, com um tema específico para a chegada de cada monstro. O Philippe teve a ideia de tocá-lo um pouco mais quando necessário. No fim das contas, você ficaria assustado até sem motivo.”

Tudo isso fez com que a criação de Frédérick Raynal se tornasse um grande sucesso, com a crítica se rendendo às muitas inovações que ele trouxe em 1992. Dois anos depois seria a vez do Alone in the Dark receber uma versão ainda melhor para o 3DO. Graças ao CD, o jogo contaria com uma trilha sonora orquestrada e dublagens para os documentos. O resultado seria as 600 mil cópias vendidas até 1997, considerando todas as plataformas.

Contudo, não foi apenas o reconhecimento que Raynal recebeu ao participar da criação daquele clássico. Durante o desenvolvimento, ele e a artista Yaël Barroz passaram a ter um relacionamento, o que resultou num casamento e dois filhos. O game designer ainda nos daria a série Little Big Adventure e o Time Commando, com a sua última criação sendo o mediano 2Dark, lançado em 2017.

Já para a franquia Alone in the Dark, o futuro seria bem mais complicado. Apesar de as duas continuações diretas terem agradado boa parte do público, o que se viu depois foi um enorme desrespeito ao legado deixado pelo seu criador. Com o Alone in the Dark: The New Nightmare a série já dava sinais de que não conseguiria acompanhar os survival horrors. O Alone in the Dark publicado pela Atari em 2008 reforçaria essa impressão e o filme Alone in the Dark: O Despertar do Mal, dirigido pelo infame Uwe Boll só pioraria a imagem da franquia. Já em 2008 até tivemos uma adaptação levemente melhor, com o Alone in the Dark 2: O Retorno do Mal, mas o fundo do poço seria alcançado em 2015, com o lançamento do Alone in the Dark: Illumination, que obteve média 19 no Metacritic.

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