A inteligência artificial (IA) avançou em ritmo acelerado nos últimos anos e passou a influenciar diretamente não apenas o cotidiano das pessoas, mas também o funcionamento de empresas, fábricas, centros de ensino e a formulação de políticas públicas.
De simples assistentes virtuais a algoritmos capazes de interpretar padrões de comportamento, a IA saiu dos laboratórios de pesquisa e se integrou à vida real com velocidade surpreendente. E, com ela, vieram profundas transformações econômicas e sociais.
Nos ambientes corporativos, a adoção de soluções inteligentes tornou-se estratégia prioritária para aumentar eficiência e reduzir custos. Empresas de todos os setores estão automatizando tarefas repetitivas, delegando a sistemas de IA funções como atendimento ao cliente, triagem de currículos, controle logístico e, até mesmo, análise jurídica. O resultado é uma reorganização acelerada do mercado de trabalho.
Setores como a indústria, o transporte e os serviços administrativos estão entre os mais impactados pela automação. Estimativas do indicam que 85 milhões de postos de trabalho devem ser extintos até o fim de 2025 em razão do uso crescente da IA.
No entanto, o mesmo relatório projeta a criação de 97 milhões de novas vagas. As principais áreas são aquelas que demandam qualificação específica, como ciência de dados, cibersegurança, desenvolvimento de software e engenharia de IA.
Esses cargos não apenas exigem conhecimento técnico, mas também habilidades de resolução de problemas, pensamento assertivo e adaptação constante.
“Enxergo esse processo como uma substituição de funções que o ser humano desempenha, especialmente aquelas tarefas repetitivas ou de esforço físico”, afirma o engenheiro aeroespacial Bernardo Vieira Magaldi, do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). “Essas atividades estão sendo automatizadas, mas isso abre espaço para uma nova concepção de trabalho.”
Estudos recentes mostram que o impacto da IA sobre o emprego é desigual e tende a ampliar a divisão entre colaboradores qualificados e os sem acesso à educação tecnológica. A Organização Internacional do Trabalho alerta que, sem investimentos em qualificação técnica, a digitalização tende a beneficiar apenas trabalhadores já capacitados.
Dados da consultoria McKinsey reforçam esse cenário: 14% da força de trabalho global deverá migrar para outras ocupações até 2030. Em países como o Brasil, onde a informalidade é alta e há limitação acesso à formação técnica, o risco de exclusão se acentua.
Para Magaldi, a resposta a essa desigualdade está na educação: “A receita ainda é investir, desde cedo, na formação de crianças e jovens”, diz. “Esse aprendizado pode ser sistematizado, removendo os impactos negativos, como por exemplo a perda de concentração, e ganhando direção e propósito dentro da formação educacional.”
Com o uso disseminado da IA, surgem também desafios éticos e sociais. Sistemas inteligentes dependem da coleta massiva de dados pessoais para funcionarem com eficiência, o que levanta dúvidas sobre privacidade, segurança da informação e responsabilidade legal.
“A ciência de dados, e por extensão a inteligência artificial, já impactam profundamente a autonomia humana”, continua Magaldi. “O desafio atual está em garantir que essa crescente automação não comprometa a autonomia dos indivíduos, mas sim a fortaleça.”
no Brasil
No Velho Continente, o Conselho da Europa aprovou, em março de 2024, a primeira Convenção-Quadro sobre Inteligência Artificial, um marco regulatório que busca garantir que a IA respeite os direitos humanos e os valores democráticos nacionais. Já o Reino Unido criou o AI Safety Institute, com o objetivo de avaliar os riscos associados à tecnologia e estabelecer padrões para seu desenvolvimento seguro.
No Brasil, o debate sobre regulação também avança. O Projeto de Lei 2.338/2023, conhecido como Marco da Inteligência Artificial, foi aprovado pelo Senado em dezembro de 2024 e aguarda votação na Câmara dos Deputados.
O texto classifica os sistemas de IA conforme o nível de risco aos direitos fundamentais e distingue entre aplicações de IA comum e IA generativa. Apenas essas últimas e os sistemas de propósito geral passarão por avaliação preliminar obrigatória.
Em paralelo ao trâmite legislativo, o governo federal tem atuado para orientar o setor público. Em fevereiro, o Núcleo de Inteligência Artificial lançou a cartilha IA Generativa no Serviço Público, com orientações práticas para o uso ético da tecnologia.

O material integra as ações da Infraestrutura Nacional de Dados, lançada dentro do , que prevê R$ 1,76 bilhão em investimentos para modernizar serviços públicos e promover a interoperabilidade entre órgãos. A proposta é tornar a IA uma aliada do servidor público, com foco na produtividade e no atendimento ao cidadão.
“O Estado irá e precisa incorporar algoritmos na supervisão e formulação de políticas públicas, a fim de conseguir gerir melhor e mais rápido esses processos e ao mesmo tempo garantir transparência e ética no uso dessas ferramentas”, afirma Magaldi.
A corrida pela liderança em inteligência artificial já está em curso. Mas não se trata apenas de uma competição por inovação. O que está em jogo é quem terá as ferramentas para moldar o futuro do trabalho, garantir proteção social e preservar os princípios democráticos diante de tecnologias cada vez mais poderosas.
“Ao meu ver, a educação tende a se afastar do modelo centrado exclusivamente no diploma formal, dando lugar a um processo contínuo de aprendizado”, diz Magaldi. “Isso cria um novo ecossistema de competências, em que as pessoas não apenas desenvolvem essas tecnologias, mas também aprendem a conviver com elas de maneira integrada ao cotidiano.”
Os países que conseguirem equilibrar investimento em educação, regulação eficaz e incentivo à inovação sairão na frente. Os demais correm o risco de ver sua população excluída das transformações que já estão em andamento.
Fonte: revistaoeste