Sophia @princesinhamt
SAÚDE

Por que adolescentes são rebeldes: explicação científica

2025 word2
Grupo do Whatsapp Cuiabá

A

ristóteles dizia que eles são “apaixonados, irascíveis e inclinados a se deixarem levar por seus impulsos”. Platão advertia: o consumo de bebida alcoólica nessa faixa etária é como “atear fogo ao fogo”. O primeiro psicólogo a estudá-los classificou-os como “tempestuosos”, e, séculos antes, Shakespeare resumiu: “A mocidade é inimiga de si mesma”.

A adolescência carrega má fama mesmo antes de a palavra – que deriva do latim adolescere (“crescer”) – surgir, no século 15. Ainda hoje, os que estão deixando a infância são vistos como rebeldes, imprudentes, indisciplinados, preguiçosos, raivosos, teimosos e o pesadelo de pais e professores. E, embora essas sejam generalizações, nenhuma delas é exatamente infundada.

Na última década, eles se tornaram protagonistas de uma preocupação inédita na história humana: a primeira geração a crescer com smartphones teve a saúde mental destruída pelo feed de rolagem infinita e tem acesso virtualmente ilimitado a conteúdos que estimulam transtornos de autoimagem, radicalização ideológica e comportamentos violentos – uma preocupação de pais e autoridades mundo afora que culminou com o hit Adolescência, da Netflix: a história de um menino de 13 anos acusado de cometer feminicídio.

Enquanto isso, estudos recentes em áreas tão variadas quanto psicologia, neurociência, sociologia e pedagogia vêm mostrando que a adolescência é muito mais do que espinhas, hormônios ouriçados, mudanças constantes de humor e riscos para a sociedade. 

Essa fase é crucial para a formação da personalidade e da identidade durante toda a vida, e mesmo características tidas como negativas, como a impulsividade e a desobediência, têm explicações evolutivas e são imprescindíveis para que nossa civilização funcione: “É graças aos adolescentes, que assumem mais riscos, que o mundo vai adiante”, diz Teresa Helena Schoen, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e pesquisadora da adolescência. “Se esperássemos que as decisões fossem tomadas por adultos, nada mudaria.” 

Nos próximos parágrafos, vamos explorar o que a ciência tem a nos revelar sobre o período mais conturbado da vida – e como podemos transformá-lo numa experiência mais agradável e saudável.

Imagem, em fundo degradê amarelo-laranja, de um bloco de argila para modelagem de esculturas sendo cortado por um fio de nylon.
(Felipe Del Rio/Superinteressante)

Se você é jovem ainda

O que é, afinal, a adolescência? A resposta não é tão óbvia – a ideia de que existe uma fase intermediária entre a infância e a vida adulta é surpreendentemente recente. Pessoas jovens sempre foram vistas como um grupo de comportamento temerário, como mostram os exemplos do início deste texto. Porém, em muitas culturas, a passagem para a vida adulta ainda é abrupta, geralmente marcada por algum rito. Em um dia você é criança, no dia seguinte não é mais. 

Por séculos, os que chamamos de adolescentes eram vistos pela sociedade como adultos em formação, que já podiam trabalhar, casar e ter filhos, ainda que fossem inexperientes. A dita adolescência era entendida como uma fase de transição, que misturava comportamentos de crianças e de crescidos – e não uma etapa distinta do desenvolvimento humano, com características próprias.

Foi só no final do século 19 que, na maior parte do Ocidente, leis que restringiam o trabalho infantil entraram em jogo, o que aumentou o número de crianças nas escolas. “A adolescência como construção social surge com a ampliação da educação formal universal”, diz Schoen. O agrupamento de vários indivíduos da mesma faixa etária em uma sala de aula, por muitas horas diárias, tornou evidente que uma pessoa de 15 anos é bem diferente tanto de uma criança como de um adulto. 

Ao longo do século 20, a ideia foi se cristalizando no imaginário popular, processo que ganhou força após a 2ª Guerra Mundial. O choque da sociedade ao ver meninos de 15 ou 16 anos matando, morrendo e cometendo atrocidades gerou um consenso de que esses indivíduos não podiam ser considerados adultos e precisavam ser resguardados de alguma forma da estupidez dos mais velhos. 

Imagem, em fundo degradê amarelo-laranja, de um vaso de argila quase finalizado. Ao lado, algumas ferramentas de arte.
(Felipe Del Rio/Superinteressante)

Enquanto isso, no mundo acadêmico, quem fundou o campo de estudos da adolescência foi o americano Stanley Hall. É um nome de peso: ele foi a primeira pessoa a conseguir um doutorado em psicologia nos EUA e o primeiro presidente da Associação Americana de Psicologia. Em 1904, ele publicou o primeiro livro que abordava o período púbere como um objeto de investigação científica válido. 

Hall estudava, sobretudo, meninos brancos, muitos dos quais eram infratores ou de famílias desajustadas. Por conta disso, ele não tinha uma visão muito positiva da coisa: classificava a adolescência, que ele julgou começar aos 14 anos e terminar aos 24, como um período de “tormenta e tempestades”, marcado por rebeldia, conflitos e tensão. Na sua visão, muitos dos adolescentes eram “cruéis e preguiçosos”, e “mentiam e roubavam” com frequência. Essa fase de selvageria e instintos sexuais precisava ser superada e deixada para trás, como um obstáculo.

Por muito tempo, essa visão enviesada dominou os estudos da adolescência. Hoje, porém, sabemos que alguma turbulência emocional é uma parte natural do aprendizado e do acúmulo de experiências necessários para formar adultos saudáveis. 

Forever young

Há uma surpreendente falta de consenso sobre a extensão da adolescência. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece o intervalo entre 10 e 19 anos; o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), por sua vez, considera que ela vai dos 12 até o aniversário de 18 anos. Pode parecer uma diferença pequena – mas repare que pela segunda definição, que tem força de lei, jovens de 18 e 19 anos são legalmente adultos.

Definir quando a adolescência começa é um pouco menos controverso porque envolve um fator biológico fácil de aferir – o início da puberdade. Esta parte você já sabe: nosso corpo precisa se preparar para fazer bebês, e essa metamorfose é guiada por hormônios, mensageiros químicos que regulam diversos processos fisiológicos.

Os mais importantes são os hormônios sexuais – testosterona nos meninos, estrogênio e progesterona nas meninas –, que regulam as características sexuais primárias e secundárias, resultando no pacote constrangedor típico do Ensino Fundamental II: aparecimento de pelos, desenvolvimento de mamas, alterações na voz… [Veja mais no infográfico abaixo.]

Mas não só: vários outros hormônios entram na jogada, como os de crescimento (GH e IGF-1), e há mudanças nos padrões de produção do cortisol e da melatonina também. Essa tempestade hormonal ajuda a explicar as constantes mudanças de humor típicas dessa fase, aliás.

O maior marco do final da infância é, portanto, a maturação sexual. Nas meninas, a menarca (primeira menstruação) costuma acontecer entre os 12 e 13 anos, ainda que haja muita variação individual. Nos meninos, a semenarca (primeira ejaculação) é alguns meses mais tardia: em média, ocorre aos 13 anos.

Gráfico, em fundo amarelo, explicando a transformação do corpo na adolescência.
(Arte/Superinteressante)

Mesmo esse referencial biológico não pode ser traduzido automaticamente na definição social de adolescência, contudo, porque dados mostram que a puberdade está acontecendo cada vez mais cedo, mesmo considerando variações individuais esperadas. O fenômeno é mais comum em meninas e atinge várias populações distintas: na Dinamarca, por exemplo, a idade média do desenvolvimento dos seios caiu um ano inteiro entre 1991 e 2006; na China, a idade média da primeira menstruação também diminuiu um ano entre 1985 e 2010.

As razões mais prováveis por trás desse fenômeno são mudanças na dieta e no peso corporal. Meninas precisam de uma quantidade mínima de gordura para menstruar, e o aumento do sobrepeso e da obesidade infantil pode estar adiantando a menarca. Seguindo a lógica oposta, o problema da desnutrição infantil era mais comum nas décadas passadas, o que jogava a média para cima.

Isso levanta uma questão: uma menina de oito anos que já menstruou pode ser considerada adolescente, mesmo que psicologicamente e culturalmente ela ainda seja muito mais parecida com uma criança? É por isso que o critério biológico, por si só, não basta.

Definir quando a adolescência acaba é ainda mais complicado, porque não há um marco biológico específico. Algumas das mudanças corporais típicas da puberdade podem se cristalizar aos 15 anos, enquanto outras podem se estender até depois dos 20.

No fim, o critério para decretar o fim da adolescência é puramente cultural, baseado em comportamentos que são associados à “vida adulta”: sair da casa dos pais, finalizar os estudos para trabalhar, casar, ter filhos, pagar as próprias contas etc. A maioria das definições estipula algum momento entre 18 e 21 anos como o início da vida adulta.

Temos aqui outro impasse: com o envelhecimento da população, o aumento da expectativa de vida e o prolongamento dos estudos na maioria dos países, o jovens estão adiando cada vez mais sua entrada efetiva na vida adulta. No Brasil, por exemplo, a idade média do primeiro casamento para uma mulher era de 22 anos há três décadas. Hoje estamos em 28 anos, segundo o IBGE. E, no mundo todo, os jovens contemporâneos estão exibindo cada vez menos comportamentos tradicionalmente associados à transição da adolescência para a vida adulta, como consumir álcool e ter uma vida sexual ativa.

Esse adiamento das funções sociais adultas é um dos dois principais motivos pelos quais alguns cientistas defendem que é hora de estender a adolescência até os 25 anos. O outro motivo é neurológico.

Imagem, em fundo degradê amarelo-laranja, de um vaso de argila recém modelado.
(Felipe Del Rio/Superinteressante)

Baby, we were born to run 

Grosso modo, dá para dividir os animais em dois grupos. Os precociais são aqueles que saem do útero (ou do ovo) dependendo pouco de seus pais: os genitores ajudam as crias por um breve período, e só em algumas coisas. É que os recém-nascidos já nascem com a maior parte do aparato físico e neurológico necessário para sobreviver.

Os altriciais são o contrário: precisam de cuidados parentais por um longo período após o nascimento. É o que acontece com cangurus, cães e, claro, humanos. Nós somos um exemplo particularmente radical da altricialidade, mesmo entre os primatas: recém–nascidos, como você bem sabe, nada fazem além de chorar. Bebês precisam de adultos para tudo: se alimentar, se locomover, se proteger de predadores– e leva muitos anos até que um humano consiga fazer essas coisas por si só.

Do ponto de vista evolutivo, pode parecer uma fraqueza nascer tão vulnerável na natureza, mas somos uma espécie social, e é instintivo não só para os pais da criança como para os outros indivíduos adultos do grupo cuidar dos bebês. Por outro lado, há uma vantagem imensa em não vir pronto da fábrica: o cérebro humano passa por uma longa fase de desenvolvimento fora do útero, que o torna extremamente flexível para lidar com o mundo.

 “O cérebro na infância é muito plástico, com uma capacidade muito grande de aprender”, explica Sabine Pompeia, professora de Cognição Humana na Unifesp e coordenadora de um grupo de pesquisa batizado com o trocadilho Adole-sendo. “Não dá para nascer totalmente pronto porque precisamos nos adaptar ao contexto social e físico em que nascemos.” Essa característica é que permitiu ao Homo sapiens habitar basicamente todos os locais da Terra, por mais distintos que sejam.

Ao longo da infância, novas sinapses (ligações entre os neurônios) se formam em ritmo frenético, gerando a chamada massa cinzenta do cérebro. São elas que permitem que a criança aprenda de tudo, desde habilidades motoras até as cognitivas. É por causa dessa produção acelerada de novas sinapses que é tão mais fácil aprender uma língua nova ou tocar um instrumento quando se é criança.

Mas é aquela história: quem faz um pouco de tudo nunca se especializa em nada. Não dá para manter essa flexibilidade para sempre. Quando a puberdade chega, acontece a “poda sináptica”: conexões menos usadas são entendidas pelo seu corpo como pouco importantes e acabam descartadas. Por isso, o volume de massa cinzenta começa a diminuir – e as ligações que sobram precisam ser reforçadas.

O amadurecimento cerebral na adolescência não tem muito a ver com o crescimento de volume, portanto. O que acontece é um aumento brutal nas chamadas bainhas de mielina. Essas estruturas são camadas de gordura que revestem os axônios – os “rabinhos” mais compridos dos neurônios – e funcionam como um isolante elétrico, aumentando a eficiência da transmissão dos impulsos nervosos. Um axônio revestido transmite sinais até cem vezes mais rapidamente.

Juntos, os neurônios envoltos em mielina formam a outra massa do cérebro – batizada pelos neurocientistas de massa branca. Ela é menos plástica que sua prima cinzenta, mas absurdamente mais especializada, eficaz, e, acima de tudo, interconectada. Um cérebro maduro, portanto, é aquele em que diferentes áreas trabalham em conjunto, algo que só passa a acontecer em grande escala após a mielinização dos neurônios.

O pulo do gato nessa explicação é que as barrinhas de mielina não se desenvolvem todas simultaneamente. A massa branca amadurece em um ritmo diferente em cada parte do cérebro. Uma das primeiras áreas a finalizar o processo é o chamado sistema límbico, formado por estruturas evolutivamente antigas, como a amígdala e o hipotálamo. Essa parte do órgão é principalmente responsável pelo nosso lado “primitivo”: impulsos sexuais, instinto de sobrevivência e emoções.

O auge da mielinização do sistema límbico costuma acontecer nos primeiros anos de puberdade, e significa que a maneira como sentimos e lidamos com emoções muda radicalmente. Outra função importante dessa região é regular nosso sistema de recompensas, responsável por gerar sensação de prazer em resposta a comportamentos que o corpo interpreta como positivos para a sobrevivência.

A região antagônica do sistema límbico é o córtex pré-frontal, logo atrás da testa. Ele é responsável por raciocínio lógico, planejamento de longo prazo, regulação de emoções e impulsos, empatia e todo o resto do aparato neurológico que permite a existência de uma civilização. Essa área nos dá a habilidade de imaginar cenários hipotéticos para planejar nossas ações – considerando benefícios de longo prazo, e não só prazeres imediatos. 

O problema é que o córtex pré-frontal passa por uma mielinização muito mais lenta. O processo só acaba de vez por volta dos 25 anos. Há, então, uma década inteira de descompasso, em que a parte sem noção do seu cérebro, amante inveterada de junk food e pegação, se sobrepõe às decisões dos miolos mais parcimoniosos. É por isso que adolescentes são, de modo geral, mais impulsivos e menos cautelosos do que os adultos.

Gráfico, em fundo amarelo, explicando as transformações do cérebro na adolescência.
(Arte/Superinteressante)

É por isso que alguns cientistas argumentam que o conceito de adolescência deveria ser estendido até os 25 anos, quando o córtex pré-frontal finalmente toma as rédeas do jovem. E essa demora no amadurecimento da nossa cachola levanta questões filosóficas sem resposta clara – por exemplo: até que ponto devem ir as punições por comportamentos inadequadose criminosos? 

Nos Estados Unidos, a Suprema Corte decidiu em 2005 que menores de 18 anos podem ser julgados por seus atos – mas que a pena de morte, que é legal em vários estados do país, não pode ser aplicada a eles.

A maioria dos juízes entendeu, com base em estudos de neuroimagem, que os adolescentes são capazes de diferenciar certo e errado e que, portanto, podem ser punidos, mas que a pena capital é radical demais para uma faixa etária em que o cérebro ainda não está suficientemente maduro. Hoje, um grande movimento que inclui cientistas, ativistas e até a Ordem dos Advogados Americanos defende que essa idade mínima para ser executado pelo Estado deveria subir para os 21 anos.

Slow down, you crazy child 

Ter uma fase inteira do desenvolvimento em que o lado “irracional” do cérebro supera o lado “racional” parece uma fraqueza, uma desvantagem evolutiva. Mas é justamente o contrário, e exemplos de outras espécies provam isso.

Por ser um conceito social, não dá para transpor a ideia de adolescência a outros animais, é claro. Mas é possível traçar paralelos [veja no gráfico abaixo]. No livro Wildhood (“Idade selvagem”, sem edição em português), as pesquisadoras Barbara Natterson-Horowitz e Kathryn Bowers, da Universidade da Califórnia, argumentam que vários animais passam por suas próprias versões de adolescência. 

A ideia é que muitas espécies também têm um período compreendido entre a maturação sexual e a vida adulta propriamente dita. É nessa etapa que o filhote precisa treinar e aprender comportamentos para viver por si só – caçar, cortejar parceiros, procurar abrigo, se proteger de predadores, conquistar status social no seu grupo etc. 

Albatrozes machos jovens, por exemplo, assistem aos mais velhos cortejando as fêmeas, e depois praticam os mesmos movimentos entre si, como num ensaio entre amigos para convidar a crush para um date. Em alcateias, os adolescentes são levados como observadores em caçadas, e todos os lobos adultos se encarregam de ensinar-lhes a tarefa. Se os pequenos atrapalham a empreitada com sua inexperiência, não são punidos da mesma forma que adultos.

Gráfico, em fundo cinza escuro, explicando o período da adolescência de outros animais.
(Arte/Superinteressante)

Uma característica que várias dessas “adolescências” compartilham, de pinguins a baleias, de hienas a cachorros, até alguns vermes e moluscos, é uma maior tendência a correr riscos. Da mesma forma que humanos jovens tendem a ser mais rebeldes e imprudentes, muitos bichos jovens desafiam as normas dos mais velhos e ousam em comportamentos pouco comuns. 

Jubartes jovens formam gangues para explorar o oceano, enquanto as mais velhas focam em acasalamento, seguindo sempre os mesmos rituais. Já as orcas adolescentes gostam de uma brincadeira cruel: atacam outros animais sem objetivo de predação, apenas para incomodar. Esse bullying marinho ajuda os cetáceos a acumular experiência para quando chegar a hora de caçar de fato, mas também é perigoso, já que a vítima da perseguição pode revidar.

Um efeito colateral típico de se arriscar na natureza é a morte. Mas aventuras bem-sucedidas trazem recompensas inéditas para o indivíduo – é só pensar que nenhum beijo é tão emocionante quanto o primeiro –, e é justamente por isso que a rebeldia adolescente é uma vantagem evolutiva. Trata-se de um período de aprendizado e adaptação à vida real, e erros ensinam tanto quanto acertos. “Claro, um ou outro vai acabar morrendo. Mas os outros indivíduos do grupo vão aprender com esse erro”, explica Pompeia. 

Sweet dreams (are made of this) 

A imprudência não é a única arena em que os adolescentes podem pôr a culpa em Darwin: a fama de serem preguiçosos também tem raízes biológicas. Uma das muitas mudanças que ocorrem na puberdade é a alteração da produção da melatonina, um hormônio que atua sobre o relógio biológico. Essa mensageira química é liberada quando a exposição à luz solar cessa, avisando nosso corpo que é noite e preparando o organismo para dormir.

Na adolescência, a liberação passa a acontecer mais tarde, como em adultos – adiando a sonolência que, em crianças, costuma vir bem cedo. E o problema é que humanos em fase de crescimento não só dormem naturalmente mais tarde como também precisam de mais horas de sono. Até dez por noite, enquanto adultos se sentem descansados com sete ou oito.

Imagem, em fundo degradê amarelo-laranja, de um vaso de argila, recém modelado, texturizado com espátulas. Ao lado, um rolo de pintura e um vidro de tinta.
(Felipe Del Rio/Superinteressante)

A sociedade não dá muita bola para essa necessidade, como você bem sabe – aulas de Ensino Médio costumam começar por volta das 7h00 da manhã. Acordar muito cedo e dormir pouco, porém é prejudicial para a saúde física e mental dos adolescentes: afeta o aprendizado, o humor e até as chances de desenvolver obesidade e doenças vasculares. 

Hoje, a recomendação de especialistas e de entidades de saúde como a Associação Brasileira do Sono é que aulas matutinas não comecem antes das 8h30. No Brasil e no mundo, algumas escolas particulares já implementam a medida, mas é difícil aplicá-la em grande escala, especialmente no setor público. Em 2019, o estado americano da Califórnia foi pioneiro ao oficializar o início mais tarde para todas escolas, o que influenciou outros locais, como a Flórida, a fazer o mesmo.

Nobody likes you when you’re 23

Barras de mielina desiguais, horários incompatíveis com a realidade, espinhas e uma vontade imprudente de tentar tudo pela primeira vez são uma mistura explosiva. Junte isso com o fato de que todos os seus amigos, crushes, colegas e desafetos estão passando pela mesmíssima coisa e voilà: não há saúde mental que passe incólume. Na adolescência, buscamos aprovação social, moldando nosso comportamento em relação ao que é considerado adequado pelo grupo em detrimento de nós mesmos.

Não à toa, 75% dos distúrbios mentais, como depressão e transtorno de ansiedade, surgem entre os 14 e 25 anos. Com um detalhe importante: na última década, os números de problemas do tipo na adolescência têm aumentado drasticamente, incluindo ocorrências graves como suicídios. O provável culpado você pode imaginar: o celular.

Os feeds de rolagem infinita das redes sociais fornecem uma fonte de distração interminável e são planejados deliberadamente para viciar os usuários, como máquinas caça-níqueis. Notificações de WhatsApp têm um caráter inesperado que as torna irresistíveis. E é claro: o ambiente virtual está substituindo muitas experiências que são necessárias para aprender a viver em sociedade.

“Uma das coisas mais difíceis que um ser humano precisa aprender é como é se portar socialmente. E essa geração de adolescentes está tendo que aprender isso em dois ambientes com regras sociais distintas”, diz Sabine Pompéia, da Unifesp.

A busca por aceitação social, o sentimento de não pertencimento a um grupo e a pressão estética de influencers com corpos irreais podem levar, por exemplo, a transtornos de autoimagem como anorexia e bulimia, mais comuns em meninas.

Outro perigo é a exposição a conteúdos inapropriados. E nem estamos falando só de pornografia ou imagens sensíveis: nos últimos anos, um outro problema em alta foi o crescimento de discursos extremistas, recheados de misoginia, racismo e preconceitos, que influenciam as opiniões dos jovens e induzem a comportamentos extremistas e violentos. 

“Antes, esse tipo de conteúdo existia só na dark web. Hoje, ele já chegou na superfície das redes sociais, e o modelo de negócios dessas plataformas é baseado em algoritmos que priorizam o engajamento e acabam promovendo esses conteúdos nocivos”, diz Telma Vinha, docente da Unicamp que pesquisa violência e radicalização entre menores de idade.

Adolescentes são especialmente vulneráveis a esse tipo de discurso por várias razões. A imaturidade neurológica tem seu papel, é claro, mas esse também é um fenômeno social: em muitas dessas comunidades extremistas, adolescentes que se sentem deslocados e excluídos encontram acolhimento e são ensinados a redirecionar seu ressentimento à sociedade fora daquela bolha.

Não há consenso sobre a melhor forma de lidar com esse problema. No Brasil, você sabe, a proibição dos celulares na escola já é lei – e foi tema da matéria de capa da Super em fevereiro. Em alguns países, como Austrália, adolescentes nem sequer podem ter perfis em redes sociais. Telma argumenta que o ideal seria regulamentar a internet a nível global – afinal, é muito fácil burlar leis locais usando VPNs.

Educação e letramento digital nas escolas já existem no currículo de países extremamente desenvolvidos, como a Finlândia. Mas o problema é que os próprios adolescentes entendem bem mais das transformações do mundo online do que os adultos. É preciso incluí-los na conversa de igual para igual, algo que não é tão fácil na organização hierárquica das salas de aula. 

Imagem, em fundo degradê amarelo-laranja, de um vaso de argila pintado de azul.
(Felipe Del Rio/Superinteressante)

É igualmente complexo para as famílias; os pais, menos conectados, não sabem como abordar a questão com seus filhos, e se culpam por isso. Estudos mostram que a melhor maneira de puxar o assunto é demonstrar curiosidade, e não repreensão – um tom inquisidor pode levar o adolescente a se fechar e se afastar. Famílias que reportam uma maior coesão e maior comunicação em estudos também apresentam menos problemas relacionados ao mundo digital.

Algum nível de monitoramento e supervisão é, obviamente, indispensável tanto no mundo real quanto no digital. O desafio é não passar dos limites e se tornar autoritário demais – o que só induz ainda mais a um comportamento milenar dos adolescentes: esconder segredos de seus pais. “Também temos muitas evidências de que a falta de privacidade e a restrição exagerada de experiências têm consequências danosas a longo prazo”, diz Sabine Pompeia. 

Pareceu complicado? É porque é mesmo. A adolescência é naturalmente um período de dúvidas e contradições. Ninguém sabe bem como lidar com essa batata quente, mas o fato é que ela não pode ser ignorada, e o primeiro passo é tentar entendê-la. 

Um editorial do prestigioso periódico Nature, intitulado “A ciência da adolescência precisa amadurecer”, resume bem: “É difícil se tornar adulto. Em muitas culturas, pais, educadores, médicos e aqueles que fazem políticas públicas criticam adolescentes por sua impulsividade, não entendem sua raiva e ridicularizam sua linguagem e seus costumes. A próxima geração merece mais. E podemos começar prestando atenção nela”.

Fonte: abril

Sobre o autor

Avatar de Redação

Redação

Estamos empenhados em estabelecer uma comunidade ativa e solidária que possa impulsionar mudanças positivas na sociedade.