As aranhas sociais da África (Stegodyphus dumicola) não andam sozinhas. Essa espécie “hippie” de aracnídeo forma agregações que duram a vida toda, em colônias que podem ser compostas de dezenas a centenas de animais. O estilo de vida cooperativo pode ser facilitado por uma nova descoberta dos cientistas: de acordo com uma nova pesquisa, parece que essas aranhas não têm personalidades distintas.
Os traços comportamentais de cada aranha da espécie Stegodyphus d. flutuam de forma dramática ao longo do tempo, de forma tão extrema que desafia o que os cientistas pensavam sobre a individualidade desses animais. Fica difícil falar de características individuais quando o comportamento desses aracnídeos muda tanto de uma circunstância para a outra.
A personalidade animal é definida de acordo com os comportamentos que se mantém consistentes ao longo do tempo, independentemente do contexto. No caso das aranhas hippies, as descobertas sobre suas mudanças constantes de comportamento sugerem que os métodos normalmente usados para avaliar personalidade não funcionam para essa espécie.
O estudo monitorou 28 colônias de Stegodyphus d., que vivem na África Central e no sul do continente. A equipe internacional de pesquisadores que avaliou o comportamento em constante transformação das aranhas publicou um artigo detalhando as descobertas no periódico Animal Behaviour.
Como funcionou o estudo
Na década de 1960, o movimento hippie chamou a atenção de muita gente com sua crítica ao individualismo e ao tradicionalismo social. Várias pessoas se uniam comunidades coletivistas onde todos trabalhavam para sustentar o grupo fora da economia formal.
A popularidade desse movimento de contracultura caiu na década de 1970. Os seres humanos tiveram dificuldade de se adaptar a esse modo de vida. Não é um problema para as aranhas sociais.
De acordo com o estudo sobre o comportamento das Stegodyphus d., os comportamentos individuais das aranhas variam de forma muito intensa, provavelmente em resposta a níveis de fome e fatores ambientais externos. Eles perceberam isso examinando 28 comunidades de aracnídeos, checando a cada duas semanas durante um período de quatro meses (elas vivem cerca de um ano, então os pesquisadores acompanharam um terço da vida das aranhas).
Enquanto monitoravam as colônias, os cientistas examinaram três comportamentos específicos: a ousadia ao perceber uma ameaça, as respostas de fuga à ameaça e a velocidade para capturar presas como um grupo.
Individualmente, as aranhas (que foram marcadas com tinta para serem diferenciadas) até podiam apresentar padrões consistentes de comportamento, mas só por um curto período. Os hábitos mudavam muito ao longo da vida, e não adiantava tentar qualquer previsão: um comportamento inicial não tinha nenhuma relação com o que o aracnídeo faria depois.
Esse estudo contradiz pesquisas passadas que tinham vaticinado que as aranhas sociais tinham personalidades estáveis, chegando a essa conclusão só depois de alguns dias de observação ou depois de testes comportamentais repetidos poucas vezes. Agora, as descobertas sugerem que a verdadeira essência da personalidade desses aracnídeos é a mudança constante.
As Stegodyphus d. vivem em colônias cooperativas e aparentemente igualitárias. Todos os indivíduos trabalham juntos para caçar e criar os filhotes, e chegam a se sacrificar por crias que não são diretamente deles, mas de outros membros do grupo.
A nova pesquisa sugere que elas conseguem sustentar essas comunidades porque vivem sem papéis sociais definidos, com comportamentos definidos pela necessidade e não pela hierarquia.
“Isso desafia a ideia de que personalidades individuais são os motores de resultados evolutivos e ecológicos nessa espécie”, explica a pesquisadora Lena Grinsted, principal autora do estudo, em um depoimento.
A pesquisa propõe um desafio para os estudos de ecologia comportamental. Novas definições de personalidade animal precisam partir de métodos observacionais mais rigorosos, que não se contentem com poucos experimentos e não projetem categoriais sociais humanas para cima dos animais – como chamar eles de hippies.
Apesar do apelido, as aranhas sociais parecem ser bem mais radicais do que os barbudos da contracultura.
Fonte: abril